“Está mais para um caixão do que uma nave”, pensei exasperado ao olhar para a Platypus, um antigo cargueiro que me foi dado após ter a minha nave destruída em um confronto espacial. Eu não tinha um centavo no bolso, eu não tinha nenhuma perspectiva de sair do sistema solar no qual eu me encontrava. Um começo clichê para um jogo espacial, mas um começo digno para Rebel Galaxy Outlaw (Epic Games Store). É melhor você começar com o que tem do que com nada.
Melhor descrito como um possível sucessor espiritual de Wing Commander: Privateer – spin-off da franquia criada por Chris Roberts – Rebel Galaxy Outlaw procura responder a mesma pergunta que tantos jogos espaciais fazem a si mesmos e à sua audiência: até onde o design pode se estender para fazer o espaço um ambiente digno de ser explorado, com o qual vale a pena interagir?
Não é à toa que a desenvolvedora Double Damage se voltou para Privateer para a resposta. Na época, além do Elite original (que inspirou o Elite: Dangerous de hoje), ele era o que chegava mais perto de conseguir dar ao jogador a noção de que estava, sim, no espaço. Você tinha combate, transporte de carga, dezenas de estações espaciais para se visitar. Estava mais do que bom para a época… para aquela época, bem entendido.
A resposta que a Double Damage tirou de Privateer não foi a que eu imaginava — que fincar o combate como um dos principais pilares do design o tornaria mais especial ou o separaria da prole. “Aqui está um jogo digno de ser jogado, um que tem um combate que realmente vale a pena!” Bom, acredito que posso dizer o mesmo de House of the Dying Sun. Para mim a maior dificuldade em interagir com um jogo espacial não vem de ele ter ou não dezenas de sistemas, prometer mundos variados e dezenas de naves — é de ele ter um universo coerente, com o qual o jogo faça eu me importar. E eu não consegui me importar por mais de dois minutos com o de Rebel Galaxy Outlaw.
Na minha Platypus eu comecei a jornada da pior maneira: transporte de carga, um elemento com o qual Rebel Galaxy não está pronto para lidar, dada a extrema simplicidade oferecida – vá de um ponto A ao ponto B, e nada mais. A esperança era de que no meio do transporte algo inesperado acontecesse, eu caísse em alguma armadilha e o jogo voltasse o foco para o combate. Na maioria das vezes aconteceu (ainda bem!). Quando não aconteceu, ativava o piloto automático e olhava para a tela até chegar na estação espacial, que parecia muitas vezes ser a mesma estação que eu tinha visto dez minutos atrás, em um sistema solar diferente e ao mesmo tempo tão similar ao em que eu me encontrava. É como se o jogo estivesse em um constante estado de deja-vú. Assim que eu juntei o dinheiro necessário eu me livrei da Platypus em favor da Sandhawk, uma nave usada por mercenários e com mais poder de fogo. Afinal, se é para jogar com o foco no combate, que eu tenha uma nave que sirva para isso.
Rebel Galaxy Outlaw começou então a tomar um pouco da forma que havia sido projetada pela Double Damage. Batalha atrás de batalha. Eu não posso criticar esse ponto do jogo; é o único em muitos anos que eu consigo colocar ao lado de Freespace 2 e House of the Dying Sun. A desenvolvedora pegou o que havia de melhor na estética retrô de Privateer, conseguindo com sucesso passar aquela sensação tátil de que você está dentro de uma nave, e não um holograma digital como muito me senti em Elite: Dangerous (2014). Ajuda também sentir que os seus inimigos são tão espertos quanto você.
O jogo descomplica a navegação ao usar um sistema radial para escolher alvos ou abrir o mapa, e ainda oferece uma assistência para quem não está acostumado com o gênero que “persegue automaticamente” a nave inimiga ao apertar o gatilho esquerdo, incluindo gerenciar a velocidade da nave; com isso, uma das mecânicas mais difíceis é tratada de maneira intuitiva, cortando muitas horas de treinamento. No quesito combate, é a melhor porta de entrada para novatos que temos em anos (e para os veteranos, suporte a HOTAS é funcional, mas não muito bem otimizado — jogar no controle é a melhor opção).
Mas quem eram esses inimigos? Piratas aleatórios? E quem eram os religiosos fanáticos que eu encontrei ao atravessar o sistema solar com uma carga de minério? Por qual motivo eles estavam realizando um bloqueio em uma estação espacial? Aliás, de quem era a estação espacial? Quais eram as facções que governavam a galáxia? Eu via os nomes, reconhecia alguns pela minha experiência prévia em Rebel Galaxy, mas não conseguia dizer.
A história de Juno Markev, que eu presumi trazer as respostas para as questões impostas no parágrafo anterior, entra em conflito com o conceito aberto de Rebel Galaxy Outlaw. Uma história de vingança só funciona bem com uma certa estrutura cercada de urgência, e isso conflita com o mundo aberto de RGO. Para ser sincero, eu me questiono o porquê de Rebel Galaxy Outlaw ter uma história para começo de conversa. Nada que é dado por ele impõe a necessidade de uma. Vale muito ter um universo bem construído e detalhado, das facções às descrições das missões nos terminais. Mas nem tanto uma história assim, ainda mais com uma protagonista rasa como a Juno — o que me dói bastante escrever, pois tinha grandes expectativas sobre ela.
