Eu admiro a perseverança da Ironward. A equipe — formada inicialmente por modders de warcraft III — encontrou um moderado sucesso com Red Solstice, criou um spin-off — Red Solstice Chronicles: MIA — que é deveras competente, e agora volta às raízes com Red Solstice 2: Survivors (Steam). A minha preocupação? Que eles possam não ter uma próxima chance.
De longe o projeto mais ambicioso da equipe, Red Solstice 2 divide-se entre uma campanha com diferentes camadas estratégicas e táticas, e o seu tradicional multiplayer onde você sobrevive contra hordas de monstros em uma ambientação sci-fi.
Ao menos em termos de jogabilidade a Ironward não perdeu o caminho. Red Solstice 2 é a culminação de anos de trabalho em uma ideia que para muitos soaria entediante: andar por um mapa atrás de objetivos, ser emboscado e morrer quase que de graça. Todavia ela consegue criar um loop muito agradável, com decisões situacionais como ativação ou não de geradores, uso de flares para remover fog of war, onde colocar torres de defesas. Isso sem contar a grande curva de aprendizado que é manusear certos tipos de armas ou preparar emboscadas e armadilhas (devido às quais você mesmo vai acabar morrendo). Tudo isso é sublime e muito acima do que eu esperava ver desde a minha primeira partida com o alpha.
O que estraga parte do pacote? A campanha.
Com pitadas do XCOM 2 da Firaxis e Phoenix Point, você toma o controle de uma base móvel na superfície de Marte enquanto luta para impedir que a infestação de monstros se espalhe pelo planeta. Isto significa pesquisar novas tecnologias, capturar monstros, estudá-los para descobrir seus pontos fracos, desenvolver novas armaduras e equipamentos eficazes. Soa ótimo, não? Uma pena que a interface que acompanha essa parte de Red Solstice 2 é horrorosa.
Como falo, eu tento ao máximo medir as minhas palavras na hora de criticar um jogo. Eu já estive muitas vezes do outro lado da tela e sei que algumas decisões de design e certas funcionalidades precisam ser cortadas durante o processo de desenvolvimento ou até de última hora. Isto, porém, não é desculpa para colocar o jogador em uma missão para salvar cientistas – que em tese iriam acelerar o tempo de pesquisa – e ao completar a missão você ganhar três novos seguidores. Mas que diabos é isso, eu criei uma seita e não fiquei sabendo?
Tudo que diz respeito às ações fora do mapa de batalha usa uma nomenclatura bizarra, e nem digo isso da terrível tradução para português, já que existe no original em inglês. Engenheiros viram “engrenagens”, cientistas são seguidores, recursos são suprimentos. É uma zona de nomes que nem mesmo o tutorial – um tanto quanto anêmico – consegue decidir qual é a palavra certa para usar.
Quando eu não estava decifrando os hieróglifos dos menus da campanha de Red Solstice 2, eu estava tentando entender a razão da Ironward ter colocado uma “narrativa”. Para mim já bastava “suas colônias de Marte estão sob ataque e você deve defendê-las com sua base móvel”, mas pelo visto não era o suficiente para a desenvolvedora. Para isso ela decidiu criar diferentes facções que tomam conta de múltiplas regiões do mapa, personagens que aparecem uma vez, falam duas linhas e depois desaparecem pelo restante da história.
Por exemplo, a segunda missão que avança a história te coloca na linha de frente para restabelecer contato com uma base e ativar os geradores. Simples até o ponto que você descobre que a base na realidade estava tomada por insurgentes e a líder deles iria te ajudar a retomar Marte.
A missão em si é fantástica por conta das diferentes rotas que você precisa tomar, a tensão que ela cria por vários setores do mapa estarem sem energia e a horda de monstros que rapidamente se aproxima. Se fosse para eu me limitar apenas ao escopo da missão eu soltaria um “Nossa, que design maravilhoso, olha como a Ironward te coloca em situações onde você precisa decorar a rota, encontrar geradores de energias e preparar armadilhas. Isso está muito além do que o entediante ‘vai ali e aperte um botão’ do primeiro Red Solstice”. Mas não, ela tinha que vir com essa narrativa sem pé nem cabeça.
Nem mesmo os monstros me deram um susto comparável a ver os insurgentes parados em uma área e eu sem munição alguma para derrotá-los. “Ah, nossa líder está ali dentro, vá falar com ela”. Desculpe-me, mas do que você está falando? Daí surge uma mulher que fala duas linhas e a missão acaba.
