Depois de atender a dois eventos de preview, eu pensei estar preparado para o reboot de “Saints Row” (PC/ PlayStation / Xbox). Não estava com altas expectativas, mas me descobri um pouco ansioso para ver o que a Volition criou depois de atingir o que muitos consideravam o seu ápice – “Saints Row: The Third” e “Saints Row 4”. O que eu não imaginava era passar pela montanha russa de sentimentos conflitantes do minuto inicial que eu iniciei o game até os créditos.
A boa notícia é que “Saints Row” ainda é… “Saints Row”, em sua essência. A má notícia é que a Volition não consegue trazer totalmente essa essência para um novo mapa e um novo grupo de personagens da mesma maneira que fez nos jogos anteriores. Essa questão é uma que acaba vindo derivada de duas frentes: a ideia de que Saints Row precisa se adequar de certa forma aos moldes do que é considerado o “jogo de mundo aberto da atualidade”, e a tentativa de criar um vínculo com os personagens – que no restante da franquia demorou praticamente três jogos – em um único jogo. Ambas as questões estão intimamente ligadas.
Desde o seu anúncio em agosto de 2021, a Volition entrou em um modo “defensiva” no que diz respeito ao reboot, já que o anúncio foi recebido com certo ceticismo em relação aos personagens, a nova cidade, e o receio de que “Saints Row tinha pedido o humor e a sua essência”. A história é bem diferente a partir do momento que você começa a jogá-lo. O reboot não perdeu o seu humor; só o adaptou até certo ponto para temas mais atuais, com diferentes graus de sucesso.
O que eu vejo acontecer é um grande revisionismo quanto aos outros jogos da franquia, onde os fãs os colocam em patamares muito mais elevados do que eles de fato eram na época. Claro, Saints Row sempre foi uma franquia de certa forma “transgressora” na sua temática. Colocava personagens com roupas de sadomasoquismo e um dildo gigante em 2011.
Nos 11 anos desde que “Saints Row: The Third” foi lançado o mundo mudou; o que era transgressor em Saints Row acabou mudando depois de debates mais abertos em múltiplos círculos dentro e fora da Internet, e a Volition também mudou, e agora tem receio de abordar tais temas com um tom de humor ou deboche. Ela está errada em não usar um tom de deboche? Claro que não, mas isso não significa que ela não as cita de uma forma ou outra. Mas também não investe tempo suficiente para que esses temas sejam uma parcela importante do jogo.
Nada melhor para exemplificar isso do que os novos membros dos Saints. Kevin, Eli e Neenah são bons personagens quando você interage com eles de forma separada. Embora eu ache que a Neenah roube a cena — com uma história mais densa e complexa para os padrões de “Saints Row” — todos eles têm uma boa personalidade e traços que os fazem humanos. A Volition não esconde que Kevin, por exemplo, tem interesse em pessoas de ambos os gêneros. É normal em 2022, certo? É um traço dele e não há nada de errado nisso. As missões que envolvem ele ocasionalmente traz isso à tona com tamanha naturalidade que é notável a atenção da pessoa que escreveu o personagem.
Agora, quando eles atuam em grupo como os Saints, essa química se desfaz — já que a única membrana que os segura por boa parte da história é o fato de que todos eles são “Millenials” que dependem de múltiplos trabalhos para se sustentarem. Pior, “millenials” vistos pela mesma lente dos artigos tão proeminentes em meados de 2015, onde eles — e não os problemas inerentes do capitalismo — eram culpados por “destruírem” tantas indústrias.
Esta teria sido uma ótima oportunidade para a Volition ser de fato transgressora, abordar o assunto do capitalismo tardio, acabar com esse terrível estereótipo e explicar como isso afetou os personagens de uma forma ou outra. Volto para o exemplo de Neenah que, em uma das missões, explica o motivo pelo qual ela se mudou para Santo Ileso – a nova cidade do game – e o que ela deixou para trás no processo. Ao invés disso, a Volition pega as missões de “Saints Row” e tenta colocar um tom mais “sério” nelas.
