“Quando tudo é importante, então nada é realmente importante” é uma frase que eu tendo a atribuir bastante ao design de muitos jogos de estratégia em turnos. Pressão desnecessária, funcionalidades que nem sempre têm um impacto a curto ou longo prazo. Estressar o jogador por estressar. Phantom Doctrine (Steam / GOG / PlayStation 4 / Xbox One), é um dos poucos em anos onde isso não se aplica.
Antes de mais nada, vou deixar algo bem claro. Phantom Doctrine não é um XCOM na Guerra Fria; pelo contrário. Ele compartilha elementos de design do reboot criado pela Firaxis, mas coloca tantos “twists” a eles que seria um demérito sequer compará-los. Ele é, na realidade, uma das melhores “adaptações” — se levar em conta o abstracionismo dos games — de uma operação de espionagem e infiltração em território inimigo. Esquece esse papo que os seus espiões são máquinas de guerra, como a tropa de elite de XCOM ou de tropas como as de Rainbow Six (Vegas 1 e 2). Eles sangram, eles são frágeis, e eles cometem erros — muitos erros. Entrar em combate é a última coisa que você vai querer durante uma operação.
Por conta do aspecto de espionagem que o grosso de Phantom Doctrine acontece especialmente na camada estratégica. Depois de escolher entre começar a campanha como a CIA ou a KGB e criar o seu agente, você é levado para o quartel-general e a esta camada estratégica – identificada por um mapa que engloba parte do Oriente Médio, o Leste Europeu, e os Estados Unidos. Pontos de interesse surgem no mapa, e é preciso enviar espiões para lidar com as situações. Às vezes é um informante com detalhes sobre um possível paradeiro de um agente inimigo; outras vezes alguém com materiais de uma investigação sobre uma possível ameaça em relação a trama central, e outras horas até um espião inimigo que tenta descobrir o seu esconderijo.
A camada estratégica é tanto acolhedora — particularmente para quem já jogou XCOM e derivados — quanto alienígena. Enquanto XCOM e outros jogos do gênero se focam em um único ponto — como se focar em uma missão e “esquecer todo o resto” — Phantom Doctrine quer que você esteja em todo lugar a todo o tempo. Envie espiões para lá e para cá, gerencie o equipamento deles, falsifique dinheiro. Doze horas (em tempo de jogo) são quase o equivalente de vinte dias em XCOM de tanta coisa a ser feita. Por exemplo, ao invés de você “evoluir” o seu personagem e descobrir um atributo especial dele, você precisa de informantes para isso. Precisa de uma granada de fumaça? Espere que um informante roube os esquemas de fabricação da CIA (ou da KGB) e use para seu benefício.
Isso também se aplica para o seu quartel-general / esconderijo. Cada ação realizada dentro dele, como imprimir dinheiro falso, criar equipamentos ou recrutar novos espiões com habilidades especiais deixa pistas para que a agência de inteligência de inteligência inimiga descubra o seu paradeiro e aumenta a barra de “alerta”. Deixe-a chegar um nível considerado “perigoso” e você vai ter de mudar o local do esconderijo, ou pior: defendê-lo contra uma invasão. Você praticamente enfrenta uma “guerra por procuração” – ou Proxy War em inglês (pense Vietnã ou outros conflitos armados da guerra fria). Sempre assimétricos, os Estados Unidos e a União Soviética estão sempre tentando, direta ou indiretamente, estar na frente um do outro.
Tal assimetria não é só perfeita para o contexto de Phantom Doctrine; é um dos elementos que eu atualmente considero como um caminho necessário para evoluir o design de jogos de estratégia. Vide, por exemplo, Afghanistan ‘11 (Every Single Soldier / Slitherine), que contraria a metodologia aplicada popularmente em jogos em turnos. Ao trabalhar o conflito direto do Afeganistão, não trata operações militares e confrontos diretos como a “única solução”, mas sim usa assimetria para demonstrar que uma guerra não é feita unicamente de conflitos, mas sim de outros elementos mais “cotidianos” como eliminar plantações de papoula ou coletar informações de vilarejos do local para identificar alvos importantes. Saber mais do que o seu oponente é crucial em Phantom Doctrine, pois uma informação adicional é a diferença entre uma operação bem-sucedida ou um tremendo “fracasso”.
