Releituras, mudar o estilo de uma franquia, spin-offs. Frases que deixam qualquer pessoa receosa. Não duvido que o mesmo tenha ocorrido quando viram pela Serious Sam’s Bogus Detour (PC, R$27,99), a maneira que a Crackshell (Hammerwatch) interpreta a franquia Serious Sam. Depois de gastar horas entre homens-bomba sem cabeça, esqueletos, tiros e explosões, não há desenvolvedora melhor para levar o personagem a um novo estilo.
Se os finlandeses da Housemarque conseguiram trazer de volta a sensação de jogar um game de fliperama com Nex Machina, a Crackshell cria uma versão mais ambiciosa de Chaos Engine do Amiga com uma roupagem de Serious Sam. Habilidades passivas que aumentam o dano ou a movimentação, cartões espalhados pelo mapa, áreas secretas. Todos os ingredientes estão presentes.
A ideia pode não exalar originalidade, entretanto a Crackshell tomou o seu tempo para refiná-la ao ponto de ser um dos pouquíssimos jogos onde tanto um modo de um jogador como o coop refletem situações completamente diferentes e equivalentemente boas.
No que difere Serious Sam de outros shooters pré 2000 e pós 2000 está primariamente na cadência e navegação das fases. É fácil se lembrar dos momentos relevantes, como a primeira sala de Serious Sam: The First Encounter, que ao pegar a espingarda, o jogador é recebido com uma armadilha de esqueletos e sapos. Mas tão igualmente importante são os momentos onde há aquele espaço para “respirar”, hoje em dia tipicamente quebrado por cinemáticas.
Quando se joga Bogus Detour no modo um jogador, os espaços para respiração tornam-se momentos de exploração pelas imensas fases, muitas originárias das áreas memoráveis da franquia. A minha primeira passagem pela campanha era quase um “Ué, cadê a ação? Quero mais inimigos, mais, mais, mais”. Foi só quando destrinchei as missões separadamente que percebi que os espaço dado pela Crackshell são justamente para elevar os momentos de ação para outro patamar.
Pois quando eles chegam, é melhor estar preparado.
Visualmente impactantes e legíveis é uma excelente forma de descrevê-las. A Crackshell soluciona uma das minhas grandes birras com shooters top down, a dificuldade de encontrar o personagem meio a uma avalanche de inimigos, ao usar tons contrastantes. É violento, gratificante, as armas têm o devido impacto, rouba a sua respiração e solta antes que perca a consciência. O meu desejo por mais momentos como estes foi sanado ao aumentar a dificuldade, e principalmente o modo coop.
Deliciosamente caótico como Hammerwatch, a Crackshell não se acanha de jogar a maior quantidade de inimigos possíveis na tela e ver quem sai vivo. O ritmo amigável do modo single-player é jogado pela janela como se Bogus Detour fosse um vinil onde o lado A toca música clássica e o lado B conta com faixas de Black Metal.
As “imensas” áreas viram minúsculas quando não há para onde correr. Saídas bloqueadas por robôs gigantes armados com lasers. Vielas viram poderosos pontos de defesa e afunilamento, as vezes a única maneira encontrada para sobreviver a mais uma horda. O alívio de passar de uma fase agora vem aos custos. Bato palma para quem optar para jogar na dificuldade mais alta (Serious), pois no Hard já era de arrancar o cabelo.
Há de parabenizar a Crackshell pelo feito, poucas vezes encontro mapas que conseguem suprir dois modos de jogo de maneiras tão distintas. A desenvolvedora não se limita a “arenas abertas” e prefere deixar o jogador decidir onde ele quer estabelecer a defesa. Uma proposta ligeiramente ousada que dá certo.
Aprender a guiar os inimigos, fugir do combate e criar zonas de controle com as ferramentas que o jogo te dá são essenciais para o modo coop. Organizar os feitos com os amigos, ainda mais. O design das fases clama por experimentação, pela busca de outras possibilidades por conta do jogador. Feito que encontro mais proeminentemente em games táticos, como Brigador, ou a franquia Hitman.
Seria injusto dizer que a outra faceta de Bogus Detour é mais importante que a primeira, mas certamente tem espaço para desenvolver mais personalidade. Esta, dada principalmente pelo excelente suporte a mods, modificadores, o que você imaginar.
Detesto ser um evangelista de mods, mas quando há a possibilidade de usá-los após terminar a campanha, opto quase sempre pelo “sim”. A comunidade que a Crackshell criou em volta dos seus jogos, pelo visto, também. O último que eu joguei foi “Vacation on Crab Island”, uma primorosa campanha adicional feita por dois outros jogadores. É um daqueles mods que te dá vontade de colocar em uma caixinha e falar “Está vendo? É para isso que precisamos de mods”. Infelizmente não existe um para esquecer o desgosto que é o modo competitivo de Bogus Detour.
Você já pegou uma embalagem de plástico e percebeu que tem uma parte mal-acabada, com uma aresta meio cortada errado, possivelmente oriunda de um erro de fabricação? É assim mesmo que eu fico quando olho para o modo competitivo de Bogus Detour. Suporte a doze jogadores, sem equilíbrio e supostamente “divertido”. O último atributo eu ainda busco já que parece um modo adicionado para encher linguiça do que qualquer outra coisa.
Os mapas são até bem estruturados nas primeiras partidas, o modo em si chegou até a tirar umas risadas. Porém, quando colocado perante o restante de Bogus Detour, não faz sentido. Uma peça na engrenagem que apenas a faz funcionar lentamente. Antes mais mapas do (excelente) modo sobrevivência para até 12 jogadores do que um mata-mata pouco inspirado.
No fim do dia, a Crackshell entrega o que propõe. Uma releitura de Serious Sam da melhor maneira possível, com modos de jogo suficiente para nutrir os diferentes tipos de jogadores e acima de tudo uma jogabilidade e mecânicas refinadas. Se Hammerwatch foi o pontapé inicial da desenvolvedora, Serious Sam’s Bogus Detour é a galinha dos ovos de ouro.
Serious Sam's Bogus Detour
Total - 8.5
8.5
No que peca em originalidade e no desastroso modo competitivo, Serious Sams Bogus Detour recupera em refinamento. Um excelentíssimo trabalho da Crackshell em reinventar os principais cenários de Serious Sam, entregar um competente shooter coop com um primoroso design de fases.