Cubos, manipulação de gravidade, a história de uma filha desaparecida por conta de um experimento que deu errado. Soou similar? Esta não é só a premissa de Relicta (PC / PlayStation 4 / Xbox One), é a de uma grande parcela de puzzle games que tentam dar mais contexto para um gênero que muitas vezes não precisa dele.
A história que dá o pontapé inicial para todo esse drama são experimentos científicos em uma estação na Lua com um objeto que é conhecido apenas como Relicta. Você, no papel da doutora Angelica Patel, deve agora usar a nova tecnologia desenvolvida a partir desse cubo – manipulação de gravidade e magnetismo – e resgatar não só a sua filha como todos os cientistas desaparecidos.
Nas primeiras horas de jogo eu estava bem investido tanto na jogabilidade como na narrativa. A Mighty Polygon usa um sistema simples e eficaz para construir a fundação de cada quebra-cabeça. Um botão muda a polaridade do cubo para positiva, outra para negativa e um terceiro botão altera a sua gravidade. Ou seja, cubos de polaridades diferentes se atraem e cubos de polaridades semelhantes se unem. Mas isso é só o começo da jornada. Já no tutorial Relicta dá sinais de que não quer só o jogador inserindo cubos em locais aleatórios. Algumas vezes você tem de usar a polaridade para ser empurrado para cima, transportado entre abismos, usar máquinas de teletransporte para atravessar barreiras. Eu estava impressionado com tamanha variedade no que — na mão de outra desenvolvedora — poderia resultar em tédio.
Cada puzzle me dava mais uma peça sobre o que aconteceu, o motivo do experimento ter dado errado, ou que fim levou os tripulantes e cientistas da estação. Entretanto, na medida em que progredia, a desenvolvedora Mighty Polygon inseria mais e mais traços de história – na maioria das vezes com uma péssima atuação por parte dos personagens – o que começou a me cansar.
É necessário um certo equilíbrio na hora de inserir narrativas em jogos cujo foco são puzzles, ainda mais quando a narrativa às vezes parece tomar a linha de frente do que o que muitos fãs do gênero preferem, puzzles. Raros são os exemplos de empresas que fizeram isso, poucos deles tem menos de dez anos.
Eu adoro, por exemplo, como Talos Principle é capaz de evocar uma imensa satisfação ao resolver quebra-cabeças e ainda carregar uma história contada por terminais que saíram dos adventures dos anos 80 sem que nenhum dos componentes sobrecarregue o jogador. Aliás, ainda é um dos meus pontos de referência no que diz respeito a casar narrativa e quebra-cabeça.
Já Relicta quer o contrário, quer explicar tudo o que aconteceu, quer dar um ponto final, vir com um nó gigante e amarrar tudo como se isso fosse satisfazer a vontade de todos. É nessas que muitas empresas perdem não só o foco, como também deixam buracos imensos na história. Quando se trata de puzzle games, é melhor deixar uma ou outra pergunta em aberto e dar destaque ao que mais interessa: os puzzles em si.
Como disse no começo do texto, o loop de gameplay de mover cubos, mudar a polaridade e a gravidade só melhora da metade para frente com uma curva de dificuldade fantástica. Você começa a ver puzzles que não só envolvem cubos como requerem precisão, acertar o tempo de ativar ou desativar certas plataformas.
Se ele mantivesse esse ritmo eu o colocaria ao lado do fantástico Q.U.B.E.2. se não fosse por um problema: assim como os puzzles começam a ficar mais complexos, a história começa a avançar cada vez mais rápido. É como se o departamento de jogabilidade e a equipe narrativa estivesse em um imenso cabo de guerra para ver quem é mais importante.
Todo puzzle completado resulta em uma ou duas cinemáticas, mais exposição desnecessária, menos tempo resolvendo quebra-cabeças e mais ouvindo Angelica Patel conversar com a insuportável IA que comanda a estação. Ao invés de me sentir empolgado para ver o que vinha pela frente, eu me recostava na cadeira e soltava aquele ar de decepção por ter de aturar essas cenas.
“Srta Patel, eu acho muito interessante a história, mas ela cabe em um adventure, não em um puzzle game, por favor, só me deixe mover cubos”, disse em voz alta como se o jogo pudesse me ouvir.
Cheguei até a achar que isso não era uma maneira de compensar pelo fato que Relicta é um tanto linear, mas pensando bem, a maioria dos puzzle games que eu gosto são lineares. Assim eu posso jogá-los no meu ritmo, resolver os puzzles quando eu quiser e pausar na hora de me sentir frustrado.
Confesso que teria desistido no meio do caminho se não fosse um grande fã de puzzles e pelo cuidado que a Mighty Polygon teve em desenvolver cada ambiente de Relicta. Estou tão acostumado com puzzle games 2D ou com um estilo “flat shaded” como Etherborn que ver uma estação tão bem detalhada foi uma ótima surpresa. Deve ser por isso que eu consegui vencer a dura batalha para aguentar os diálogos, pelo lado positivo, a trama não gira em torno de “culpa” como foi a do patético adventure Someday You’ll Return e sua tentativa de criar “puzzles”.
É muito difícil eu recomendar Relicta para aqueles quem não está acostumado ao gênero, restringindo-o aos maiores fãs de puzzle games. Se você quer mais quebra-cabeças no estilo Q.U.B.E., ainda não terminou Talos Principle, Manifold Garden ou está em busca de uma temática Sci-Fi, vai fundo que você vai apreciar o que a Mighty Polygon foi capaz de desenvolver. Mas, por favor, pule as cinemáticas para o bem da sua própria sanidade.
Relicta
Total - 7
7
Bom
A Mighty Polygon pega o conceito simples da manipulação de cubos e suas polaridades e transforma em algo impressionante e digno de ser apreciado por qualquer fã de puzzle games, mas seria um jogo ainda melhor se não tentasse inserir uma enxurrada de narrativas e cinemáticas — muitas delas fracas — para justificar resolvê-los.