Com isso, pouco a pouco, o jogo começa a criar narrativas paralelas e cada vez mais bizarras. De um lado você tem um “Saints Row” que quer ser “levado a sério” com missões menos exageradas e mais próximas do que é esperado de um “jogo de mundo aberto da atualidade”, mas com personagens caricatos. A linguagem usada por muitos antagonistas entra em conflito com o cenário em que eles se encontram, o tom muda a cada cena, nada parece fazer sentido.
“Será que eu estou com sono ou o tom da conversa mudou de algo leve para algo exagerado e depois para algo sério em 30s?”. Não, eu não estava com sono, “Saints Row” faz isso várias vezes. Essa constante mudança de tom faz com que muitas piadas passem despercebidas ou, mesmo quando são percebidas, acabam soando como inoportunas. Desculpe-me, “Saints Row”, mas eu não vou conseguir prestar atenção em uma linha de diálogo no meio de uma perseguição policial.
Assim que a primeira missão-tutorial é finalizada, “Saints Row” te coloca em uma jornada para conhecer os personagens e estabelecer o que será o novo quartel general dos Saints. Só que, ao invés de te incentivar a explorar o mapa, ele de certa forma te limita a duas ou três áreas do mapa que estão muitíssimo longe de representar o que é o restante do jogo.
E quando digo “jogo de mundo aberto da atualidade”, é um jogo onde você tem dezenas de checklists a serem cumpridas, reforços positivos a torto e a direito, e incentivos para você buscar explorar o mapa. Todavia, a maioria dos sistemas que estão presentes em Saints Row são enraizados na própria tradição da franquia que bate de frente com essa filosofia.
“Céus, quando isso vai acabar para eu encontrar novas missões em novas áreas do mapa? Por que você está me fazendo passar por todas essas missões que me ensinam o básico que foi mostrado no tutorial, Volition?” A única resposta que eu posso dar no momento é – mais uma vez – receio.
Ao jogar, é perceptível o medo de que o jogador se sinta perdido ou desmotivado quando explorar o mapa, quando ver que a maioria das atividades secundárias estão interligadas com a própria evolução dos Saints como gangue. São três ou quatro horas de jogo que trazem a sensação de durar 10 ou mais horas. Nesse mesmo período você é apresentado às três principais gangues do jogo – os Idols, os Panteros, e a Marshall Defense Industries. Três oportunidades perdidas.
De todas as gangues que apareceram no universo “Saints Row”, as novas são as mais bem definidas em termos de motivação, estética e diferentes estilos de combate. Infelizmente elas acabam subutilizadas por conta de a Volition, outra vez, ter medo de olhar para o seu passado.
Uma das minhas ações favoritas em “Saints Row: The Third” era todo o aspecto de “conquistar territórios” ao eliminar áreas dominadas por gangues. Era repetitivo? Muito, mas também trazia à tona um dos melhores aspectos da série: causar o caos. O reboot troca esse sistema por uma série de missões secundárias tão repetitivas quanto e com um escopo absurdamente reduzido.
Liberar uma área agora significa fazer o processo de ir até um ponto, matar cinco ou seis membros de uma gangue ou destruir seu equipamento, receber um belo de um reforço positivo e aumentar o fluxo de caixa. Nada daquele espetáculo todo de destruir uma instalação rival. Isso ainda ocorre em missões principais quando diz respeito a um ou outro personagem dos Saints, mas a ausência dessa “agência” no mapa faz com que a cidade de Santo Ileso não tenha uma alma.
Como eu disse no começo da crítica, eu não estava com grandes expectativas para o reboot de “Saints Row”, mas não esperava mudanças tão drásticas e desnecessárias no que diz respeito à interação com a cidade. Eu fico feliz que algumas atividades — como a “fraude de seguro”, onde você se joga em frente aos carros para acumular pontos — voltaram, mas era realmente necessário remover outras que serviam de alicerce para “Saints Row”?
A ideia de “construir o seu império” é uma gigantesca oportunidade perdida. As novas atividades são minigames repetitivos que, outra vez, não apresentam o que “Saints Row” tem de melhor. Toda vez que eu colocava uma instalação nova na minha cidade eu pensava “Tudo bem Lucas, agora as coisas vão melhorar”… e não melhoravam. Eu teria preferido comprar prédios como em “Saints Row: The Third”, que me geravam renda passiva, do que essas novas empreitadas, e gostaria que a Volition tivesse focado em tornar a cidade mais viva e mais ativa.
