Quando você passa dos 30 anos, tentar agendar uma partida com outras três pessoas deixa de ser uma conversa casual para uma operação de guerra. “Sábado você está livre? E então domingo? Sexta-feira não dá, com certeza vou estar cansado”. Devido a isso, eu passei boa parte da minha campanha de “Remnant 2” (Steam / PlayStation / Xbox) jogando sozinho e compartilhando as minhas experiências por mensagens. Acredito que tenha sido a melhor solução. Não me recordo de ter recebido tantos “Você matou quem? Onde?” dos meus amigos; era como se estivéssemos jogando jogos diferentes — e de certa forma estávamos.
A sequência de “Remnant From the Ashes” redobra os esforços em um dos elementos mais complexos de “acertar a mão”, por assim dizer: geração procedural de mapas. Só que, além de gerar mapas, ele embaralha a forma como a campanha se desenrola, um feito que até então eu limitava a pouquíssimos jogos, como, por exemplo, o roguelike “Unexplored 2”.
Mas toda história tem um início, meio e fim. E a história de “Remnant 2”, que não requer nenhum conhecimento prévio de seu antecessor, começa com você — outro protagonista sem nome — em busca de um santuário chamado “Ward 13”. Esse santuário teoricamente seria um dos poucos locais seguros na Terra, agora parcialmente corrompida por uma infestação conhecida como “Root”. Não tarda para que você seja emboscado pelas criaturas do “Root”, e então resgatado por ninguém mais, ninguém menos do que os humanos que vivem na “Ward 13”. Uma curta conversa entre você, Andrew Ford — o fundador da “Ward 13” — e Clementine ocorre e após Ford reativar um cristal, ele e Clementine são sugados para ele. É a partir daí que a história de “Remnant 2” começa a divergir para cada jogador.
Ao tocar no cristal, eu fui enviado para um planeta no futuro, um que estava sendo engolido por um buraco negro, e os pouquíssimos remanescentes da sua civilização estavam certos de que enviar uma espaçonave para o buraco negro iria salvá-los. Olha, eu estou escrevendo essa crítica às duas da manhã pois achei um horário “correto” para fazer isso, então quem sou eu para questionar a lógica deles?
Ainda assim, essa narrativa é muito branda; os locais que você vai visitar neste mundo são parcialmente aleatórios em cada partida. Eu encontrei sidequests que outras pessoas não encontraram, liberei equipamentos que eram até então desconhecidos e liberei poderes especiais para as minhas armas que foram uma senhora benção.
A Gunfire Games já deixou bem claro nesta altura para mim que o foco de “Remnant 2” está na sua jogabilidade, exploração, e variedade de builds. E nisso, a equipe acertou em cheio. Todas as críticas que tinha sobre “Remnant: From the Ashes”, do combate corpo a corpo ser lento à clara inspiração em “Dark Souls” — mais um produto do período do que qualquer outra coisa — foram resolvidas. A movimentação está fluida, derrotar hordas de inimigos é deliciosamente divertido e descobrir como “montar” o seu personagem para as mais diferentes situações é um dos pontos altos do jogo.
Devo, porém, salientar que “Remnant 2” não é um looter shooter ou algo similar a Diablo. Os itens não possuem afixos ou sufixos, mas, como disse acima, há variedade suficiente para moldar o seu personagem. Além do que, é bem possível que você não encontre todos em uma única campanha.
Na minha campanha, que joguei como “Handler” — um dos arquétipos iniciais que tem foco em suporte e tem um cachorro como aliado, que me fazia me sentir menos solitário quando não estava jogando com os meus amigos — eu encontrei um artefato que aumentava em 10 pontos todas as minhas resistências e diminuía o peso da minha armadura em 10. Meus amigos ficaram estupefatos. “Onde você achou, como pega?”. Ninguém sabia bem ao certo; eu esbarrei nele ao derrotar um chefão. Horas depois, outro amigo encontrou em uma outra área dentro de um baú aleatório.
Para os minmaxers que lerem esse texto e pensarem “Céus, como então eu vou transformar ‘Remnant 2’ em uma gigantesca planilha”? Fiquem tranquilos, as dificuldades adicionais trazem desafios suficientes para você ter que pensar e repensar qual tipo de armadura, arma, modificadores de arma usar, ou como derrotar um chefão. É justamente o foco do modo “Aventura”, onde você pode explorar cada região” que você desbloqueou na campanha com um layout diferente. Até eu, que não sou uma pessoa de se empolgar demais por esses modos, mergulhei de cabeça depois das 20 e poucas horas de duração da campanha.
“Remnant 2” traz consigo um delicioso senso de mistério, aquela pulguinha atrás da orelha que te pergunta: “O que será que vem por aí?” ou “Será que você já encontrou este NPC, se não, o que ele vai te oferecer?”. Claro que a forte direção de arte e o fato que a Gunfire Games não se prendeu a tantos estereótipos (embora a história principal do jogador ser um “salvador” seja em si um estereótipo) traz um ar rejuvenescedor.
Ruínas de um reino antigo são trocadas pelo já mencionado mundo futurista. Áreas de florestas possuem uma forte identidade enraizada em um misto de cultura ameríndia com pequenos toques orientais. Até a mais tradicional das localidades — um gigantesco castelo — é palco para uma grande batalha entre fadas e quem de fato é o rei deles. Nada de Dragões, e que alívio. Depois de “Elden Ring” e seus 385 dragões, eu estou evitando olhar para um por um bom tempo.
