Aqui vai um exemplo muitos shooters são incapazes de fazer sem uma meia dúzia de cinemáticas: criar imersão e prender o jogador. Shadow Warrior 2, a sequência para o reboot de 2013 desenvolvido pela Flying Wild Hog, não precisa de nada disso. Ele está disponível no Steam por R$ 72,99.
Dizer que sou um fã do antecessor seria um exagero e tanto. Apesar de boas ideias, o reboot nunca me conquistou de verdade. Mapas lineares e uma jogabilidade semi repetitiva não faziam jus ao game que o inspirou. Agora, Shadow Warrior 2? Paixão a primeira vista.
Existe uma fluidez em todos os elementos de Shadow Warrior 2, do combate a transição de missões e partes de história. A última, reminiscente de alguma comédia barata de meados dos anos 80 e começo dos 90. Se você espera alguma seriedade, não vai encontrar aqui. Os diálogos são propositalmente ruins, as piadas trilham o mesmo caminho, e isso que faz ele ainda mais sensacional. Não dá para não rolar um sorrisinho quando Lo Wang manda um “Munição nova, vida nova” após recarregar um pente de uma submetralhadora.
Mas o que o torna brilhante é que ele entende a necessidade de manter um “diálogo” com o jogador por meio das mecânicas. Apesar distantes em gênero, é uma mesma linha que traço entre Path of Exile e Diablo 3. O primeiro oferece uma absurda variedade de builds, equipamentos, etc; enquanto o segundo pode não ter a metade, entretanto; sabe passar a intensidade de cada ataque feito.
Shadow Warrior 2 faz o mesmo, as mais de cinquenta armas se comportam de formas diferentes e continuam tão prazerosas de serem usadas mesmo após horas de jogo. Você consegue sentir a “potência” de uma espingarda ou de uma metralhadora sem ter que apelar para elementos que não estejam ligados diretamente ao que acontece na tela.
A variedade fica por conta dos mapas, que agora são gerados de maneira semi-procedural. Cada vez que uma missão é iniciada o jogo define um conjunto de variáveis — do tipo de área ao horário do dia — que devem ser usadas. Com o tempo é possível perceber algumas similaridades, mas nada discrepante ao ponto de tirar a diversão. Além do que, metade do tempo que olhei para o cenário acabei morto por uma meia dúzia de inimigos.
Os inimigos, são o segundo diálogo que Shadow Warrior 2 tem com o jogador “Ok, te demos essas armas ótimas, agora vamos te dar inimigos mais legais ainda. ” Foi a resposta dele a minha questão “Será que tem como ficar melhor? ”. Nem sempre esteticamente tão diferentes, mas mecanicamente impecáveis. Cada um com grupos e estilos de ataques específicos que fazem você pensar duas vezes antes de usar a mesma tática. A melhoria que vi em Shadow Warrior 2 é parecida com a feita no Imp de Doom, deixá-los tematicamente interessantes sem que percam sua identidade.
Essência era o que mais faltava no primeiro Shadow Warrior, que mais parecia um emaranhado de ideias jogadas ao vento na chance de que algo desse certo. Neste é como um belíssimo casaquinho de lã onde boa parte das pontas estão muito bem-acabadas.
Há uma distinta diferença na forma que Shadow Warrior 2 apresenta o mundo em relação a Doom, outro shooter que bebe da mesma fonte dos anos 90. Doom usa a verticalidade para incentivar o jogador a buscar segredos e melhorar o equipamento, enquanto metade da ação ocorre em arenas inteligentemente planejadas. No outro lado do espectro fica Shadow Warrior 2, onde o mundo em si é a arena. Poucas limitações são impostas na maneira que você deve lidar com o combate. “Faça da sua maneira”, enquanto entrega um prato cheio de opções.
A melhor noção que a Flying Wild Hog teve é que ele é um shooter com elementos de RPG e não um RPG com elementos de shooter. Os inimigos não viram aquelas esponjas absorvedoras de dano na dificuldade normal e nem é necessário de outros três jogadores para poder aproveitar a campanha, outro grande medo meu a partir do momento em que anunciaram o modo coop.
Ele trata tanto a progressão do personagem como a progressão das armas como um componente secundário ao desenvolvimento das missões. Cada arma pode ser equipada com três tipos de runas, pense nelas como “boosts” que vão de dano elemental a aumento de movimentação, dano crítico e por aí vai. Já o personagem tem a progressão baseada em “cartas” de habilidades, onde você gasta pontos para melhorar áreas como quantidade de munição obtida, ou poderes que usam o Chi — como desaparecer.
Foram poucos os momentos que eu me senti pressionado a fazer isso, não é como se o jogo enfiasse na sua cara e falasse “olha só, você está jogando errado, você ainda não gastou os pontos, você não fez isso ou aquilo”. Em partes eu estava tão entretido com o combate, com as habilidades de Lo Wang — sendo a empalar inimigos a minha favorita — que até me esquecia que tinha pegado uns itens a mais.
Quando eu passo tanto tempo preso a um jogo ao ponto de me esquecer de que ele ainda tem mais coisas a serem feitas, alguma coisa deu muito certo. Nas horas finais de jogo eu já usava uma bizarra espingarda com tiro duplo e uma runa que me permitia carregar o dobro de munição. Me esquivava, atacava, trocava automaticamente para a espada, decepava os inimigos e seguia para a próxima batalha sem piscar o olho.
Para não dizer que Shadow Warrior 2 é perfeito, e isto não sou eu sendo extremamente detalhista, a interface para a versão PC poderia ter recebido um pouco mais de carinho. Há uma sensação de que ela já foi feita com os consoles em mente e ajustar runas ou equipamentos demora mais do que eu gostaria. Mas, para quem se esqueceu de fazer isso várias vezes, quem sou eu para reclamar, não é mesmo?
Tudo tem seu tempo e lugar, e precisou da Flying Wild Hog aprender com Hard Reset e Shadow Warrior para nos entregar a segunda melhor ressurgência dos shooters dos anos 90 em 2016, seguido ao lado de Doom. É raro quando um jogo tem todas as partes funcionais sem que uma ofusque o brilho da outra. Shadow Warrior é capaz de atingir esse balanço de maneira primorosa. Afie a sua katana, decepe uns inimigos e ria de piadas ridículas, as vezes faz bem. Mas por favor, não decepa alguém na vida real, está bom?