Sabe quando as coisas melhoraram? Quando eu encontrei um trator com pá e pensei: “Pera, e se eu puder dirigi-la?”. Eu podia! E o melhor, dado as físicas do jogo – que ainda não sei se estão com problema ou funcionando corretamente – eu podia usar a pá para jogar os carros para longe como se eu estivesse jogando uma massa de panqueca para cima. Ou no momento em que uma cinemática super “séria” aconteceu e eu esqueci que o meu personagem estava com roupa de dominatrix, o que me fez ter uma crise de riso.
Causar o caos em “Saints Row” felizmente continua um espetáculo à parte. Seja pelas armas absurdas, pela quantidade de carros que você pode explodir, pela facilidade que você tem agora de destruir praticamente tudo no mapa. Esse é o “Saints Row” que eu conheço e que me faz feliz. Fico muito aliviado de ver que a Volition ao menos teve o bom senso de manter os ragdolls dos jogos passados; então, todo NPC – seja inimigo ou não – sai voando como se fosse um boneco de posto no meio de uma ventania.
Mas, por mais que eu queira, essas situações foram causadas por mim e não por sistemas que me incentivaram a fazer isso. Algumas atividades secundárias me colocaram em perseguições intensas, mas muito longe do que eu era capaz de fazer sozinho, o que para mim demonstra o quanto elas perderam o seu “propósito” ao longo do desenvolvimento.
Pode ser algo pequeno para muitos, mas a diminuiu a quantidade de pedestres – ao menos é essa a sensação que o reboot traz –, e agora o jogo faz com que eles pulem para longe do seu carro. Acabou a minha festa de fazer boliche de pedestres como em “Saints Row: The Third”. Teria isso sido uma decisão para evitar que o jogo fosse considerado violento demais? Em uma era que temos GTA V e Red Dead Redemption 2? A violência de “Saints Row” é tão caricata que é impossível de ser levada a sério por mim. Volition, não precisa ir de um extremo para o outro, eu não vou transmitir “Saints Row” em uma igreja durante a “Missa do Galo”, vamos com calma.
E eu estou muito bem ciente de que “Saints Row” pode ser jogado em co-op, mas isso não é uma “carta coringa” para compensar o restante dos deslizes do jogo. É claro que eles vão amenizar os problemas mais cruciais, mas como tendo a falar: com amigos, até fazer exame que dói é mais divertido.
Antes que eu deixe passar batido: sim, a versão de lançamento de “Saints Row” tem bugs, muitos bugs, muito mais do que deveria. Tive que reiniciar missões, os controles no PC não são dos melhores, e múltiplas vezes o jogo parou de identificar os meus comandos. Mas bugs felizmente são corrigidos com atualizações – ainda que isso seja uma péssima notícia para a preservação de mídia, mas isso não é o tema da crítica.
O que não é possível consertar a curto prazo são as decisões de design, a carência de uma direção clara. Uma história que não consegue encontrar o seu tom. Personagens e gangues que são bem definidas e escritas, mas mal aproveitadas. Um jogo que carece de direção, que se encontra em uma sinuca de bico tentando encontrar o seu lugar. O que é irônico levando em conta que, com a exceção do até então finado “Just Cause”, “Saints Row” era o último de uma era onde você podia iniciar uma partida, causar o caos seja via missões ou atividades secundárias, e sair com um sorrisão na cara.
No fim, ele olha para o seu passado e depois para o seu futuro e ainda não consegue responder a tão crucial pergunta: “Para quem é Saints Row?”. Para uma nova audiência que não cresceu com a franquia? A audiência antiga que deve estar entre os seus 25 a 35 anos? Para quem quer causar o caos em modo coop? Nem eu sei dizer; apenas sei que é uma gigantesca oportunidade perdida.
Saints Row (2022)
Total - 6
6
O reboot de “Saints Row” não carece de humor ou de personagens bem escritos. O que lhe falta é consistência, e elementos que estabeleçam uma narrativa coerente e uma cidade mais atraente para o jogador. A Volition tem medo do seu passado, mas ainda não consegue enxergar um futuro para a franquia. E, sinceramente, eu também não.