Eu me esqueço como 1999 e 2000 foram formativos para a criação de franquias que eu admiro até hoje. “Jagged Alliance 2”, “Command & Conquer: Red Alert 2”, “Gothic”, “Baldur’s Gate 2” e obviamente “Outcast”. O título da Appeal estava à frente do seu tempo, com uma raça de alienígenas que tinha uma cultura bem desenvolvida e o fantástico mundo de Adelpha para ser explorado. 25 anos depois a Appeal retorna a Adelpha com “Outcast: A New Beginning”. (PC / Xbox / PlayStation)”. Mas, ao contrário do que eu imaginei, para dar um outro salto tecnológico ou se colocar em um novo patamar em termos de jogabilidade. E para dar uma continuação a história de Cutter Slade e os Talan.
“Outcast: A New Beginning” atrai um público extremamente específico: fãs do primeiro Outcast e fãs de jogos que misturam aventura e ação, e não se importam de apreciar um jogo que tem algumas mecânicas datadas. Um público tão, mas tão específico, que até espero que alguém que não tem algum afinco com o original tenha a mesma sensação ao começar a história do jogo.
O protagonista Cutter Slade se vê de volta em Adelpha, mas sem um pingo de memória sobre os acontecimentos do primeiro game — tanto que o seu primeiro encontro com um Talan o faz pensar que ele ainda está na sua primeira missão no planeta, com frases como “Espero que a minha equipe não tenha sido eliminada”. Mal sabe ele que está sozinho nessa jornada. Bem, não sozinho, mas sem a ajuda do governo dos EUA, que o enviou em primeiro lugar.
Eu entendo a decisão da Appeal em tentar transformar um protagonista que é amado pelos (pouquíssimos) fãs do primeiro Outcast em uma folha em branco, mas como alguém que jogou o original, isso não funciona. Por um lado eu vejo um protagonista com quem eu já tenho uma longa história de vida; por outro, eu vejo alguém que eu sequer reconheço, a não ser pelas piadas de tio — e, acredite, você vai ouvir muitas piadas de tio ao longo da jornada.
Essa decisão vai assombrar a Appeal e o jogador pelas primeiras horas de jogo. O tutorial é desnecessariamente longo, como se a desenvolvedora tivesse medo do jogador se perder ou não entender o que precisa fazer. Até mesmo as mecânicas mais básicas como movimentação e pulo são explicadas de forma cautelosa para garantir que nada fique confuso. O medo é compreensível, dada a natureza nem um pouco amigável de “Outcast”, mas em certas horas a Appeal subestima a inteligência do jogador, como se ele não tivesse jogado algo similar nos últimos 25 anos. Mais sobre isso em breve.
Em paralelo a esse tutorial, o que a Appeal consegue fazer de bom é estabelecer o que é Adelpha, quem são os Talan e quais são as tradições, um passo crucial para entender e apreciar o restante de “Outcast: A New Beginning”. Afinal, você irá interagir com eles pelo resto do jogo.
Quando eu descrevi acima que “Outcast: A New Beginning” é sobre aventura e ação, eu inverti a ordem de propósito. Uma grande parte do jogo consiste em interagir com os Talan e “solucionar” os problemas deles. Sim, não passam de quests como você vê em qualquer jogo após 2010, mas a Appeal vai um pouco além da média, graças a Adelpha ser um mundo tão interessante de conhecer.
A maioria das missões do jogo envolvem “Vá até ponto A, obtenha objeto B, entregue para o local C e fale com a pessoa E”. Você não vai ter dificuldade em notar similaridades com outros jogos de mundo aberto. Até eu respirei fundo e falei “não acredito que eles decidiram por esse tipo de exploração de mapa em pleno 2023. Eles não viram nada do que mudou nos últimos anos? Eles pararam no tempo?”
Eu estava mais do que pronto para jogar pela janela o mundo aberto de “Outcast: A New Beginning”. Ora, era “a mesma coisa” que eu já havia visto. Para minha surpresa, ao invés de eu me sentir cansado, eu estava investido em conhecer mais sobre a cultura dos Talon. O que são os animais que andam pelas planícies? E quais são os tipos de planta que nascem perto de lagos ou em regiões costeiras?
Tinha me esquecido que essas são algumas das perguntas que eu me fazia desde 1999, quando o mundo foi apresentado pela primeira vez para mim. Toda a sua “glória” de voxels no passado não era capaz de apresentar Adelpha como ela merecia. Com a tecnologia atual, a Appeal usa e abusa dos visuais — fantásticos por sinal — para trazer vida ao planeta e aos Talan.
Isso vira uma faca de dois gumes. Cada vilarejo é sensacional de explorar. Você nota os detalhes que a Appeal colocou para torná-los únicos — como diferentes tipos de cultivação, costumes e crenças. Ao mesmo tempo, o restante do jogo é “vazio”, a não ser pelas quests secundárias e pontos de interesse que te dão materiais para melhorar a sua rasa árvore de habilidades e ter acesso a novas funções para a sua arma.
Está mais do que claro que o combate, por mais que seja muito melhor do que o primeiro “Outcast”, não foi prioridade para a Appeal. Ele é funcional e, no pior dos momentos, monótono. Sua arma tem dezenas de módulos similares e o grau de dificuldade do jogo é tão baixo que você não vai usar nem metade deles antes dos créditos rolarem.
