Umas das tendências que menos me agradou nos últimos anos é a de que todo metroidvania tem que ser, no mínimo, do tamanho de “Hollow Knight”. Transforme um jogo que duraria 15 a 20h para algo de 50 ou mais, insira chefões com pontos de vida cada vez mais inchados. Quando eu morro nesses jogos, normalmente é de tédio. “Noreya: The Gold Project” da Dreamirl (Steam) segue um caminho contrário – talvez contrário até demais.
Conceitualmente, ele é um dos metroidvanias mais interessantes que eu vi sair em 2024. Após ser atacada por um grupo de seres “da escuridão”, a protagonista Kali é salva pelo Deus da Ganância, que oferece riquezas e poderes em troca de ouro. Uma decisão que seria “simples” se não fosse pela Deusa da Luz, que te encontra e te dá uma “chance de redenção” assim como acesso a poderes que te “libertarão”.
O mundo de “Noreya: The Gold Project” era para ser banhado nessa dualidade e conflito. Que Deus escolher? Como prosseguir para a próxima área do jogo sem saber se eu fiz ou não a decisão correta? Será que valeu a pena louvar o Deus da Ganância e entregá-lo montanhas de ouro? Infelizmente, o conceito não funciona mecanicamente
Acontece que, para qualquer pessoa com o mínimo de habilidade em um jogo de plataforma ou metroidvania, a dualidade de “Noreya: The Gold Project” é, no mínimo, risível. Seja com receio de uma repercussão negativa ou por design, a Dreamirl não força o jogador a se dedicar apenas a um deles. Ambos oferecem habilidades passivas e ambos os deuses requerem ouro para que você “suba de nível”. Talvez fosse a intenção mostrar alguma metáfora para apontar que tanto o Deus da ganância ou a Deusa da Luz não são tão diferentes, mas ela é perdida em meio a um sistema de melhorias que pode ser muito facilmente “quebrado”.
Em suma, ouro serve para tudo em “Noreya”. Quer se curar? Pague em ouro. Quer subir de nível? Pague em ouro. Todo inimigo te dá um punhado de ouro, independentemente de quantas vezes você sair ou entrar em um mapa. Já encontrou o problema?
Muitos desenvolvedores comentam que, quando possível, um jogador vai “otimizar” ao máximo a sua “experiência” com um jogo e acredito que eu sou a prova viva disso. Por que avançar na história de “Noreya” se eu poderia muito bem ficar “farmando” ouro e subindo de nível? Ao invés da Dreamirl usar um sistema de atributos ou limitar para que você se sinta incentivado a explorar o mundo, eu cheguei na metade do jogo com a minha árvore de habilidades passivas praticamente toda desbloqueada. E, bem, não é que ele tenha muito a oferecer também nesse quesito.
Quando eu disse no começo do texto que “Noreya” segue um caminho contrário até demais, é por conta que a Dreamirl simplesmente não explora o sistema de combate de forma interessante. Veja bem, eu sou a favor de metroidvanias que não exageram em sistemas complexos ou te dão dezenas de opções para apenas uma ou duas serem viáveis. Todavia, “Noreya” segue um caminho tão tradicional que chega a ser previsível.
Você tem o seu típico ataque de três golpes, um ataque aéreo que pode ser apontado para cima ou para baixo. Qualquer pessoa remotamente conhecedora de “Hollow Knight” vai entender como o sistema funciona, e eu não culpo a Dreamirl em usá-lo em “Noreya”. Mas há tanto espaço para fazer só um pouco mais que chega a doer no coração só de pensar.
Não há como bloquear ataques, não há como se esquivar deles ou sequer se defender dos inimigos. Acaba que você tem inimigos com padrões de ataque bem diversos e as vezes até desafiadores enquanto o jogador fica limitado a opções pífias. Perdi a conta de quantos momentos eu queria só um “pouquinho” mais de opções. Um ou outro golpe extra já seria mais do que o suficiente para trazer variedade.
