Como condensar 1000 episódios em um jogo? Como transformar uma das franquias de animação mais longas do Japão em um jogo? Essa é, e sempre vai ser uma tarefa quase impossível para qualquer desenvolvedor de um título de “One Piece”. Já tivemos Musous que converteram arcos inteiros para duas ou três missões, enquanto outros jogos utilizam o universo e os personagens para contar, em partes, uma história separada. É o caso de “One Piece Odyssey” (Steam / Xbox / PlayStation), o mais novo RPG da ILCA (desenvolvedores dos remakes recentes de Pokémon Diamond/Pearl). Esse teria sido maior acerto da equipe se ela não tivesse mudado de rumo já nos capítulos iniciais
O jogo começa com Monkey D. Luffy e sua trupe naufragados na misteriosa ilha de Waford, cercados por monólitos e tempestades artificiais. Após lutar contra alguns dos nativos gigantes como jacarés, morcegos e macacos, a tripulação tem seus imensos poderes drenados por uma garota chamada Lim.
Lim aprisiona os poderes da tripulação em uma série de cubos mágicos que são espalhados por cada canto do mapa. Uma tática simples, porém, eficaz em demonstrar quais são os poderes de cada personagem e dar aquela instigada em explorar a ilha de Waford para encontrá-los. Embora comumente visto em metroidvanias, “One Piece Odyssey” faz um excelente uso do sistema.
A mecânica também serve para apresentar uma região de sonhos chamada “Memoria”, o mundo “criado” por Lim serve para resumir grandes arcos da série e também fazer com que Lim conheça melhor Luffy e sua turma. Que, ao longo da jornada, acaba se tornando amiga após compreender melhor as indas e vindas da tripulação
Eu queria ter gostado mais desse tema de Memoria, mas a aplicação do mesmo deixa a desejar bastante. Como eu disse no começo do texto, os Musous resumiam um arco em duas ou três missões, mas essas missões eram compostas de cinemáticas bem-feitas e uma ótima contextualização do que estava acontecendo. Em “One Piece Odyssey”, muitos desses eventos são recontados com pouca contextualização e na maioria do tempo de uma forma que quebra o ritmo do jogo.
Confesso que eu não sou alguém que conhece muito bem One Piece, portanto ver alguns dos eventos sob essa lente da retrospectiva me deixou mais confuso do que outra coisa. Várias vezes eu parei e pensei: “Podemos continuar com a história original do jogo, podemos parar de fazer retrospectivas?” Mas, bem, os meus interesses e os interesses de fãs de One Piece podem não se alinhar muito bem.
Não digo isso de forma negativa, eu tenho um grande interesse em explorar o universo de “One Piece” mas não tenho a paciência para sentar e assistir mais de 1000 episódios. Um jogo contido, onde eu consiga conhecer melhor os personagens em uma história sem ter que recorrer para um ou dois capítulos inteiros de “recapitulações” do anime seria melhor para mim. Mas, “One Piece Odyssey” deixa muito bem delineado que este é um jogo de “One Piece” para fãs de “One Piece”.
Dito isso, nenhuma dessas oportunidades de retrospectiva foi tão subaproveitada do que o arco mais famoso da série – o confronto de Marine Ford que coloca os piratas contra o Governo Mundial. Isso se resume a uma batalha contra de chefões de duas horas repleta de lutas repetitivas desprovidas de emoção e impacto. Até eu, que estou longe de ser um grande fã de One Piece, fiquei embasbacado no quanto a ILCA deslizou nessa oportunidade de ouro.
Mas, para todos esses deslizes em relação ao material original, “One Piece Odyssey” tem duas cartas na manga muito fortes: os seus visuais e o seu sistema de combate. As animações dentro e fora do combate são fantásticas a ponto de até eu mesmo ficar impressionado com o impacto das habilidades especiais ou a forma que você navega pelo mapa – embora ele seja terrivelmente linear.
Em certos pontos, eu ouso dizer que certas animações estão bem acima até mesmo de “Tales of Arise” – para mim de longe o RPG mais bem refinado visualmente da Bandai Namco. É, de longe, o jogo de One Piece com a melhor aparência até o momento. Os visuais incrivelmente fiéis ao anime são complementados pela dublagem e apresentação. Quer apreciar um design de monstros e inimigos fantásticos? “One Piece Odyssey” tem aos montes.