Agora que olho para o contador de horas e vejo que já estou na marca de 40, me pergunto ainda mais: como eu gastei tanto tempo em Rebel Galaxy Outlaw? Conforto e esperança. Por mais que eu não queira admitir a mim mesmo, o conforto que Rebel Galaxy Outlaw me traz ao emular de maneira tão precisa o mesmo combate que eu via em Tie Fighter, Privateer, Wing Commander e outros dos anos 90 é muito bom. É uma pequena injeção de nostalgia (o que eu evito ao máximo) que funciona tanto dentro do contexto do jogo – pois é nessas situações que ele está no ápice – quanto ao resgatar as minhas memórias. A esperança vinha de que alguma hora uma novidade ia surgir e eu não ia ficar só no combate. “Quem sabe não tem algo escondido entre as missões?” ou “Talvez se eu terminar mais essa os setores da galáxia vão se tornar mais ativos”. Isso nunca acontece. É o mesmo timbre do começo ao fim – ou você se acostuma com ele, ou você não segue em frente.
Eu me acostumei; comecei a tratar o combate como a única instância que era envolvente e o universo de Rebel Galaxy Outlaw desmoronou. Eu entrei em um estado de transe, meus reflexos e minhas memórias falavam mais alto do que a minha vontade de mais interação. Quando eu notei, eu tinha gastado horas e mais horas em “nada”. Um punhado de créditos, uma nova arma que pouco mudaria o combate. Foi então que eu fechei de vez e segui em frente.
Há dez anos, a Aerosoft — uma empresa do ramo de simulação conhecida pela sua linha Airbus de grande porte —, anunciou o desenvolvimento de um jato regional, o CRJ700. A decisão foi dada como “A parte mais interessante do voo para a nossa comunidade acontece na decolagem e no pouso”. Um sentimento que, como alguém que está bastante envolvido na comunidade de simuladores, entende muito bem. A decolagem requer o ajuste de inúmeros parâmetros. Verificar clima, verificar sistemas, entrar em contato com a torre. O pouso então, nem se fala. Se preparar para possíveis mudanças de tempo, verificar qual tipo de aterrissagem está disponível no aeroporto requisitado, qual a visibilidade, calcular combustível e ver se vai ser necessário ejetar uma parcela dele para um pouso seguro.
Esse momento crucial no desenvolvimento da Aerosoft conflui muito com o que eu penso que Rebel Galaxy Outlaw queria atingir; quebrar o misticismo de que jogos espaciais são algo mirabolante e demandam um tempo absurdo do jogador — pré-conceito proliferado por comunidades que envolvem EVE Online, Elite Dangerous, e a franquia “X” da Egosoft — e que jogos no espaço podem ir direto ao ponto e serem interessantes. Entretanto, salvo em Elite Dangerous, o espaço nos outros jogos citados é mais um pretexto do que o ponto focal. Eles utilizam o espaço para detalhar condições humanas, para você ver diferentes facções agirem sob o pretexto de paz ou de guerra, e ver até onde as suas ações influenciam isso.
Rebel Galaxy Outlaw, por outro lado, quer ser sobre o espaço, quase como uma homenagem a ele – a sensação de pilotar uma nave, de estar em um local físico, tangível. Mas para atingir isso, um jogo não pode se escorar unicamente no combate e esperar que todas as outras peças sejam colocadas no lugar por uma ação divina. Você não pode criar uma galáxia sem explicar quem a habita, quais são suas ideias ou ao menos um breve resumo. Se o faz, ela não é crível; não importa quantas rádios, estilos e a uma pegada de ser um cowboy espacial você colocar. A ilusão desaba — e como disse, para mim desabou a partir do momento em que eu notei que a melhor parte de Rebel Galaxy Outlaw é fingir que você está em um combate infinito. É uma equação faltando uma parte ao invés de ser uma solução, uma resposta que parou na metade, um desejo de uma pequena equipe de desenvolvedores que – como Chris Roberts – sonhou um pouco alto demais para o escopo.
Eu só não perco a esperança total em Rebel Galaxy Outlaw pela possibilidade de mods, e, bem, por saber que eu vou cedo ou tarde voltar para ele quando a saudade do conforto que o combate me traz bater. Mas eu não consigo sacudir a sensação de que ele poderia ter seguido tantos caminhos diferentes – ser linear, ter se focado mais nas missões do que explorar uma galáxia – que teriam um maior impacto em mim. Mas, como a própria Double Damage apontou no começo da campanha para a minha Platypus, é melhor começar com o que tem, do que com nada.
Rebel Galaxy Outlaw
Total - 7
7
Rebel Galaxy Outlaw é um excelente jogo de combate espacial; ele traz o conforto que eu buscava dos jogos da minha infância, mas – por mais que tente – não consegue justificar ou expandir a barreira do “porquê” dele ter que ser ambientado em uma galáxia ou fazer você pilotar do ponto A ao B sendo que os seus sistemas, história e mecânicas secundárias são tão desinteressantes. É quase como um sonho parado na metade. Quem sabe os fãs consigam concluir ou encontrar esses “porquês” via mods.