Não sou de dizer que se deve jogar um jogo no mínimo duas vezes para apreciar as decisões de uma desenvolvedora, mas no caso de Serious Sam 4 (Steam / GOG) eu preciso abrir uma gigantesca exceção. Como um fã da série nos seus altos e baixos, o começo de Serious Sam 4 é bizarro, o ritmo das três primeiras missões não condiz com o que eu esperava e algumas adições me fizeram torcer o nariz. Mas aí que me dei conta, este é o primeiro grande jogo da franquia em 8 anos e quem está por trás dele é a Croteam.
É convidativo para muitos, inclusive para mim, traçar paralelos entre Serious Sam e outros netos de Doom. Porém, é preciso lembrar o contexto dentro do qual o primeiro jogo foi criado — em um mundo pós half-life, no começo de uma era que seria tomada por games como Counter Strike, e posteriormente Modern Warfare e afins, onde arena shooters como Unreal Tournament e Quake 3 — apesar de ainda estarem no seu pico (2001) — estavam com seus dias contatos. A Croteam sempre nadou contra a maré, e continua a fazer isso no quarto game da série.
Vendo sob esta lente, Serious Sam 4 em 2020 está mais deslocado do que nunca; porém jamais chamarei o seu design de antiquado, pois falar isso é indicar que Dusk, Ion Fury e Amid Evil são “antiquados” por não seguirem as convenções do gênero. Pelo contrário, tanto Serious Sam 4 quanto os jogos citados trazem boas mudanças que os mantém frescos.
Um dos elementos já citados é a tão assustadora “árvore de habilidades”. É uma mecânica que, de tanto que tem sido abraçada pela indústria no geral, acaba sendo um tanto irrelevante. É a velha história de “três colunas com habilidades que pouco colaboram com o avanço do seu personagem”. Serious Sam 4 vai no sentido inverso; esta árvore não só traz grandes mudanças, como cresce junto com sua habilidade pessoal de entender quando atacar ou recuar nas batalhas com hordas de inimigos.
Posso até dizer que a árvore de habilidades e o combate de Serious Sam 4 de forma geral é o que o destaca entre shooters como Doom (2016) e Doom Eternal. Doom, por exemplo, constrói sua estrutura por meio da ideia de subjugar os inimigos, trucidá-los e fazê-los sofrer. Você é o ser mais poderoso do universo e nada vai te impedir de chegar ao objetivo final.
Em contrapartida, Serious Sam 4 é sobre te colocar em pé de igualdade com o inimigo; um deslize — ainda mais nas dificuldades altas — e você está morto. A Croteam reforça essa ideia pela estrutura dos mapas e a maneira como você navega por eles.
Este foi um dos pontos que me causou a estranheza inicial que citei no começo do texto; a primeira parte do jogo, que se passa na Itália, é composta de corredores separados por grandes arenas, e ocasionais lutas contra um chefão. O trabalho visual da Croteam foi tão bom em criar arenas naturais que eu tive dificuldades de entender o que era ou não uma arena.
“Mas isso não era para ser um ponto negativo?”, você deve estar se perguntando. Sim e não. Uma das principais características da Croteam é fazer “pegadinhas” com o jogador. Pegou aquela armadura? Agora se prepare pois kamikazes, Gnars e os malditos Kleers — esqueletos que pulam em cima de você — aparecerão para te infernizar. Isso sem contar as dezenas de novos monstros inclusos na sequência, como drones, múmias que soltam bolas de fogo e inimigos aéreos.
Na minha segunda jogada, agora com um olhar mais perspicaz acerca das mudanças feitas pela Croteam, concluo que Serious Sam 4 é o mais “moderno” da franquia. Espingardas recarregam mais rápido, o jogo possui um sistema de headshots, inimigos — novos e antigos — modificam seus padrões de ataques, e a inclusão de gadgets — que achei inútil de início — é uma mão na roda para dificuldades mais altas.
Até a árvore de habilidades, que tanto detestei, tem um ótimo propósito: definir os pontos onde o jogo vai ficar mais difícil. Se você encontrou uma orbe de habilidade, se prepare, os inimigos vão aumentar e inimigos mais poderosos ainda vão aparecer. Além do que, uma das habilidades permite você usar duas miniguns. Quem não quer usar duas miniguns e moer tudo o que ver pela frente?