Se fosse outro jogo, eu criticaria mais esse combate tão enraizado em 2010, mas ironicamente já era algo que eu esperava de “Outcast: A New Beginning”. Já nos minutos iniciais ele deixa bem claro que não está aqui para transformar o estilo de mundo aberto ou trazer algo novo para o gênero — eu mesmo me deixei levar pelo meu lado negativo e comecei a criticar antes de explorar com mais afinco. Ele se agarra no que é seguro e tenta fazer o melhor proveito disso ao parelhá-lo com a cultura dos Talon. Eu ainda vejo, dentro das limitações da Appeal, que ela até se saiu bem nesse aspecto!
A história é o ponto forte de “Outcast: A New Beginning”. Os Talon estão sendo invadidos por ninguém mais, ninguém menos do que os humanos, e cabe a Slade salvá-los. Eu sei que soa batido, mas são os detalhes que importam. Cada Talon — do pescador até o chefe de uma tribo — tem algo interessante para contar. A Appeal dá um peso para cada vilarejo que vejo pouco em jogos atuais. A desenvolvedora faz com que você interaja com os habitantes, entenda o sistema social de classes, intercala isso com a narrativa central da invasão e unifica fazendo com que todas as peças se encaixem no final. Não houve um momento em que eu pensei “pera, isso não faz o menor sentido para a história, por que isso está aqui?!”.
Um dos pontos que mais apreciei além da história de “Outcast: A New Beginning” é a liberdade que o jogo te dá para explorar assim que o tutorial acaba. Faça algumas missões para liberar o traje planador e você tem um mundo todo para voar e ver a estonteante arquitetura dos Talon. Como disse antes, coesão é o que faz isso valer a pena. Voar pelo mundo de “Outcast: A New Beginning” é bem diferente de andar a cavalo em “Assassins Creed: Valhalla”; há uma densidade e cuidado até mesmo nas áreas que eu considero vazias que estão muito acima do design “copia e cola para aumentar o tamanho do mapa” que é tão presente nos títulos da Ubisoft.
Ironicamente, ele me lembra bastante um outro jogo que eu amo e que é o sucessor espiritual de outro que teve seu início em 1999; “Elex”, da Piranha Bytes, e sua franquia “Gothic”. Embora vastamente diferentes em termos de mecânicas e especialmente elementos de RPG, tanto a Appeal quanto a Piranha Bytes tem um toque especial para os seus universos que você não encontra por aí. Ambas as desenvolvedoras priorizam ambientação a polimento e ambos têm os seus problemas inerentes.
“Outcast: A New Beginning” tem mais do que a sua parcela de “problemas”, tão bem documentados nessa crítica: seu mundo vazio, um combate sem graça, e design de quests que se encaixam muito bem em um jogo de 2012. Mas, para todos esses problemas, existe uma grande palavra que me faz esquecer todos: Adelpha.
Eu joguei “Oucast: A New Beginning” por conta da narrativa, para ver Cutter Slade fazer as suas piadas de tio, para encontrar os Talon outra vez, para poder ver o que a Appeal conseguiria fazer com a tecnologia atual para representar o seu intrigante universo. Neste aspecto — por mais que caia algumas vezes em estereótipos — ele não decepciona.
Em parte ele também me lembra outro jogo que eu sinto ter ido “contra a maré” e gostado muito mais do que a média: “Biomutant”. Tanto “Outcast: A New Beginning” como “Elex” e “Biomutant” transformam o ato de explorar o seus mundos em algo “confortável”. Algo que eu já conheço e já vivenciei em outros jogos, mas que se sobressaem quando vejo as horas passarem em um piscar de olhos.
“Já são duas da manhã? Mas eu comecei a jogar às 21h!” foi uma constante durante a minha estadia em Adelpha. É muito fácil cair no loop de “começar uma quest, se distrair com a fauna local, encontrar um quebra-cabeça, solucioná-lo, esbarrar em outra área, explorá-la” e repetir esse loop. Não é porque o jogo tem um mundo aberto “batido” que ele é necessariamente ruim, correto?
É muito difícil não cair de amores, ainda mais eu que venho acompanhando a franquia desde 1999, por “Outcast: A New Beginning”. Cada combate frustrante era apagado por uma interação engraçada, ao ver um Talon cortando uma fruta específica de uma região, ou poder voar livremente e finalmente preencher as lacunas da minha imaginação do que seria Adelpha atualmente.
Creio que eu estava mais do que precisando de um “Outcast: A New Beginning” na minha vida. Um jogo com uma história que não me faz elaborar mil teorias, mas me mantém suficientemente investido para explorar só um tiquinho mais. Um loop de gameplay que pode lá ter os seus defeitos, mas que é reconfortante.
Aliás, acho que estamos muito carentes desses jogos. Ele preenche a lacuna entre o “indie super inovador” e o “AAA que não itera em nada”. A Appeal fica lado a lado com outras desenvolvedoras como a Teyon de “Robocop: Rogue City” e outras já citadas na crítica. Ela abraça a imperfeição no seu design em favor de contar uma história e eu respeito isso demais.
Se essa for a sua primeira viagem para Adelpha, eu te desejo sorte, e que você tenha paciência com “Outcast: A New Beginning”. Se você está, como eu, retornando, aproveite — e muito — a sua estadia. Ela pode não ter a inovação tecnológica que o original teve em 1999, mas não deixa de ser para os fãs um jogo bem memorável.
Total - 8
8
A Appeal tem um objetivo com “Outcast: A New Beginning”: retornar a Adelpha e fazer justiça ao universo e à cultura dos Talon que criaram em 1999 — custe o que custar. O jogo pode não ter o design mais “moderno” — seja na sua estrutura de combate ou no mundo aberto — e o seu tutorial é mais longo do que o necessário. Mas, para cada fraqueza, o jogo compensa e muito na sua história, ambientação e ambientação. Bem vindo de volta “Outcast”, senti falta de você.