Duas semanas após o lançamento de Reigns: Her Majesty (Steam, iOS, Android) e continuo em negação; procuro desculpas para justificar meu desinteresse, questiono se houve influência do meu humor, mas nada faz efeito. Apesar de extraordinariamente carismático e bem escrito, eu me senti como se o meu “eu” e processo ato de jogá-lo estavam separados por uma enorme parede de vidro à prova de som.
Não era pela temática, que muito me interessava, ou as diferenças que ele traz quando comparado com o antecessor – como a inclusão de uma rainha, com todos os nuances e “responsabilidades” impostos pela sociedade – mas o ato de interagir com a interface em si e sua mecânica de “cartas” que me incomodava.
Seguindo quase à risca as mecânicas de seu antecessor, Her Majesty tem sua interface similar ao de um app de relacionamentos, onde mover para uma carta para esquerda equivale algo próximo de um “sim”, e para direita, um “não”. O contexto muda de acordo com a carta, mas sempre são opiniões favoráveis ou desfavoráveis sobre a uma situação apresentada.
No que pode ser descrito como “equilibrando pratos”, você deve manter o seu reino “estável” e jamais irritar demais um dos quatro pilares que o compõem – igreja, povo, militares e finanças. Visualizados como ícones no topo da tela, basta agradar demais ou de menos que a rainha será decepada, assassinada, queimada; enfim, de alguma forma ou desaparece ou vai para sete palmos debaixo do chão.
A simplicidade da interface esconde, até demais, os nuances da trama. Um “sim” pode desencadear todo um novo conjunto de cartas e avançar a narrativa e um “não” traz uma morte repentina. Pequenos detalhes são o que me cativam e me frustram em jogar Reigns: Her Majesty. Quando sentia que havia decifrado a maneira de avançar na história, ela escapulia de mim por um erro besta ou uma decisão a qual o jogo considerava “errada”.
Tal método de “punição” entra em conflito com a minha preferência para desdobramentos narrativos em jogos: que sigam uma multitude de caminhos e me deixe moldá-los ou que um caminho linear onde a minha escolha não interfere no resultado final. Reigns: Her Majesty cai em um estranho meio termo e traz uma ilusão de controle que desaparece rapidamente já nos primeiros minutos.
De certa maneira o conceito aplicado a Reigns não foge muito daqueles vistos em adventures, mas tal qual a forma que carrega a trama, ele não se posiciona nem como um adventure clássico – onde o obtuso era resolvido com dicas no cenário – nem o enfoque no desenvolvimento de personagem. Voltamos ao limbo de punição por não ter feito uma escolha “correta” que desmotiva.
Devo salientar também, que o meu pano de fundo – oriundo de games como Crusader Kings II – tem um grande peso na forma como eu enxergo Reigns: Her Majesty. Enquanto que o game da Paradox é definitivamente mais complexo em todas as frentes, ele sempre tratou muito bem a questão de relacionamentos interpessoais entre os personagens.
Reigns segue um “padrão” simplório demais para tentar extrair alguma simpatia (ou empatia) de personagens não-centrais a trama. O bispo de sempre, ou um líder militar aleatório que te dão questões muitas vezes ambíguas, como se fosse o único intuito deles fossem prolongar o tempo de jogo.
Cheguei a pensar que era o meio pelo qual o jogava (PC), então tratei logo de pegar uma versão para iOS. Ela tornou o ato de mover as cartas para a esquerda ou direita algo muito mais natural, mas as paradinhas de cinco minutos para avançar na história – ao contrário das 20 que tendia gastar no PC – eram tão maçantes quanto.
Eventualmente cheguei ao ponto de começar a jogar mais e mais no automático, pois as cartas que realmente eram significativas para avançar tinham um tom diferente e muitas vezes facilmente identificáveis. Arrasta para esquerda, para a direita, para esquerda de novo. “Pera, isso é interessante”, dizia quando uma situação inusitada ou um item – usado para ações especiais – se apresentava; era nesses pontos que meu interesse em Reigns: Her Majesty ressurgia.
O que é frustrante de escrever, pois é um game que quando decide avançar na história, ele atinge um altíssimo patamar de qualidade. Seja nos momentos tragicômicos onde a rainha tem de escolher um vestido para a festa e o jogador pode dar uma resposta de quem não quer nada com isso, só quer viver a sua vida e não seguir os padrões, ou reforça-los. Independentemente da decisão nesses casos, a história avançava com a adição de novas cartas ao baralho virtual do “app”, que com bastante sorte e perseverança, iria encontrá-las.
Com o medo de soar alguém impaciente, Reigns: Her Majesty teria funcionado melhor para mim caso optasse por uma estrutura ainda mais concisa. Uma pequena história onde eu poderia decidir o rumo gradualmente no lugar de cartas ou explorar um mundo dentro de uma “interface” – conceito que foi executado com excepcionalidade pelas Accidental Queens em a Normal Lost Phone. Não é sempre que jogamos com uma rainha e vemos o seu lado de uma interessante história com reviravoltas e boas surpresas. Queria que não existisse uma camada de tédio e aleatoriedade que me impedissem de melhor aproveitá-la.
Reigns: Her Majesty
Total - 6.5
6.5
A história de Reigns: Her Majesty é uma que merece ser contada, lida e apreciada. No entanto, a aleatoriedade e mecânicas obtusas a transformam de um interessante conto sobre o papel da mulher e a imposição da sociedade em “tradições” em um teste de paciência.