As chances são de que você viu Seven: The Days Long Gone (Steam, GOG) e se interessou pelo visual; quem sabe até ouviu falar de que foi feito por ex-desenvolvedores de The Witcher 3. Entretanto, absolutamente nada te prepara para o tamanho da ambição da desenvolvedora Fools Theory e que ela faz com isso no game que mistura stealth, RPG e ação.
Ambientado em um futuro tecnocêntrico, o jogador assume o papel de Teriel, um ladrão que ao tentar roubar um raro tesouro, conhecido como Cypher, entra em contato com um demônio, é preso e levado para a ilha-prisão de Peh.
A breve descrição não faz jus a narrativa, que vai de medíocre para maravilhosa e depois volta para mediana em um piscar de olhos. O Império Vetrall, onde a trama acontece, pega elementos de praticamente todos os subgêneros narrativos possíveis – um toque de medieval, tecnologia, magia e depois joga dentro de prato e faz uma salada que te deixa tonto.
Passei da metade da história principal, que tende a durar de 15 a 25 horas, e não tinha mais ideia do que acontecia. “Pera, quem é esse personagem mesmo?” ou “Isso não tinha relação com outra parte que me falaram?”, eram reações que tinha constantemente. Ainda bem que não foi a história que me fez seguir em frente, mas o quão distinta é a ilha de Peh.
Tendo a ser mais cativado pelos mundos onde as histórias se passam do que por elas em si, o que foi o caso de The Long Dark e Observer_. Não foi diferente com Seven, que implora para ser explorado.
Se o âmbito narrativo é inconsistente, Seven: The Days long Gone merece destaque pela capacidade compartimentar e diversificar a travessia pelo cenário. Teriel e suas habilidades de ladrão fazem dele um excelente escalador e um mestre na arte de ser furtivo. Mas ser furtivo é algo que muitos jogos – e protagonistas –são capazes. É a implementação do sistema que recebe a devida atenção.
No começo de 2017 escrevi sobre Styx: Shards of Darkness da Cyanide Studio. O game usa uma estrutura que almeja deixar claro para o jogador quais são os diferentes caminhos que ele pode seguir. Um inimigo está na sua frente? Há a opção de atacá-lo, desviar dele ao subir no telhado ou encontrar uma terceira ou quarta rota para evitar o oponente. Enquanto que pode soar limitadora, ela é excelente para consolidar a narrativa que a desenvolvedora quer apresentar. Seven segue o caminho contrário, tenta criar um mundo reativo e o entrelaçar por meio da navegação. Uma decisão que se apresenta como o “calcanhar de aquiles” do game.
Ao condensar o cenário e usar uma câmera no estilo “top-down”, o game permite identificar e escalar praticamente tudo do cenário. Não, sério, literalmente tudo; uma mureta, caixas até trilhos elevados, todos podem, e devem ser usados como elementos transversais. Aliado a isto era a noção de que todas as minhas ações, de um modo ou outro, teria repercussões no cenário e os habitantes da ilha.
Não tardou para que Seven: The Days long Gone virasse uma bizarra caixinha de brinquedos na minha mão. Deixava de completar quests secundárias (que, em minha defesa, não passavam de fetch quests irritantes), para ver até que ponto eu era capaz de irritar os habitantes e me safar.
Com dinheiro sendo uma preciosidade rara, me via sempre carente de recursos para novos equipamentos. Minha solução para o problema foi relativamente simples: roubar todos os vendedores e guardas possíveis. Claro que isso não ia dar certo, mas com um bocado de planejamento, fui recompensado com excelentes armas e dinheiro. Mas antes disso, tive de preparar o palco.
Seven não aplica um sistema de progressão linear, todas as habilidades podem ser obtidas via chips tecnológicos e trocadas quando necessário. Com algumas horas de jogo debaixo do braço, já tinha uma variedade considerável – que ia da capacidade de teleportar o personagem a uma regeneração de vida acelerada. Meu principal alvo, um mercador, estava localizado no segundo andar de uma casa. Preparei três armadilhas nas escadas, duas na porta e uma na ponte que levava a sua loja. Escalei o muro, entrei pela janela e tentei roubá-lo ao mexer em seus bolsos. Como sabia que não ficaria contente, rapidamente me teleportei para a porta. Tanto ele quanto seus seguranças me seguiram e um a um caíram nas minhas armadilhas. Teria minha saga acabado por aí se um dos guardas da prisão, localizado fora do meu campo de visão, não tivesse enxergado tudo e ativado o alerta.
