Eu não sou a melhor pessoa para dizer que eu lutei pelo melhor da população. Eu certamente tentei, da minha maneira, na minha posição de privilégio. Mas sabe o que eu acredito que a indústria realmente precisa? De contos de pessoas que vão contra o status quo, que vão contra a maré. Este é um dos traços do Studio Fizbin e seus títulos. O mais recente, “Reignbreaker” (Steam), não é diferente.
A história começa quando Clef, uma ex-guerreira servente de uma rainha de um mundo distópico, é exonerada de seu cargo após descobrir que os tais “feitos” de sua líder, na verdade, eram atos maléficos. Seu objetivo? Simples. Tentar corrigir o seu “passado” e finalmente pôr um fim a tal reinado. Só que, para chegar até lá, ela vai ter que enfrentar dezenas de “antigos companheiros de batalha”.
Soaria como uma história qualquer na mão de outra desenvolvedora, mas o Studio Fizbin transforma ela em algo maravilhoso. Cada diálogo de Clef com os vilões é como uma alfinetada que vai além do sistema governamental neo-feudal-punk mostrado por “Reignbreaker”. O coletivo alemão que criou “Say ‘No’ More” agora arregaça as mangas e diz “chega de ser passiva neste mundo que está lentamente nos destruindo”.
Os vilões podem parecer cartunescos e exagerados, mas as motivações deles são tão atuais quanto. Uma guerreira que não abandonou seu posto, que segue cegamente os desejos da rainha. Um médico que diz ter cura para tudo. O que o que a rainha determina como “correto”, então é o “correto”.
Há um certo “cansaço” no diálogo de Clef com os vilões, o de alguém que tentou dezenas de vezes mudar o pensamento desses personagens, mas eles são tão fiéis à rainha que é praticamente impossível. E, assim, violência acabou por ser a única solução. Não que eu pessoalmente acredite que violência seja a solução para tudo, mas também é algo que não pode deixar de ser levado em consideração – ainda mais nos tempos atuais.

Todavia, diferente dos tempos atuais, não estamos munidos de uma lança que se transforma em uma espingarda ou utiliza tantas armas peculiares. É com ela que Clef dizima dezenas de inimigos e chefões até chegar na rainha. Isto é, se você chegar nela.
E mesmo quando você não chega até ela, “Reignbreaker” te dá mais do que razões suficientes para começar uma nova run. Uma nova lança significa novas formas de derrotar os inimigos, diferentes maneiras de explorar o mapa, ou a possibilidade de equipar um novo tipo de melhoria que vai aumentar as chances de sobreviver ao combate.
A comparação mais fácil a ser feita seria “Hades”, mas “Reignbreaker” tem o seu estilo de progressão próprio. Se você é um daqueles que, como eu, detesta aquela progressão mequetrefe em que é mais fácil perder uma run só pelos pontos, vai ficar feliz em saber que o Studio Fizbin vai no sentido contrário. Você até pode perder uma run pelos pontos, mas eles muitas vezes vão ser “inúteis”, já que você só pode equipar um conjunto de melhorias por run. Quer mais? Vença mais chefões.
É uma maneira bem inteligente de fazer com que o jogador interaja mais com os vilões, mas também aprenda o sistema de combate – que tem uma boa dose de complexidade sem te sobrecarregar.

Além de utilizar a lança como uma arma secundária, Clef pode fincá-la no chão e transformá-la em uma minitorre de defesa. Algumas melhorias fazem com que esta mesma lança prenda os inimigos no chão, se torne uma espingarda, ou coloque bombas nos inimigos.
Dá para ver que o Studio Fizbin deitou e rolou para criar um arsenal versátil para Clef. Eu me sentia empolgado para testar uma nova modificação da lança e ver qual combo absurdo eu ia conseguir atingir com ela na minha nova run.
E não dá para negar a criatividade da desenvolvedora em transformar uma única arma em múltiplas. Outros desenvolvedores teriam colocado arcos, espadas e outras armas com o seu próprio sistema de progressão.
Sabe o que teria acontecido comigo? Teria escolhido a minha “preferida” e ficado preso a ela batendo a cabeça contra parede até terminar o jogo. Em “Reignbreaker” eu sentia que sempre avançava o conhecimento do meu armamento sem ter que reaprender o conceito básico. Sei que isto me faz soar preguiçoso, mas eu sou teimoso.
Uma pena que eu não posso dizer o mesmo sobre os inimigos, ou até mesmo o layout dos mapas. Os mapas mudam de forma superficial, com diferentes armadilhas ou posição dos inimigos, mas não no seu formato. Ou seja, ao jogar uma run de “Reignbreaker”, você vai ter quase os mesmos caminhos das sessões anteriores.

Já os inimigos recebem mais “variantes fortes” do que uma alteração visual completa. Isto ocorre quando você derrota o segundo chefão. A partir dele todos os inimigos iniciais agora começam com variantes mais poderosas.
Eu gosto muito da ideia de um ponto de vista conceitual, mas na prática, a sensação é que eu estou lutando contra os mesmos inimigos, já que as táticas não variam tanto. Ao menos eu não morro por bobeira.
Quem vem para salvar o restante de “Reignbreaker” são os chefões. O Studio Fizbin dá um show à parte com os ataques inusitados, um design fantástico e desafio na medida certa. Eu nunca senti que eu estava “fraco” demais para um chefão, mas tampouco que poderia simplesmente ir na cara e na coragem (e na lança) para derrotá-lo.
É um equilíbrio que pouquíssimas desenvolvedoras, ainda mais aquelas que tendem a depender demais de metaprogressão, atingem. Como “Reignbreaker” sabe dosar o sistema muitíssimo bem, não sofre tanto desses problemas. Pessoalmente eu teria preferido o jogo quase de forma linear, mas eu suponho que assim ele sofreria no lado da história.

Afinal, a história de “Reignbreaker” se alinha muito com a história de Studio Fizbin, uma empresa que tentou pela última década mostrar contos de vitória e derrota, de aceitação e de sobrevivência perante os maiores perigos. Eu vejo que, de certa forma, Clef é a culminação de alguns desses valores. É uma pena saber que este é o último título da empresa. O trabalho que ela fez nele é louvável – ainda mais em pleno 2025 e frente a tantas dificuldades financeiras.
E quando cheguei nos momentos finais, que obviamente não irei comentar aqui, me senti mais do que satisfeito com a história que a desenvolvedora contou. Aliviado? Talvez não. Vingado? Quem sabe. Mas de todos os projetos da desenvolvedora, só não supera o excepcional “Minute of Islands”.
É provável que muitos olhem para “Reignbreaker” e falem. “Ah, pronto, mais um clone de ‘Hades’”. Não seja uma dessas pessoas. Dê uma chance a ele, se envolva com a história de vingança de Clef, deixe-se levar pelos visuais excepcionais e dê uma colher de chá para o Studio Fizbin pelas limitações que aconteceram durante o desenvolvimento.
Se este fosse o meu projeto final, eu ficaria mais do que orgulhoso. Espero que a desenvolvedora esteja, e muito.
Reignbreaker
Total - 8.5
8.5
Embora repetitivo no layout de fases e, até certo ponto, também nos inimigos, “Reignbreaker” conta uma baita história, não se prende tanto em metaprogressão, e de quebra tem um visual e chefões excelentes. Afinal, quem não quer usar uma lança que se transforma em uma espingarda? Um belo trabalho final do Studio Fizbin; uma empresa que vai fazer muita, mas muita falta.