Eu sempre tive uma certa dificuldade em compactuar com a ideia de Prison Architect, desde a sua concepção. A noção de administrar uma prisão não é algo que me motiva. Escrever algo sobre Island Bound (Steam) tinha tudo para ser doloroso para mim, mas a nova expansão desenvolvida pela Double Eleven desmascara algumas das próprias contradições que são inseridas no jogo.
Passe uma hora visitando o workshop do Steam e você verá as prisões mais “perfeitas”. Frutos de um longo período de planejamento para maximizar lucro e segurança. Afinal, você administra uma instituição privada — como muitas prisões nos Estados Unidos — e por mais que exista o conceito ideológico de possível recuperação dos prisioneiros, algo que não acredito que o sistema atual suporte, a finalidade sempre vai ser o lucro. Novos prisioneiros, mais lucro, mais dinheiro em caixa, mais investimentos. É um sistema fundamentalmente falho que precisa de uma reforma urgente, mas não creio que isso venha a acontecer tão cedo.
Do ponto de vista da jogabilidade, Island Bound é uma expansão “falha”. A geração procedural dos mapas envoltos pelo mar vai te dar dores de cabeça na hora de posicionar as principais estruturas da prisão — dos mais simples, como uma cozinha, até as enormidades de celas necessárias. Às vezes você vai ter que se virar com uma ilha muito afastada, outras “áreas de terra” que pode ser compradas e não trazem nenhum “benefício” para expandir a sua prisão. Junto a isso vem o fato de que não existe conexão terrestre, então toda a logística precisa ser revista para que mantimentos e produtos estejam prontos para serem recebidos no horário certo.
Porém, o sentimento que a expansão gera em mim não é frustração, é alegria. Ver que o jogo quase “quebra”, considerando a simulação que até então era mantida razoavelmente dentro dos padrões esperados de uma prisão cujo principal processo motivador é o lucro, levanta o véu e toca na ferida que nem a Introversion Software nem a Double Eleven querem tocar: o encarceramento em massa.
Jogado nas condições padrões — como condições de falha ativadas, dinheiro limitado, temperatura e afins —, manter uma prisão dentro das condições aceitáveis é quase impossível. Uma hora ou outra você vai ter que enfiar mais de um preso em uma cela, as condições de convivência podem ficar precárias, os presos vão se rebelar com maior facilidade e até fugirem pela água.
Vi muitos apontarem isso como algo “irrealista”, dizendo que nenhum prisioneiro se arriscaria no meio do mar pela sua liberdade, nem que contrabando seria enviado para uma prisão isolada. Irrealismo é esperar que um jogo ficasse esse tempo todo sem demonstrar que é fundamentalmente falho.
Afinal, há anos que ambas as desenvolvedoras se esquivam dessa ferida, e eu compreendo a necessidade disso. Para vender o jogo, é preciso tratá-lo como um gerenciador qualquer, manter-se neutro frente a essas questões — e às vezes é até melhor assim do que a patética tentativa de Weedcraft Inc. de levantar bandeiras e tratar assuntos como uso recreativo de drogas com a irresponsabilidade que fez.
O mesmo vale para outros jogos do estilo como Academia: School Simulator; você faz dele o que quer, da escola dos sonhos até um mini-presídio de pura tortura. Estou em posição de julgar como cada um joga esse gênero ou subgênero? Não, mas ainda vejo como essencial “levantar essa bola” quando o assunto é mais próximo da realidade.
É peculiar, e até assustador, ver que o sistema em si se desmonta pouco a pouco. Que incêndios se tornam mais difíceis de serem controlados devido ao isolamento, que o estado mental dos prisioneiros começa a se deteriorar com maior rapidez. Quando me distancio do objeto tratado em questão e vejo mais pelo lado de um jogo de gerenciamento, é um paraíso para quem gosta de infernos logísticos. Irônica essa frase, eu sei, mas é a sensação que Island Bound provoca.
Tentava me dividir entre as diferentes tarefas que começavam a surgir a cada manhã, estabelecer linhas de suprimento e nada funcionava direito. Quando não eram os suprimentos que atrasavam, era algum vazamento, ou uma pequena briga entre prisioneiros. Limitações criadas por ilhas interconectadas demonstram um sério problema de pathfinding nos guardas e podem fazer uma partida ir pelo ralo.
Estava eu apaixonado por Prison Architect? Não, mas estava pelo fato de que um jogo de gerenciamento sem perceber se soltou das amarras e da ideia de controle que é tão imposta no gênero, no qual até aqueles mais complexos, como Rimworld, conseguem criar um grau de estabilidade. É ver a simplicidade das mecânicas de Prison Architect resolverem criar o caos que até então estava reservado para as minhas piores fortalezas de Dwarf Fortress (com as suas devidas restrições, é claro, já que nenhum prisioneiro meu decidiu fazer coroas de metal com o animal favorito dele, uma vaca).
Existe um interessante senso de dualidade dentro de mim quanto a Island Bound. Eu não consigo ver como algo “divertido” de se jogar — mas isso se estende para a franquia Prison Architect no geral. Mas não posso dizer também que não é interessante de ver, do ponto de vista que alguém que é aficionado por entender o design e as decisões por detrás de certos jogos. A expansão pode ser a única oportunidade que vou ter de ver algumas dessas decisões virem à tona. Isto é, caso a Double Eleven não decida reajustar alguns dos “problemas” citados no texto — o que não duvido que venha a acontecer em algum momento.
Recomendá-la, portanto, é uma faca de dois gumes. Para fãs de Prison Architect como um jogo, ela é inconsequente e vai trazer mais dores de cabeça do que seja lá que tipo de prazer você sente ao administrar uma prisão. Mas não posso deixar de dizer que se você tem um ligeiro interesse em ver como a geração procedural aliada a preconceitos sobre o sistema carcerário funciona e a suas inevitáveis falhas, diria que não há expansão melhor para isso.
Prison Architect: Island Bound
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A inconsistência da geração procedural de mapas junto com as novas regras de logística e a quantidade de bugs de pathfinding fazem de Island Bound uma expansão que vai fazer você passar raiva ao jogar Prison Architect. Por outro lado, não vi nenhuma outra expansão capaz de demonstrar o quão falho é o sistema que o jogo em si tenta emular.