Era para ser uma missão relativamente simples; um espião inimigo tinha se infiltrado em um prédio do governo e estava em busca de informações sobre meus paradeiros. Caso fosse bem-sucedido, estaria um passo mais perto de encontrar o meu esconderijo, e eu não podia deixar que isso acontecesse. Enviei três dos meus melhores agentes para a região, mas o tempo era curto; sem tempo ou oportunidade para identificar a localização exata do agente, ou das câmeras de segurança, eu estava às cegas. Meu oponente sabia mais do que eu.
Neste momento você é transportado para a camada tática de Phantom Doctrine, executada em duas etapas: infiltração e combate. Quando em modo “infiltração”, os seus espiões podem se mover livremente por áreas demarcadas “seguras” do mapa sem chamar muito a atenção, e posteriormente podem até se disfarçar para começar o mapa diretamente dentro do próprio local onde o inimigo está. No caso dessa missão eu tinha dois espiões fora do prédio e um disfarçado. Os que estavam fora seriam encarregados de desativar quaisquer alarmes ou câmeras de segurança, enquanto o terceiro sondaria a posição exata do espião inimigo.
Mais uma vez, Phantom Doctrine se “reinventa” e pega dicas de XCOM 2 com o mod Long War, Jagged Alliance e adiciona uma bela pitada de Hitman / Hitman GO da IO Interactive. É tudo sobre entender a disposição de salas – criar uma planta mental com pontos de entrada e saída, possíveis ameaças – e como se desvencilhar delas conforme for necessário.
Até então tudo caminhava como esperado; levei meu tempo, identifiquei a rota de patrulha dos soldados, os eliminei e escondi seus corpos. Câmeras de segurança desligadas — o espião inimigo estava no terceiro andar. Estava tudo pronto para o “show”. Só havia um pequeno problema: ele tinha dois soldados como escolta. Uma aproximação furtiva (eliminá-lo sem que ninguém percebesse e depois extrair seu corpo) era impossível. Era partir para a ação ou partir para a ação. O terceiro andar era outro empecilho, pois assim que o primeiro disparo fosse feito, eu estaria encurralado. Reclinei na cadeira e ponderei a situação por alguns bons minutos.
Posicionei meus espiões ao lado da porta e usei a função Breach (todos os espiões invadem uma sala e disparam contra os alvos demarcados, causando 100% de dano independentemente de estarem ou bloqueados por um objeto, como uma parede ou uma mesa). Alvo eliminado; era hora de escapar e aí, mais uma vez, Phantom Doctrine adiciona mais um twist que te deixa apreensivo e intenso.
Ao contrário de tantos outros jogos em turnos, ele não usa um sistema de chances de acerto, mas sim determina o dano a partir de um sistema chamado “Awareness”. Quanto mais “Aawareness” o seu personagem ou o inimigo possuírem, menor é o dano recebido e vice-versa. Por exemplo: um personagem protegido com uma cobertura média, mas com “Awareness” no máximo pode perder somente dois ou três pontos de dano. O mesmo sem “Awareness” pode ser instantaneamente eliminado dependendo do calibre da arma do inimigo. Não dá para brincar com o posicionamento dos personagens.
Ter usado o Breach causou uma perda de metade do “Awareness” dos meus personagens e nem com o “Focus” — habilidade que recupera uma parte do “Awareness” eu estaria 100% seguro. Ou seja, disparos bem dados do oponente e eles seriam alvejados ou até mortos. Um alerta na parte superior me disse que reforços chegariam em dois turnos e o meu resgate só chegaria em três. Era hora de achar a rota mais rápida e mais segura para escapar.
Essa operação poderia estar fadada a ser um fracasso, mas não em Phantom Doctrine. Aqui fracassar é “divertido” pois abre um imenso leque de novas opções táticas a serem consideradas e usadas. Devia seguir pelas escadas ou fugir pelo telhado? Granadas de atordoamento seriam úteis para reduzir o focus do inimigo e eliminá-los em instantes; isto é, se eu não estivesse munido unicamente de pistolas. Droga. Eu estava encrencado, mas não estava frustrado.
