Quando eu pego um novo roguelite / like para escrever sobre, me dá uma vontade de listar tudo que me atiça no gênero. A variedade de builds em Caves of Qud, a complexidade em Cataclysm: Dark Days Ahead, a ação frenética de Enter / Exit the Gungeon ou ScourgeBringer. Porém, existe um componente que une todos eles: o frio na barriga de descobrir o que está por trás de uma porta ou o que esse item não identificado faz ou possui. Depois de muitas horas com One Step from Eden (Steam / Nintendo Switch), não queria saber o que me aguardava na próxima fase.
O projeto de Thomas Moon Kang pega elementos de dois jogos que conheço bem e aprecio: Mega Man Battle Network e Slay the Spire. A finada franquia da Capcom tinha uma bela dose de táticas, opções de sinergia e métodos para derrotar chefões. Slay the Spire serve como uma ótima base para que isso floresça dentro de um ambiente “roguelike”. Mas a distância entre a minha visão do que priorizar e o que Thomas Moon Kang quis priorizar não podia ser maior.
A primeira coisa que vai saltar aos seus olhos é o visual. Menus bem trabalhados, animações de ataque — quando vistas fora do contexto do jogo — fantásticas, uma coesão incrível entre os diferentes personagens e as suas personalidades. Que, apesar de pouco importantes, servem ao propósito de dar a opção ao jogador de escolher um favorito ou uma favorita. Se tivesse tempo e uma equipe maior, entrevistaria todos os animadores que trabalharam em One Step From Eden.
Eu poderia passar o resto do texto mencionando os visuais, mas não é por isso que você vem aqui, não é? Além do que, visuais são só uma engrenagem na conjuntura de um jogo. Se algo, One Step From Eden pode ser visto como um exemplo do que acontece quando a estética triunfa sobre a funcionalidade e usabilidade.
Hesitei por quase um mês a escrever sobre ele — não porque eu tinha dificuldade em decifrá-lo, mas pelo quanto eu me sentia desconectado ao jogá-lo. Escolhia um dos oito personagens desbloqueáveis (com três variantes cada), olhava para as cartas que eram dadas no começo da partida e pensava “Ótimo, agora como eu construo uma sinergia a partir disso?”.
O tutorial, que era para servir como uma ligação entre os conceitos básicos e avançados, é decepcionante e confuso. Ele dá o conceito básico do que cada carta faz, como cada personagem tem uma habilidade especial, mas deixa o resto para o jogador descobrir por si só.
Gosto dessa decisão de design; aliás, é o que me fez ficar tanto tempo em Slay the Spire. Quando comecei a jogá-lo eu sequer tinha ideia de como criar combos, quais cartas faziam o quê, e empaquei no primeiro chefão. No caso, a vantagem de Slay the Spire é ser um jogo em turnos e com um sistema que prioriza clareza acima de tudo. Você sabe qual o tipo de ataque o inimigo vai realizar, quando, como ele vai te afetar, e então você se prepara para defender-se. One Step from Eden segue o caminho contrário e tudo vira um caos até nas batalhas mais simples.
Contrariando a jogabilidade base de Mega Man Battle Network – onde alguns ataques “reduziam” a velocidade do combate – tudo se desenrola em tempo real. É aí que o apelo visual — com ataques belos de se ver, mas confusos de interpretar — dificulta mais ainda mais a compreensão do combate. Uma hora é raio piscando, outra hora são projéteis, tela chacoalhando. Até mesmo identificar os ícones das cartas – que devia ter sido prioridade para um jogo desse tipo – é complicado. Para que tanto exagero?
A sobrecarga de informação, aliada com a ausência de um codex sobre inimigos, é tamanha que mesmo depois de ter completado múltiplas runs – a trancos e barrancos – eu ainda tinha dificuldade de decifrar o que um inimigo com quem eu já tinha lutado de fato fazia. “Pera, esse ataque foi dele ou foi do outro que está na arena?” era uma pergunta frequente.
Mas One Step from Eden não tem tempo para você nem para essas perguntas; derrote três ou mais chefões e ele começará a adicionar mecânicas ainda mais obtusas, ou botar inimigos mais poderosos no começo da partida.
