Em cinco minutos de jogo você vai perceber que Project Cars 2 (PC, PlayStation 4, Xbox One) é belíssimo. Em uma hora, vai começar a apreciar os pequenos detalhes. Em cinco, vai pegar o jeito do controle do carro. Mas é só em (na) vigésima hora que você vai realmente apreciar todo o empenho da Slightly Mad Studios (SMS) na sequência. E isso não é necessariamente um problema.
Explicar em poucas palavras o que faz Project Cars 2 digno de admiração é tão difícil quanto ensinar uma matéria de um semestre em duas semanas. Ele não é simulador nem arcade, não é imensamente focado em um tipo de corrida nem abrangente demais em suas categorias. Ele é a ponte entre os dois mundos.
Eu não quero, nem vou gastar meu tempo para falar que Project Cars 2 é lindo. É um dos jogos de corrida mais bonitos que eu já joguei, mas a beleza uma hora acaba. O jogo envelhece, perde o glamour e não traz o mesmo impacto da primeira vez. O importante em jogos de corrida é o mesmo que faz que a pequena comunidade de Grand Prix Legends, lançado em 1998 pela Papyrus, ainda esteja presente depois de 20 anos — a jogabilidade.
Me recordo de conversar com um amigo — que atualmente se aventura em simuladores mais avançados e virou um entusiasta do gênero — sobre o que estávamos mais interessados em Project Cars 2. Em um certo ponto da conversa ele parou e mencionou “Sabe, eu fico feliz de ter começado a jogar Project Cars, porque ele me ensinou a correr”. Essa frase reverberou na minha cabeça por uns dias.
Project Cars 2 pode ser tratado como um imenso manual, ou livro, mas um professor fraco. Esta mesma frase pode ser aplicada para outros jogos como Raceroom Racing Experience, que também atua como um degrau na transição do típico arcade para a simulação. Você tem os componentes que tornam o ato de participar de uma corrida algo prazeroso, mas eles não são sempre vistos a olho nu e é muito fácil de perder a motivação.
A SMS tenta dar uma aula com melhorias no modo carreira para atrair um público que prefere uma estrutura de progressão mais rígida, mas a realidade é que não tem para onde correr; ou ela deixa os jogadores fazerem o que quiserem, ou ela começa a “bloquear” conteúdo por meio de progressão e irritar a base de fãs.
Três categorias principais — Kart, Fórmula Rookie e Ginetta Juniors Challenge — ensinam o básico do básico. Ou seja, apertar o botão para acelerar e frear. Do nada o jogo te enfia em um evento invitacional com um Lotus a 200Km/h em Monza. Claro que não ia dar certo, né?
Calma, muita calma nessa hora. Sai desse modo carreira, respira fundo, vai para o Quick Play ou começa uma sessão de testes privados. Pega um carro que você tenha vontade de dirigir, uma pista que goste e lentamente remova as assistências — como controle de tração e freios ABS. Com mais de 180 carros, 58 pistas e um pouco mais de 140 layouts de pista, é impossível dizer que o conteúdo é fraco. Vou eternamente morrer de amores por Nürburgring Nordschleife, mas ver pista menores como Long Beach, Algarve e Knockhill é saber que eu sempre terei um novo desafio pela frente. Isso sem contar o RallyCross, evento que eu ainda peno para ganhar uma corrida.
“Ok, mas não é trabalho demais? Eu nem conheço metade das pistas!”. Olha, em parte eu concordo, mas sem esforço e um pouco de paciência não tem como aproveitar Project Cars 2. É a mesma coisa que entrar em um jogo de luta, selecionar um personagem aleatório, partir para o online, apanhar vinte vezes seguidas e dizer que o problema é do jogo. Ou começar um curso de culinária e tentar fazer o prato mais elaborado do planeta no dia seguinte. É um processo evolutivo que a medida em que pega o jeito, mais prazeroso vai ser de jogar.
Algo muito inteligente, e essencial para o gênero, que Project Cars 2 faz é finalmente desmistificar as malditas configurações de corrida. Ninguém aqui é engenheiro e muito menos sabe qual vai ser a diferença entre mudar a marcha final e a suspensão. Um engenheiro “virtual” em conjunto, que recomenda alterações mediante uma série de perguntas, junto com descrições bem elaboradas fazem o processo de aprendizado ser mais natural. Mas ainda assim, não é saber disso que vai te tornar um “expert” pois existem as variáveis do Livetrack 3.0
O Livetrack pode ser uma das funções mais fantásticas de Project Cars 2 e ao mesmo tempo uma das piores explicadas de todos os simuladores. Antes do lançamento era recheada de jargões de marketing e a não ser que você fosse um entusiasta e entendesse o que significava o “dinamismo” nas pistas, o conceito passaria batido.
Basicamente o que ele faz é calcular a temperatura da pista de acordo com a hora do dia / estação do ano, pontos de calor de acordo com frenagem, gerar proceduralmente onde poças d’água e / ou lama aparecem na pista. Uma volta em Brand’s Hatch durante um setembro chuvoso vai ser diferente do que a mesma em um domingo ensolarado no inverno. Uma das corridas que fiz em Bathurst pode ser o melhor exemplo do sistema em ação.