Um conjunto de personagens notáveis do anime dão uma pontinha. Do corrupto senhor da guerra Crocodile ao irreverente Bon Clay, capaz de mudar de rosto, até os irmãos de coração de Luffy, Sabo e Ace. Todos os seus excepcionais dubladores japoneses retornam, mantendo a qualidade. É nesses momentos que dá para ver como o roteiro e a vasta quantidade de personagens presentes na animação (e no mangá) estão repletos de humor e drama. Um acerto ali, outro erro acolá.
Quando eu não estava navegando pelas memórias foi quando eu senti que “One Piece Odyssey” realmente brilhou. Eu queria explorar mais da ilha sem ficar preso a uma retrospectiva que deixou a bola cair algumas vezes. Como disse acima, os visuais compensam e muito, a tripulação tem momentos de introspecção e diálogos fantásticos e os personagens que dão as caras me enchem de alegria. Mas, o que me pegou mesmo de surpresa foi o sistema de combate.
Ainda que seja um tremendo “arroz com feijão” de progressão linear tal como o restante do jogo em termos de obtenção de habilidades – impossibilitando a criação de builds específicas ou uso de táticas diferenciadas – as batalhas são dinâmicas, não tomam tempo demais e sempre são dignas de representar “One Piece” no geral.
Claro que eu, como um fã de RPGs mais complexos, queria um pouco mais de maleabilidade e quem sabe um grau extra de dificuldade contra os chefões. Vide o confronto de Marine Ford que poderia muito bem ter sido mais explorado com batalhas mais intensas do que uma série de chefões separadas por diálogos medianos.
É aqui que os meus interesses entre os fãs da franquia One Piece e os meus interesses em RPGs divergem bastante. É pedir muito para que um jogo tenha um toque mais de complexidade? Na maioria dos casos, não. Mas é importante lembrar que nem todo fã de One Piece vai ter a paciência de aprender sistemas complexos e o que “One Piece Odyssey oferece”, como diferentes posições na arena de combate de acordo com os golpes usados em um turno pode ser o limite da paciência deles.
Um dos pontos que vejo o sistema de combate sofrer mais é a progressão dele, que é majoritariamente bloqueada pelo avanço nos capítulos. Imagine olhar aquela habilidade deliciosa que poderia ser usada em uma batalha e só pode ser desbloqueada após completar o capítulo. Frustrante, não? A ILCA se redime nos capítulos finais quando todas as habilidades estão bloqueadas, mas a essa altura o jogo já está fácil demais. Não deixa, como apontei, de ser visualmente fantástico, mas nem só de visuais vive um RPG.
Pessoalmente eu não os culpo, um dos meus RPGs favoritos é “Resonance of Fate” e toda vez que eu apresento o sistema de personalização para alguém eles me olham como eu tivesse confirmado que extraterrestres existem. Esperar que todo RPG seja “Resonance of Fate” seria loucura da minha parte. Mas, bem, eu administro um site sem o menor interesse em ter um retorno financeiro, acho que eu não bato bem da cabeça mesmo.
Como um RPG, eu diria que “One Piece Odyssey” está abaixo da média, mas como um RPG de “One Piece”, ele está bem acima do que a maioria dos jogos lançados sobre a série até então. Eu ainda teria preferido mais ênfase na história original como ocorreu com “One Piece World Seeker” e também um pouco menos de linearidade. Mas, dado a atual situação de jogos da franquia (ou melhor, a ausência deles), é um excelente jogo para quem é fanático pela série.
Uma pena que, eu ainda não posso recomendá-lo como uma boa introdução para a série no geral. “One Piece Pirate Warriors 3/4” fazem isso de forma bem melhor. O difícil, para muitos, é engolir o combate “tedioso” dos musous.
Se você não está satisfeito com a quantidade de jogos de “One Piece” na sua vida, “One Piece Odyssey” é uma escolha fantástica. Para todos os outros, há jogos melhores por aí. A não ser, é claro, que você quer um combate dinâmico e um jogo bom para relaxar aos domingos, nesse caso vai fundo que ele é o companheiro perfeito para esses dias mais lentos.
E, quem sabe ele não acende a chama de você se interessar e começar a assistir “One Piece”? Nunca é tarde demais.
One Piece Odysssey
Total - 8
8
“One Piece Odyssey” é cheio de altos e baixos. A sua história original é deixada de lado em favor de muitas retrospectivas, seu combate é dinâmico e visualmente fantástico, mas carece desafio. É um RPG abaixo da média em muitos aspectos, mas aqueles que tem interesse em “One Piece” certamente vão achar um bocado para se divertir e relembrar momentos da série.