Desde o lançamento de Nobunaga’s Ambition: Taishi, a Koei Tecmo começou um processo de simplificação de seus menus e homogeneização de seus sistemas, o que eu vejo como uma ação válida e necessária. Tanto Nobunaga’s Ambition como Romance of the Three Kingdoms mantinham uma “tradição” de usar uma interface confusa e que dava pouco retorno tátil ao jogador; era comum precisar abrir cinco ou mais menus para designar a ação de um oficial para algo simples como ampliar a agricultura de uma região. Romance of the Three Kingdoms XIV (Steam / PlayStation 4) leva esse processo a novas pasturas, que ao olhar leigo podem parecer mais férteis.
Se você comparar os jogos individuais nesses quase 30 anos de franquia, perceberá que Romance of the Three Kingdoms tomou múltiplas formas. Three Kingdoms XI agradava aqueles mais estrategistas com suas tropas, um sistema de turno robusto, e detalhismo no sistema de desenvolvimento de uma cidade. Three Kingdoms XIII relembrou a importância das figuras históricas que compuseram o período dos Três Reinos e, na medida do possível, estabeleceu um equilíbrio entre mostrá-los e demonstrar a importância das táticas e estratégias aplicadas por eles.
Tendo esse pano de fundo histórico na minha cabeça, foi um choque abrir Romance of the Three Kingdoms XIV e ver que quase tudo descrito acima tinha ido embora. A Koei Tecmo removeu o sistema de batalhas em mapas separados para um que ocorre diretamente no mapa da China – agora dividido em hexágonos e setores.
A ideia, que já tinha sido mostrada de um jeito mais simples em Romance of the Three Kingdoms XI, é de longe uma das melhores decisões do ponto de vista de design. Ter de conquistar hexágonos e setores dá ao jogador a noção de que tomar controle de um território não significa conquistar a sua cidade principal, mas sim trazer estabilidade para cada parte da região, lidar com possíveis focos de resistência, eliminar bandidos e estabelecer linhas de suprimento. Tudo isso seria ótimo de se ver, mas Romance of the Three Kingdoms XIV só usa um desses elementos – as linhas de suprimento.
Criar patrulhas para tomar os hexágonos adjacentes a uma cidade tende a ser uma “perda de tempo” e de mantimentos. Se vi um ou dois bandidos rondando as minhas terras foi muito; o resto foi apertar o botão de avançar turno e ver as tropas pintarem o mapa. O que deixa as coisas mais irônicas ainda é que Romance of the Three Kingdoms sempre teve um sistema de suprimentos, só que eles eram reabastecidos assim que uma tropa está próxima de ou retorna a uma cidade.
Quando se olha pelo lado estratégico da coisa, cortar linhas de suprimento de uma tropa inimiga tem um certo efeito negativo na moral dela, mas não o suficiente para ser notável já que as batalhas não podem mais ser micro gerenciadas pelo jogador. Você vai em um menu, escolhe para onde as tropas devem ir e tudo acontece, como disse antes, automaticamente no mapa de batalha.
A desassociação do processo de micro gerenciamento em si não é o que me incomoda, mas o fato que você não pode mais escolher o momento de ativar habilidades especiais, ou sequer influenciar nos duelos. Os momentos em que vi o corte de suprimentos ser útil foram quando umas de duas condições eram atingidas: o exército inimigo já estava em desvantagem ou os comandantes das tropas tinham menos experiência ou qualificação que os seus.
Sem contar as barbaridades que eu vi a IA fazer, como pegar barcos e atravessar um rio sendo que tinham planícies bem ao lado deles e que não davam penalidade de movimentação. Incontáveis vezes tropas fugiram de mim e eu não tinha o que dizer sobre aquilo. Minha reação era erguer os braços para cima como alguém confuso e pensar “o que diabos foi isso?!”.
Este seria o ponto de intervir e relembrar que Romance of the Three Kingdoms não pode ser julgado só pelo seu lado estratégico; Romance XIII trouxe várias novidades para o gerenciamento de personagens, diferentes tabelas de relação entre pessoas, considerando objetivos em comum ou suas diferenças de ideais. Não posso dizer nada sobre Romance of the Three Kingdoms XIV, pois todos esses elementos foram parcialmente, se não totalmente, removidos.
Não posso nem mais falar que Romance of the Three Kingdoms é como Crusader Kings na China; aquela história de bajular alguém até ele se tornar seu aliado ou se juntar à sua causa foi por água abaixo, reduzido a um simples menu que você escolhe o oficial com maior possibilidade de convencê-lo, envia até o local onde ele se encontra, e pronto. Em um ou dois turnos no máximo ele estará na sua corte, pronto para ser usado para esquematizar, comandar tropas ou fazer o que você bem entender.
Refletindo sobre essa mudança, eu vejo que muitos poderiam achar essas situações monótonas em Romance of the Three Kingdoms XIII. Tive sessões nele em que demorei múltiplas tentativas até convencer alguém. Mas o problema não era o ato de convencer, mas o quão demorado e irritante era navegar por aquele mar de interface para uma ação tão mundana.
Pela décima vez volto para o meu texto sobre Wargroove e até que ponto vale investir na simplicidade. É importante lembrar que ações simples não significam que elas precisam ter resultados simples nem a curto ou a longo prazo, todavia esse é o caminho que Romance of the Three Kingdoms XIV decidiu seguir.