Se algo, “Remnant 2” me fez lembrar de dois queridinhos meus que “falharam” por diferentes motivos, “Hellgate London” e “Secret World”. Em um mundo justo, o primeiro não teria sido lançado em um estado lastimável e cheio de bugs e o outro não seria um MMO que traz histórias intrigantes mas é amarrado a um dos sistemas de combate mais monótonos que eu já vi. Ver essa chama reacender em mim é delicioso.
A Gunfire Games aliou isso com a já mencionada fantástica jogabilidade. Independente da classe que escolher ou o tipo de arma, eliminar inimigos é muito satisfatório. Eles se esquivam, tentam te emboscar, avançam para cima de você com diferentes táticas. Cada mundo trazia a sua parcela de inimigos com diferentes tipos de “ações” e isso me fazia ficar sempre em alerta. Sabia que ia dar conta deles, mas é o ar de mistério que permeia “Remnant 2” que me faz hesitar, e é muito bom ter essa sensação.
Eu gostei tanto da jogabilidade que estava quebrando as minhas próprias regras de “abraçar uma arma” e ir com ela até o final do jogo, pois há tantas escolhas, tantas opções que eu nem sabia por onde começar. Isso sem contar com os arquétipos secretos que podem ser liberados ao obter itens especiais. Eu não quero estragar a surpresa e falar quais são, mas já adianto que alguns são tão bons ou peculiares que vale criar um personagem novo só para usá-los.
Separo um parágrafo em especial só para falar do combate corpo a corpo. Se você jogou “Remnant From the Ashes”, vai se lembrar de como lutar contra inimigos era doloroso; as animações de ataque eram longas e desnecessárias e a raiz “Dark Souls” estava lá. “Remnant 2” remove quase que completamente isso em favor de um sistema onde não só é viável criar uma build de combate corpo a corpo, como todos os outros arquétipos se beneficiam disso. Quando a minha munição acabava ou eu precisava recarregar a minha arma primária, eu já sacava a minha katana e dilacerava os inimigos. Soltava umas risadinhas e comentava comigo mesmo “Ah, achou que ia me matar, não é?”
Outro ponto que é impossível de não mencionar é a clareza das melhorias para cada equipamento seu. “+3% de dano em um tipo de inimigo específico”? Esqueça essa palhaçada; cada ponto gasto seja em um dos seus traços — que também são aleatórios — ou nas armas trazem um impacto profundo em como você vai combater os inimigos ou explorar o mapa. Eu montei meu personagem para que ele tivesse +50% de velocidade de movimentação ao mirar com a arma. Você tem ideia do que é +50%? Eu praticamente conseguia desviar de projéteis e ainda fazer chover uma chuva de balas em cima deles! Eu e meu fiel cachorro éramos máquinas mortíferas no final da campanha.
Todavia, eu diria que esse é um dos pontos mais “fracos” de Remnant 2. Alguns traços além daqueles providos pelos arquétipos-base são bastante situacionais e, dada a natureza do jogo, não há como decidir qual você vai obter. Alguns são focados demais em coop, outros podem ser trocados facilmente por algo mais interessante. Um deles é o “Wayfarer”, que aumenta em até 50% a sua movimentação pelo mapa.
Útil se você quer usar no modo aventura, mas se você pegar no modo campanha, as chances de que você não invista pontos nele (a não ser que você queira muito correr de todos os inimigos ou praticar speedrun) são altas. Não duvido que a Gunfire Games venha, cedo ou tarde, dar uma ajustada nos valores e fazer com que traços mais alinhados com o seu personagem sejam obtidos. Por ora, a melhor forma de “combater” esse problema é o uso de anéis que também alteram o seu estilo de jogo.
Eu sei que eu posso soar frustrado no parágrafo acima, mas acredite, eu não estou. Nunca vi um jogo sair redondo do doloroso processo de desenvolvimento e “Remnant 2” não é exceção. Até mesmo nos dias iniciais do lançamento ele possuía sérios problemas de desempenho que já foram solucionados por duas grandes atualizações.
O que sei é que eu já fiz o meu segundo personagem — focado em defesa e armas de curto alcance — e já estou no modo aventura tentando pensar em uma build para ele para possivelmente completar o jogo no modo Nightmare — o mais difícil de todos. Já consegui o impossível, que foi eliminar um chefão sem tomar um hit, creio que a partir daí é só… preparar uma planilha e ver quais anéis, armas e armaduras me dão a maior chance de sobrevivência. O que foi? Você acha que eu não ia montar uma planilha para “Remnant 2”? Então você não leu as minhas críticas o suficiente.
Eu não sei se os meus amigos vão me acompanhar nessa empreitada. Como disse no começo do texto, organizar partidas com pessoas que têm muitas responsabilidades e não acordam às 2h da manhã para escrever um texto pode ser… complicado. O que eu sei é que “Remnant 2” me surpreendeu em todas as frentes e, facilmente, já entrou na lista dos shooters que eu fiquei mais empolgado em ter jogado em 2023. Digo, ter jogado e continuar a jogar. O modo Nightmare me espera e eu não vou descansar até conquistá-lo!
Remant 2
Total - 9.5
9.5
“Remnant 2” é uma excelente evolução de “Remnants from the Ashes” e mostra que a Gunfire Games está mais do que na direção correta de criar shooters memoráveis. Seja em modo solo ou acompanhado de outros dois jogadores, se deixe abraçar pelo mistério, encontre situações inusitadas, monte o seu personagem sem medo de tomar a decisão errada. E quando a campanha acabar, pule de cabeça no modo aventura. Só, por favor, preste atenção no horário, se não quiser acabar que nem eu, indo dormir tarde de tanto jogar.