Uma dessas mecânicas quase me enlouqueceu, “Flow”. De início compreendi que “Flow” equivalia a uma habilidade que te dava frames de invencibilidade ao se deslocar pela arena. A realidade é que ele é um sistema de “combo” onde, ao juntar três pontos, o próximo ataque com uma carta “Flow” causa o dobro de dano. Como descobri? Por acaso, em uma batalha contra um dos chefões do jogo, um dos poucos pontos onde a explosão de cores e ações na tela me dá algum tipo de trégua para pensar mais do que dois segundos antes de tomar um golpe na cara.
Eu não quero que esses sistemas de aprendizado e descoberta sejam removidos por roguelites / likes. Como falei no começo do texto, esse frio na barriga é o que me leva a prosseguir com uma partida, desenvolver novas habilidades e encontrar passagens secretas. Mas para que isso seja satisfatório e recompensador, a base precisa estar bem estabelecida.
Não importa o fato de que Enter the Gungeon tem centenas de armas, algumas até excêntricas e nem sempre funcionais para o tipo de inimigo que você enfrenta. O que vale é que você obteve experiência suficiente para que ações como se movimentar, desviar de balas e entender o padrão de ataque dos inimigos já tenham sido incorporados no seu repertório.
A falta desse espaço de aprendizado fez com que a solução mais prática para muitos – inclusive para mim em certas ocasiões – seja o uso da força bruta. Jogue todas as magias e habilidades no seu oponente e torça para que ele seja eliminado. Pra que elas servem? Como elas se unem umas com as outras? Quem se importa, você está ganhando!
Digo que as situações de melhor aprendizado são os chefões, não é à toa que eu descobri o funcionamento do “Flow” neles. Um inimigo na tela é muito melhor do que dois, três — isso sem contar torres ou outras estruturas estáticas. Eles podem ter ataques complexos e difíceis de serem esquivados; você vai morrer, muito mesmo, mas ao menos vai sentir que progrediu em alguma coisa.
Se for para me sentir menos estúpido com alguma coisa que eu não compreenda eu vou comprar um livro de astrofísica; tenho zero afinidade com a área e creio que eu ao menos tire algo de útil. Livros não chacoalham nem te pedem para que você movimente o personagem com uma precisão maior do que jogos de ação como Devil May Cry ou Ninja Gaiden.
Detesto soar como um disco riscado, mas essa não é a primeira, e tampouco a última vez que verei um indie fazer isso. A memória de alguns pode ser curta, mas o que vejo em One Step From Eden é o mesmo que eu vi em Owlboy, Chasm, Sparklite e tantos outros. Visual acima de tudo, agarre o jogador pela estética que o resto é compensado depois. Pode funcionar para jogos de alto calibre, mas a frequência com que jogos indies começam a ter seu espaço sufocado por jogos que apelam para essas artimanhas me decepciona.
Assim continuamos o ciclo de “hype,” de tentarmos fingir que os visuais compensam as partes fracas, como a ausência de explicação sobre mecânicas mais aprofundadas. Jogos tão raros como um pires, tudo em nome do progresso. Que progresso é esse? Mais pixels na tela? Resoluções 4K? Raytracing? De que adianta se as empresas grandes – e agora até as de menor porte – irão regurgitar a mesma coisa de sempre? Está cada vez mais difícil encontrar uma pérola dentro dos jogos.
Chame-me de ranzinza, de reclamão, do que quiser. Mas, apesar da negatividade, eu aprecio o que Thomas Moon Kang tentou com One Step From Eden. Os defeitos que eu vejo nele me fazem me passar longe dele até que mods que te dão um maior controle dentro da arena sejam produzidos (duvido que isso ocorra), mas antes isso do que a próxima “homenagem” a Slay the Spire que sai toda semana.
Só espero que o caso de One Step From Eden sirva de lição para que indies parem de se prender tanto aos visuais e animações belas. Elas podem atrair, mas não vão salvar o seu jogo se a jogabilidade não receber o devido carinho e atenção.
One Step From Eden
Total - 5
5
fraco
Apesar de apreciar os esforços de ThomasMoonKang ao unir o sistema de batalha de Mega Man Battle Network com elementos roguelike, a priorização da estética sobre um sistema de aprendizado e combate sólido o fazem um jogo visualmente poluído, obtuso e frustrante de aprender e jogar.