O que restam são esqueletos, missões que podem ser completadas assim que você atingir certas condições – como ter alguém sob seu domínio ou conquistar um número definido de áreas – e ver mais uma cinemática que não diferencia muito das que estavam em Romance of the Three Kingdoms XIII. Ao menos a qualidade delas permanece excelente.
São quase 35 anos de franquia, quem acompanha sabe a história do período dos Três Reinos, gostamos dela. Mas, acima de tudo, queremos interagir com ela. Queremos criar as nossas narrativas dentro desse universo. Seja o que pende mais para o lado fantasioso – que é o caso da Koei Tecmo – ou para o lado histórico representado pela Creative Assembly com Total War: Three Kingdoms. (Vale salientar que os públicos dos jogos são bem diferentes e nenhuma comparação de design faria jus aos pontos fortes e fracos deles).
Mas o indispensável é sentir que as nossas ações têm impacto. Quando eu me via na metade da campanha de Cao Cao sem sentir que fazia quase nada de útil além de apertar botões para mover tropas, era difícil não me perguntar por que eu jogava Romance of the Three Kingdoms XIV se ele se joga por mim.
Tenho uma lista enorme de exemplos que poderia colocar aqui, mas basta mostrar a tela de governo. Poderia passar horas escolhendo quem são os meus oficiais, quais seus títulos e quais são as prioridades para eles. Ou, eu posso apertar o botão “automático” e jogo escolhe para mim. É prático e acredito que uma parte da comunidade vai agradecer por não ter que gerenciar isso, mas não há nada que substitui tal automatização. Você aperta e pronto, não tem mais nada a fazer.
Cidades? Automatizadas, já que especializações foram embora e os recursos foram agrupados em “tropas, receita e agricultura”. A lealdade dos meus soldados e oficiais? Comprada com a bolsa de moeda mais pesada que eu tiver – fazendo o sistema de presentes especiais algo inútil. Tropas homogeneizadas e suas formações ditadas pelos seus líderes.
Até mesmo a tela de gerenciamento de cidade, que também assumo ser confusa, virou um elemento de segundo plano tão irrisório que me esqueci que ela existia. Nada de construções de especialização; apenas o foco em agronomia, tropas ou comércio — outra parte que pode ser muito bem automatizada pela IA.
Para que me preocupar com o próprio desenvolvimento das minhas cidades, com a revolução dos turbantes amarelos, com a China em si e um período tão caótico e de tanta incerteza se tudo se autorregula como a utopia imaginada pelo neoliberalismo? Com quem a Koei Tecmo quer competir, quem ela quer agradar? A sua base de fãs ou tentar conquistar novos?
Pois se for o segundo caso, Romance of the Three Kingdoms XIV pode ter o apelo visual e histórico que muitos buscam. Entretanto, como tudo, beleza é temporária. Ver o mapa ser pintado da cor da sua facção garante aquela injeção de endorfina até certo ponto. Uma hora isso desmorona, e o que resta? Um elaborado idle clicker, eu diria. Acredito que não seja do interesse da Koei Tecmo adentrar esse mercado, ainda mais com uma concorrência acirrada vinda de empresas como a Kairosoft e sua dezena de simuladores para smartphones e o Nintendo Switch.
Não entra na minha cabeça como uma empresa, com um repertório de 35 anos de história em uma franquia, documentos de design a torto e a direito, olha para Romance of the Three Kingdoms XIV, muda tantas coisas e fala “Assim está bom, mais simples, mais direto. Assim os fãs irão gostar, e nosso novo mapa vai atrair um novo público”.
Eu tento ser uma pessoa otimista. Em dias melhores eu apontaria que esperar pela tradicional expansão “Power Up Kit” – que sequer deu as caras para Nobunaga’s Ambition: Taishi – poderia possivelmente resolver uma parcela dessas decisões bizarras. Mas, desculpe-me, o caso de Romance of the Three Kingdoms XIV é muito mais profundo. Está enraizado na sua essência. Um jogo simples, com objetivos simples para quem quer algo simples. Não consigo imaginar alguém olhar para o período dos Três Reinos e dizer “nossa, decerto é algo perfeito para relaxar em uma tarde de domingo!”.
Creio que a equipe da Koei Tecmo sabe disso tão bem quanto eu, mas vale reforçar: remover uma função não equivale a resolver um problema. Tornar um menu simples nem sempre produz um entendimento mais fácil das mecânicas. Mais do que nunca ela precisa olhar para o seu histórico, ver o que funcionou e o que não funcionou, e tentar de novo. Assim, quem sabe, Romance of the Three Kingdoms tem uma chance de se reerguer. Até lá, Romance of the Three Kingdoms XI e XIII permanecerão no topo e XIV, à sombra deles.
Romance of the Three Kingdoms XIV
Total - 4
4
Muito fraco
Para a Koei Tecmo, os problemas de Romance of the Three Kingdoms existiam devido à quantidade de sistemas, e não por causa uma interface confusa. Romance of the Three Kingdoms XIV extingue ambos. A remoção radical nos dá uma carcaça – sem alma, sem interesse pela história e sem razões pra te fazer jogar. O maior aprendizado? O quão formidável é o seu passado.