Desesperado, peguei o que pude e pulei para um dos elevados enquanto eles vasculhavam a área. Avistei um terceiro guarda mais distante, uma pequena luz acendeu na minha mente e pensei “E se roubar sua roupa e me passar por um dos guardas?”. E não é que funcionou? Agora tinha um mercador a menos na cidade, metade dos equipamentos não valiam tanto quanto eu imaginava e ainda tive de andar com cautela na região por uma ou duas horas. No fim das contas decidi reverter para um save mais antigo para não me estressar tanto.
Não espero que alguém vá aos mesmos limites que eu, mas ficar ciente da presença da possibilidade que me permite produzir essa mini narrativa é o que me deixa contente.
Porém, como mencionei, a tentativa abranger todos uma multitude de mecânicas emprestada de outros gêneros debaixo de um mesmo guarda-chuva e os apoiar demais no uso do cenário faz com que muitos acabem soando “precários”. Seven: The Days Long Gone carrega em si a essência de um jogo de stealth e não o que fazer quando foge disso. O combate é incrivelmente irritante pois não há como travar a mira no inimigo e os golpes são imprecisos, uso de itens e gerenciamento de inventário requer mais atenção do que deveria; a lista é longa. Isso quando não fiquei preso em paredes por causa de bugs, tive meu progresso perdido pois o personagem se jogou de um penhasco por conta de um comando errado ou usou a habilidade errada. O último caso chega a ser engraçado pois Tariel mais parecia simular um polvo socando o ar.
Desde o lançamento a desenvolvedora tem corrido contra o tempo corrigir esses problemas com a inclusão de novos ícones na tela e ajustes no combate. Ainda assim, muito longe de um grau de excelência que eu consideraria “aceitável”. Mas, ainda assim eu digo: meu tempo com Seven: The Days long Gone valeu muito a pena. Com ele vi novas maneiras de apresentar uma cidade ao jogador, diversificar a exploração com uma nova câmera, e fazer com que o sistemas que o carregam reajam às ações do jogador. Conto nos dedos os jogos que trazem esse grau de liberdade.
Tendo a direcionar meu interesse mais para o lado dos jogos experimentais, daqueles que usam palavras e cores diferentes como Everything is going to be Ok pra falar sobre ansiedade e depressão, refletir sobre o nosso cotidiano com ISLANDS: Non-Places e os que tentam misturar gêneros e aplicar a identidade de mundo deles. Seven se encaixa perfeitamente no que busco.
Me lembro muito bem da primeira vez que joguei Two Worlds II (2011), um jogo fraco em quase todas as áreas. Das mais de vinte horas que sofri com seu combate terrível ou quests pouco inspiradas, me restou uma memória: um barco. Sim, um mero barco, pois foi um dos pouquíssimos jogos que – até o lançamento de Watch Dogs 2 – tentou trazer um tom mais “realista” para a navegação em alto mar.
Por isso que falo sempre: variem o seu estilo de jogo, busquem títulos inusitados, aqueles que aos trancos e barrancos podem trazer algum tipo de inovação ou até uma mecânica que você não espera. Seven: The Days Long Gone não veio para ser o jogo do ano, mas a forma que você navega pelo cenário, como tudo é compactado e ao mesmo tempo expansivo e palpável que faz com que ele seja notável da sua própria maneira.
Seven: The Days Long Gone
Total - 7.5
7.5
Seven: The Days Long Gone tenta misturar stealth, ação e RPG, e em muitos momentos falha na execução. Porém, mostra como condensar espaços, os tornar palpáveis e abrangentes sem sacrificar a funcionalidade. Uma experiência inconsistente, mas uma que vale a pena ir até o fim.