Com 25 oponentes e 30 voltas, defini para que o clima fosse alterado de um dia nublado para uma tempestade. Na da décima quinta volta, as primeiras gotas de chuva caíram no retrovisor do Porsche 911 GT3 R, sabia que cedo ou tarde teria de voltar para o pit e trocar os pneus. Duas voltas depois, agora de pneus novos, já me sentia confiante de acelerar em condições adversas. Pressenti que essa atitude de nariz empinado não ia dar certo — na curva final havia se formado uma imensa poça d’água e o 911 tende a chegar nela por volta de 150/180Km/h. Pisei no freio com tudo e torci para os pneus não travarem.
Foi só ouvir o barulho dos pneus sobre a poça e a sensação de aquaplanar (meu volante havia perdido toda a aderência no chão) que tinha certeza que o meu destino era só um: o muro. Te garanto que no primeiro Project Cars teria sido diferente, pois o Livetrack não era tão evoluído e a complexidade da aderência dos pneus — ainda mais em condições chuvosas — não era tão avançado. Esse retorno audiovisual junto com o refinamento no force feedback, que conta agora com três predefinições e menos chance de causar clipping (perda de informações entre os dados passado pelo carro e como o volante os interpreta) em modelos mais antigos, como o meu G27, selou o negócio.
Futucar esse dinamismo em aliado ao exercício de aprender a pilotar cada carro em cada tipo de pista é o maior prazer que tenho em Project Cars 2. Mesmo que eu tenha experiência em jogos mecanicamente mais avançados — como o iRacing, que também possui um sistema de temperatura e depreciação do pneu ao entrar em contato com o asfalto — voltar a jogá-lo sempre é agradável. É o esplêndido equilíbrio de não se demandar tanto investimento de tempo, mas também algo que eu não vou “desligar o cérebro” e jogar.
O ato de fazer essa transformação de mentalidade por parte do jogador também é muito difícil, e eu assumo que quando escrevi sobre Project Cars 1 não levei em conta a questão de acessibilidade — um elitismo desnecessário da minha parte. Agora jogar tanto com um controle do Xbox One ou no Dual Shock 4 é infinitamente melhor que o primeiro game, mesmo que ele não dê o feedback que eu estou acostumado a ter com o volante. Estava cansado um dia e não queria montar meu G27? Fácil, era só abrir o Project Cars 2, botar uma corrida contra a IA, pular dentro de um lobby multiplayer e já estava decidido o resto da minha noite. E uma das minhas coisas prediletas é ver o quão imprevisível a IA pode ser no modo de um jogador.
Se você acompanhou os primeiros dias desde o lançamento de Project Cars 2, certamente ouviu algumas opiniões muito divididas sobre a inteligência artificial do game. Boa, ruim, péssima? Como o próprio monstro da Slightly Mad Studios, não é uma questão de preto no branco. Ela certamente tem espaço para refinamento (já recebido na atualização 1.1.3), mas o maior diferencial é que ela responde com muita naturalidade as ações do jogador e isso assusta um pouco.
Uma grande crítica feita pela comunidade de Assetto Corsa é como “simplória” a IA do jogo é, como se todos os carros corressem em uma linha e não incentivassem o jogador a ser melhor. Eu estendo essa crítica para grande parte do gênero, incluindo Gran Turismo e Forza. Imagine o seguinte cenário: você bate na lateral do carro e o joga para fora da pista. Em Forza 6 é bem provável que o carro simplesmente volte para a pista como se nada tivesse acontecido ou até se choque contra o seu carro. No Project Cars a IA pode perder o controle, se chocar contra você, te levar junto, causar um engavetamento, etc. Como o Livetrack, são muitas variáveis em questão e é isso que deixa emocionante. Não há uma receita para vencer, ou você aprende ou você aprende.
Prover mais incentivos para o aprendizado é o calcanhar de Aquiles de Project, é o professor mediano que eu comentei no começo do artigo. Para um projeto que quer se posicionar entre dois mundos, ele ainda segue uma rota muito tradicional. Por que não usar desafios para ensinar pontos de frenagem, ou uma “escola virtual”? Ainda mais que agora o jogo tem uma área exclusiva para eSports e imensas melhorias para eventos de comunidades que, vão de uma facilidade de navegação pelos menus a mais ferramentas para criação de eventos privados.
Eu sou um entusiasta do gênero, e eu quero que quanto mais pessoas tenham acesso a ele, melhor ele fique. Mas para isso, precisa-se de ferramentas melhores, metodologias melhores. Project Cars 2 é um dos meus jogos de corrida favoritos do ano, talvez da geração até então. A Slightly Mad Studios reforça o seu comprometimento em criar essa aproximação de mundos e entrega um jogo variado e refinado. Só queria que não demorasse tantas horas para que todos enxergassem sua grandeza.
A análise foi feita com base em uma cópia para PC enviada pela Bandai Namco
Project Cars 2
Total - 9
9
Refinado em praticamente todas as áreas, Project Cars 2 mostra que a Slightly Mad Studios não brinca quando o assunto é juntar arcade com simulação. Ainda requer mais investimento e desejo de aprendizado do que deveria, mas não deixe que isso te abale. Sente, estude e aperfeiçoe seu tempo na pista. Te garanto que o tempo será recompensado.