Talvez eu não consiga enumerar quantas coisas mudaram na minha vida desde o final de 2019 até setembro de 2022. Práticas que eu não tinha antes viraram rotinas, lugares com que eu me importava pouco agora são essenciais. Minha visão de mundo mudou; eu mudei quem eu sou. O que isto tem a ver com Return to Monkey Island (Steam / Switch)? Tudo.
Houve uma sobrecarga de sentimentos assim que o tema começou a tocar e a primeira imagem de Mêlée Island surgiu na tela. Estava de volta a uma das cidades mais “icônicas” do universo dos adventures point ‘n click. Era exatamente como eu me lembrava dela, mas também não era a mesma ilha que eu visitei na infância.
Ron Gilbert assume o projeto pela primeira vez desde que Monkey Island 2: LeChuck’s Revenge foi concluído e, queira ele ou não, Return to Monkey Island está “preso” em dois mundos: o mundo da nostalgia e o mundo de seu criador – e muitos dos membros que compuseram a equipe original, tal como eu e seu criador, mudaram ao longo do tempo. Uma difícil tarefa de equilibrar.
E, para começo de conversa, Return to Monkey Island é primariamente um adventure Point’ n Click. Ele não vai além do necessário para revitalizar a franquia. Um livro de “dicas” ajuda quem não quer empacar em quebra-cabeças (recomendo usá-lo o mínimo possível) e a forma de interagir com o cenário está mais próxima dos adventures atuais do que o terrível “pixel hunt” e as direções às vezes confusas dos dois primeiros jogos.
Expectativas precisam ser estabelecidas: você espera uma nova perspectiva? Novos elementos visuais? Evoluções consideráveis das mecânicas ou abraçar as atuais tendências do mercado de adventures? Esquece isso; Monkey Island já passou por essa trajetória nos anos 2000 com Escape From Monkey Island e Tales from Monkey Island, jogos que até hoje dividem opiniões. A maioria delas, negativas. Ron Gilbert e sua equipe deixam o futuro dos adventures nas mãos de quem é mais novo – e exemplos de jogos que incluem mecânicas como RPG (Citizen Sleeper) ou novas formas de interação são o que não faltam. O que importa é explorar mais sobre Guybrush Threepwood, Elaine, Carla, LeChuck e tantas outras faces – antigas e novas – que aparecem para tornar Return to Monkey Island algo rico.
Habilidoso com as palavras, ou em enrolar o Guybrush, Stan e seu jeito excêntrico — de alguém que tomou 4 canecas de café pela manhã, 2 pela tarde e 8 pela noite — está de volta do mesmo jeito que você lembra, mesmo que sob circunstâncias diferentes – preso na cadeia de Mêlée Island por razões que não citarei nesta matéria. Estaria me enganando se eu disser que não fiquei estático ao ver Stan mais uma vez, ou Otis – que está na cela ao lado pelo crime de ter coletado flores. Tenho, no entanto, que me lembrar que esse é um jogo que não vai atrair só quem cresceu com Monkey Island, mas uma enxurrada de novos potenciais fãs que vão perder muitas referências aos jogos anteriores.
Elas são estritamente necessárias? Não, mas você vai perder um tanto do jogo se não compreender o significado de uma caneca em um museu ou o motivo do cozinheiro do SCUMM Bar ter uma leve desconfiança de você.
A Terrible Toybox tenta ao máximo reduzir esse impacto com um livro que apresenta um “resumão” do que aconteceu nos dois primeiros jogos da franquia, mas muito da nuance que faz Monkey Island ser Monkey Island se perde. É difícil de compreender a razão de Guybrush fazer piadas horríveis e trocadilhos dignos de fazer você se retorcer na cadeira e falar “Guybrush, por quê? Não tinha algo pior para falar?”. Diante disso, eu ainda acho que é essencial jogar os dois primeiros jogos, no mínimo, para entender melhor a interação entre os personagens.
Diante do parágrafo acima, preciso ressaltar que tal impacto causado ao menos é reduzido no que diz respeito às novas faces que aparecem na sequência, como, por exemplo, os novos líderes de piratas que agora tomam conta do SCUMM Bar. Outros tantos personagens dão as caras nem que seja para uma única cena ou para garantir que uma piada seja feita.
Eu detesto dizer isso, mas realmente gostaria que a Terrible Toybox tivesse explorado um pouco mais alguns deles. Quanto mais avançava na história, mais eu me perguntava a razão de eu ter passado tão pouco tempo com eles. Em certos momentos, personagens estavam lá para fazer a “história de Guybrush” progredir e depois eram descartados com total insignificância.