“Não, pera, calma lá, em que ponto do jogo isso foi citado? Eu não pulei nenhuma cinemática. Por que eles estão nos ajudando, quais são as razões? Quem é esta pessoa?”. Até agora não tenho nenhuma dessas respostas, pois Red Solstice 2 não fez esforço para respondê-las.
O mais bizarro de toda essa história é que se a Ironward tivesse ajustado um pouco mais a campanha, arrumado a nomenclatura, usado menus menos confusos e criado uma história que fosse menos “sem pé nem cabeça”, ela seria fantástica. Existe uma constante tensão de você conseguir chegar a tempo de defender uma área ou salvar uma cidade antes que ela tenha de ser destruída por um laser gigantesco que atende muito bem à temática. Ora, um laser gigante apontado para uma cidade com a capacidade de ser reconstruída após a infestação ser controlada não é motivo suficiente?
Enfim, aceitei que a campanha era uma zona e fiz o que faço de melhor: tentei ignorar qualquer tentativa de narrativa e me foquei em melhorar a minha base e completar as missões. Afinal, como disse, quando se trata do lado tático, Red Solstice 2 ainda é sublime.
Mas, novamente volto a outro sério problema que diminui essa “sublimidade” de Red Solstice 2, o multiplayer. Não, é sério, nem mesmo o multiplayer se safou dessa. Mesmo depois de ter instalado a atualização mais recente da Ironward (1.1), Red Solstice 2 tinha desconexões frequentes durante partidas independente da quantidade de jogadores, algumas vezes a sua progressão não era salva, outras vezes os inimigos desapareciam do mapa.
Longe de mim especular o que houve no desenvolvimento, mas entre o início da pandemia, um modo single-player que até então não tinha sido tentado pela Ironward e uma série de mudanças nos processos internos do jogo – da progressão de personagem até um novo sistema de “matchmaking” que obviamente não funciona – a desenvolvedora aparenta ter perdido o foco do que era o maior atrativo da franquia.
O gostoso para mim era saber que eu podia chamar três outras pessoas, nos desafiarmos para eliminar aliens e tentar sair com vida de mapas complexos, enfrentar hordas de inimigos e subirmos de nível. Não precisa toda essa história de campanha bombástica, de narrativa complexa ou de um sistema de melhorias para a sua base móvel. Se for fazer isso, que seja o foco primário do jogo.
O melhor exemplo que posso dar no momento é Deep Rock Galactic. Qual a história dele? Eu sei lá, você joga como um anão minerador que é mal pago, tem que se aventurar por cavernas escuras para obter minério e tentar sobreviver às hordas de insetos que vêm em sua direção. Céus, se eu esticar um pouco eu posso até dizer que Deep Rock Galactic provê uma crítica do atual estado da economia mundial melhor do que qualquer coisa que Red Solstice tentou dizer com a sua campanha.
Esse desejo dos desenvolvedores de inserirem um contexto mais profundo nos seus jogos não vem de hoje e eu espero que não acabe já que é importante questionar certas atitudes da indústria ou da sociedade. Mas há alguns gêneros que não necessitam filosofar sobre certas temáticas, colocar insurgentes na campanha como se existisse alguma tensão entre a população local e a força militar de Marte e não elaborar em cima disso. Red Solstice era sobre destruir aliens e era mais do que o suficiente.
Red Solstice 2 é sobre destruir aliens, ter paciência com os menus, torcer para que a conexão não pare de funcionar no meio da partida e aturar uma das campanhas mais insossas que eu vi no gênero.
Quer se aventurar por Red Solstice 2? Olha, eu te dou a maior força, mas se você não quer passar a mesma dor de cabeça que eu, é melhor jogar Red Solstice Chronicles: MIA ou até mesmo juntar um grupo e montar uma partida do Red Solstice original. Ao menos os dois eu garanto que estão bem mais polidos.
Red Solstice 2: Survivors
Total - 6
6
Embora a jogabilidade continue excelente, a quantidade de bugs, inconsistências e problemas tanto no modo single-player como no modo online fazem de Red Solstice 2: Survivors de longe o pior jogo da franquia. Pode vir a melhorar com atualizações, mas apostar só nisso é apostar que um dia iremos colonizar Marte.