São esses pequenos detalhes, quem sabe visíveis apenas para aqueles mais pacientes e teimosos — como eu, que cheguei a voltar para os jogos anteriores para fins de comparação — que transformam Serious Sam 4 em um dos melhores shooters do ano. Não estou exagerando; desde que eu terminei ele pela segunda vez ainda mantenho no meu computador para jogar uma ou outra missão, encontrar segredos encontrados pelo mapa, e rir dos diálogos entre os personagens.
Eu sei, eu sei, shooters no estilo de Serious Sam não tem “história”, e eu concordo em parte com isso. A trama geral é mediana e eu não tenho como defendê-la. Todavia, a evolução daquele herói “babaca” presente nos jogos anteriores para um que atua mais como aquele pai bobão — ele solta umas piadas grotescas enquanto mata seus inimigos, mas genuinamente se importa com quem está do seu lado — é bem-vinda. Seja na hora de defender Kenny, o novato da equipe, frente aos seus outros companheiros de batalha, ou de brincar com a Hellfire sobre quanto escorpiões munidos com metralhadoras já mataram ao ponto de se chamarem de “scorp buddies”.
Isto demonstra uma Croteam que está mais do que ciente do que criou há quase 20 anos atrás, e de que precisava mudar certos aspectos, e tudo foi feito de um jeito que não parece forçado. É o antigo Sam que os fãs conhecem, mas também um Sam que “envelheceu” e está mais consciente do que acontece ao seu redor. Estas mudanças, por mais “bruscas” que possam parecer, foram o que me incentivou ainda mais a ir para a próxima missão, ver que inimigos me aguardavam ou descobrir como não morrer pela milésima vez naquele maldito mapa do monte Vesúvio que está coberto de lava.
Entretanto, creio que a Croteam — ou a Devolver, seja lá quem decidiu — vendeu algumas “novidades” um pouco demais: o sistema “Legion” e a habilidade de controlar veículos. O primeiro sistema prometia milhares de inimigos na tela, o que só é visto com mais ênfase na primeira missão. Já o segundo está presente na metade do jogo, mas na base de conta gotas. Quem for pegar Serious Sam 4 por conta dessas promessas, não vá em frente; ainda é Serious Sam, a maioria do tempo você vai andar a pé, lutar contra centenas de monstros – um número exacerbado onde eu creio que o sistema “Legion” tenha ajudado – e controlar veículos é como dirigir um sabonete gigante.
Apesar de detestar o termo “feito para os fãs”, ele deve ser aplicado da mesma forma que fiz com MechWarrior 5. Serious Sam 4 não tem a melhor captura de movimento, as animações são simplistas, algumas das áreas podem parecer repetitivas de um ponto de vista visual, e quem está acostumado com a atual conjuntura dos shooters — vide Doom Eternal — vai estranhar voltar para algo “arcaico”.
Mas, quando todas as peças caíam no lugar e eu estava no meio de hordas de kamikazes, monstros com metralhadoras, lasers ou lança-mísseis, corria de um lado para o outro que nem um desesperado tentando achar algum momento onde eu pudesse respirar, é que eu me lembrava “É por isso que eu gosto tanto de Serious Sam 4”. É isso que me faltava para completar 2020 — aquele shooter gostoso com que você pode reclinar a cadeira e aproveitar o seu final de semana, que não se leva tão a sério, que não gasta tempo demais em cinemáticas. Um que fala “aqui está uma pistola e uma espingarda; se vira, campeão”
Com ferramentas de mods em desenvolvimento — e mesmo sem elas já temos incríveis modificações como o Serious Carnage Mod — Serious Sam 4 pode ter demorado para engrenar, mas agora o coloco como um dos melhores da franquia.
Por favor, Croteam, não perca a sua essência; só agora, depois de oito anos de espera, que eu notei a imensa falta que você faz nessa indústria repleta de jogos “open world”, shooters que se levam a sério demais e a demanda eterna por fidelidade visual. Há dias em que você só quer uma arma e monstros; isto eu te garanto que Serious Sam 4 entrega aos montes.
Serious Sam 4
Total - 9.5
9.5
Visuais fantásticos, efeitos especiais ponta de linha? Esquece isso, Serious Sam 4 é sobre destruir hordas de monstros e dar boas risadas enquanto faz isso. Evolui onde precisa, mantém o seu estilo clássico e se posiciona como um dos melhores da franquia. Agora se prepare, pois você vai ouvir os gritos dos kamikazes nos seus sonhos.