Um pouco desesperado, botei meus espiões para correrem em direção ao telhado só para descobrir que eu estava praticamente cercado pelos inimigos (a inteligência artificial criada pela CreativeForge faz um trabalho formidável em te encurralar e tentar acabar com os seus planos). Me apoiei na mureta, troquei tiros para fazer os inimigos recuarem e tentei encontrar outra saída.
Optei pelas escadas, pois sabia que — com um bocado de sorte — teria como pular do segundo andar direto para o local do meu caminhão de resgate. Os reforços estavam do outro lado do mapa, não seria tanto problema, correto? Errado. A segunda leva de reforços veio com um helicóptero e ataques de mísseis. Afundei na cadeira e pensei “É isso, ferrou”. Me escondi dentro do prédio, desci para o segundo andar, coloquei meus espiões contra as janelas, e troquei tiros por dez turnos na esperança que recuassem, e impedir de ser flanqueado e morto.
Assim que recuaram para tentar me flanquear, mandei meus espiões pularem da janela. Dois conseguiram, mas o terceiro foi alvejado assim que aterrissou na garagem. Maldito soldado que estava escondido atrás de um caminhão e fora do meu campo de visão. Com o espião abatido no chão e sangrando, tinha duas opções: Abandoná-lo ou arriscar tudo.
Com fé que tudo desse certo, peguei o espião com maior quantidade de vida, o coloquei para estancar o sangramento do espião alvejado, colocá-lo em seus ombros, e — enquanto tomava disparos — levá-lo para a área de resgate. Missão cumprida, agente inimigo eliminado, mas eu agora tinha três espiões hospitalizados pelos próximos vinte dias.
Se fosse em XCOM eu já teria reiniciado a campanha inteira, mas era só mais uma operação de Phantom Doctrine. Quando seus espiões são efetivamente tão frágeis quanto a informação que eles têm da região, morte e ferimentos se tornam parte do cotidiano. Cada turno dessa missão foi importante, cada turno me fez ponderar se devia ou não efetuar uma ação.
Isso foi uma mera “palhinha” de uma missão aleatória que fiz em Phantom Doctrine, pois não quero estragar as missões principais — frequentemente bem mais brutais — muito menos a trama, que é um exemplar “thriller” de espionagem. (Pense menos James Bond e mais “A Soma de Todos os Medos” sem o patriotismo enjoativo de Tom Clancy).
Phantom Doctrine só não entra como o melhor jogo tático de 2018 — dividindo a coroa com Battletech — por dois motivos: a interface confusa e um fraquíssimo tutorial. Tudo o que eu escrevi até então veio com naturalidade para mim, mas eu sou uma pessoa que gosta de planejamento, que gasta tempo decifrando os jogos da Paradox, e é apaixonado por simuladores. Ao invés de tentar explicar cada detalhe a fundo, a CreativeForge se foca em descrever como o básico do combate funciona. O sistema de Awareness, por exemplo, mal é explicado. A camada estratégica? Boa sorte em aprender e entender que não é XCOM. Eu mesmo sofri para compreender como obter novos equipamentos.
Já a interface não aponta, por exemplo, quantos inimigos foram identificados pelos seus personagens, mas sim te faz rotacionar por todos eles ao invés de simplesmente mostrar uma notificação no canto da tela. São pequenas coisas que teriam feito as missões fluírem com mais naturalidade; coisas que eu acredito, e espero, que sejam corrigidas em atualizações futuras.
Seja como for, no calor da ação, quando todos os elementos se encaixam e você foge de ataques de mísseis, consegue se infiltrar, eliminar um alvo e sair despercebido, Phantom Doctrine mostra o quão bem ele engloba tantos elementos sem deixar “cair a peteca”. E, acredite, quando se integra uma camada de infilstração e combate, há muita chance disso. A CreativeForge pode ter mirado em XCOM, mas acertou em Jagged Alliance e Hitman — duas das minhas franquias favoritas e meus pontos de referência de como criar um jogo tático que pode ser tão complexo quanto recompensador. E, da minha parte, não há elogio maior que isto.
Phantom Doctrine
Total - 8.5
8.5
Tutorial fraco e interface que requer maior polimento à parte, Phantom Doctrine cria situações intensas, promove assimetria em uma camada estratégica, e faz que o fracasso de uma missão seja tão prazeroso quanto uma vitória. Recomendadíssimo para fãs de estratégia e jogos táticos em turnos.