Determinar e manter o equilíbrio — este era o maior desafio de Terrible Toybox ao retornar para uma série “dormente” por quase 30 anos, se contarmos os dois primeiros jogos como a “história oficial”. Não há como escapar do destino de ver o seu trabalho anterior e refletir sobre tudo o que ocorreu nessas décadas e tentar dar mais um passo à frente.
Muita coisa mudou no mundo dos adventures quando Monkey Island foi lançado, e agora é a vez de Monkey Island e da Terrible Toybox notar o que houve nesses anos e tentar adequar partes do seu universo para ele. O passo à frente citado no parágrafo anterior – tal como os puzzles – não é dado de mão beijada. Guybrush e seus aliados ou inimigos fazem algumas citações super interessantes sobre a atualidade, com a mesma escrita sagaz que já é esperada. Outra vez aponto que: procure e interaja o máximo que puder para encontrar a riqueza de Return to Monkey Island, e eu não falo apenas do segredo que Guybrush e LeChuck ainda lutam para encontrar.
Observo e noto que nestes pequenos momentos é onde a assinatura de Ron Gilbert se apresenta mais forte, o peso nas suas costas de rejuvenescer sem perder o foco,de descrever por texto e imagens uma Mêlée Island e tantos outros cenários com a compreensão de que eles são os mesmos lugares de anos atrás, mas ao mesmo tempo não.
Na verdade, a estranheza que eu senti ao visitá-los não é um defeito do jogo; é só o fato que eu mudei, que algumas das memórias criadas quando os vi pela primeira vez são nebulosas. De que uma loja pode ter o seu antigo dono, mas ele também passou por uma evolução pessoal. Que a vida seguiu em frente para os jogadores, para Ron, para os personagens e para a própria região misteriosa do Caribe.
Konstantinos Dimopoulos em seu livro “Virtual Cities” – o qual considero essencial para quem tem interesse em cidades de videogames — descreveu a cidade de “Woodtick” de Monkey Island 2 como recheada de anacronismos, personagens e atividades bizarras. Se algo, é assim que eu defino como Return to Monkey Island pode ser visto como um todo. A lente de Ron Gilbert é perspicaz em estender tais anacronismos para o jogo todo.
E não há como negar que Return to Monkey Island era uma aposta e tanto. Do momento em que ele foi apresentado e teve seu estilo visual duramente criticado (injustamente a meu ver, já que ele é belíssimo em ação) até as altíssimas expectativas do que poderia se tratar a aventura. No que diz respeito a mim, eu estou contente com a trajetória que a série tomou, as respostas que ela entregou, e o quanto ela me fez refletir sobre o meu próprio consumo de diferentes tipos de mídias ao longo da minha vida. É um fenômeno que eu quero aplicar – e muito – a tantos outros jogos que vivenciei no passado, pois agora quero revê-los sob uma nova lente.
“Yay, Monkey Island está de volta!” Era uma frase que eu não esperava falar nunca na minha vida. Mas ele está. Quiçá pela última vez pelas mãos de Ron Gilbert. Embora eu tenha lá as minhas críticas acerca do tratamento de alguns personagens, da ausência de uma recapitulação mais competente ou de como a história progride – sobre o que evitei de falar por questões de spoilers –, eu estou contente de acompanhar a jornada de Guybrush Threepwood.
A Terrible Toybox fez o impossível se tornar possível e ainda foi capaz de introduzir tantas reflexões sobre a série em si, adventures em geral e piadas que só alguns que participaram da indústria de jogos irão pegar que não há como não dizer: parabéns pelo incrível feito. Se este é o fim de Monkey Island como conhecemos, foi um ótimo final.
Return to Monkey Island
Total - 9
9
Return to Monkey Island se desdobra para tentar agradar tantos fãs novos quanto aqueles que já tiveram algum contato com a franquia. Algumas tentativas — como o precário resumo dos jogos anteriores — saem pela culatra e os personagens novos podem não trazer o mesmo impacto, e algumas vezes são descartados mais rápido do que eu gostaria. Para um jogo com tanta expectativa criada em cima dele, ele não só apresenta um grandioso retorno de uma franquia adorada por tantos, mas também um poderoso comentário sobre os locais que exploramos quando mais novos e o que eles representam para nós quando mais velhos.