O problema só extrapola quando se trata dos chefões. A grande maioria deles, mais uma vez em teoria, eram para ser interessantes. Seus padrões de ataque são diversos e a animação deles é excepcional. Mas, com a quantidade limitada de ações do jogador acaba que a melhor solução é “ataque, ataque e ataque mais um pouco e espere para a próxima chance de atacar”. Nem mesmo as pouquíssimas habilidades de movimentação que o jogo te dá da segunda metade para frente como pular pelas paredes ou um dash aéreo – algo já esperado de um metroidvania – são usados de forma inteligente contra chefões.
Em contrapartida, a Dreamirl consegue um feito imenso com “Noreya: The Gold Project”: criar situações em que o uso de elementos de um jogo de plataforma “tradicional” é excelente e muitas vezes o ponto alto do jogo.
Durante a primeira metade do jogo eu até me perguntei se o foco primário da desenvolvedora não era criar um jogo de plataforma em primeiro lugar e um metroidvania em segundo. Há áreas que requerem pulos tão precisos que alternam entre saber o tempo certo, o ângulo correto, que eu não teria me importado se ele tivesse seguido esse caminho. À medida em que progredi, cada vez mais a minha opinião se solidificou.
Por todos os problemas no combate, o risível sistema de subir de nível e a patética dualidade dos Deuses, “Noreya: The Gold Project” é um excelente jogo de plataforma com animações espetaculares. Aliás, esse é um dos poucos jogos do gênero que eu me senti confortável e até preferi jogar no teclado ao invés de um controle – um comentário tão raro de eu escrever que é mais fácil encontrar água no deserto.
Até a história em si, que fica em segundo plano a não ser para aqueles que tem a paciência de encontrar anotações espalhadas pelo mapa e juntá-las para que se tornem coerente é mais interessante do que os dois Deuses que são apresentados no jogo! Mais uma vez, uma situação em que a Dreamirl mostra que tem potêncial, mas apostou no estilo de jogo errado.
É frustrante. Eu olho para o cenário, para as animações de “Noreya: The Gold Project” e todo o notável esforço da Dreamirl para criar um mundo que traz aquela sensação de “navegar por uma pintura” ou uma “cidade viva” e ver que uma grande parte do seu potencial foi desperdiçado em um Metroidvania que simplificou até demais as suas mecânicas para não cair em um mercado mais do que saturado. E, no fim das contas, acabou caindo.
Quando os seus créditos rolaram com pouco mais de 10h de jogo — digo isso com muito alívio, pois não ser longo demais era uma das principais propostas do título e ela foi mantida — eu me lembrei de quando escrevi sobre “Moonscars”, outro jogo com um visual excepcional preso por decisões de design confusas e muitas vezes contraditórias a própria proposta do jogo.
A diferença? “Moonscars” tinha mais elementos de jogabilidade e um combate mais envolvente que foi salvo após quase um ano de atualizações contínuas. Eu não consigo ver o mesmo acontecendo com “Noreya: The Gold Project”. Melhorá-lo seria, praticamente, refazer a proposta do jogo do zero e deixá-lo ou mais linear, ou introduzir mais elementos para o combate — duas decisões arriscadíssimas para uma desenvolvedora tão pequena.
Eu não quero dizer “ignore completamente Noreya: The Gold Project”. Como escrevi antes, ele dá um show à parte ao menos no quesito plataforma e visuais. Só tenha em mente – mas tenha em mente mesmo – que isso vem a um grande custo. Um que nem os próprios deuses representados no jogo fazem você pagar.
Noreya: The Gold Project
Total - 6.5
6.5
“Noreya: The Gold Project” é um metroidvania quase que em conflito consigo mesmo. Por um lado, ele não é inchado como quase todo jogo do gênero nos últimos anos. Por outro, a desenvolvedora Dreamirl priorizou elementos de plataforma e os visuais ao invés de um combate mais envolvente ou um sistema de decisões interessantes. Os fanáticos pelo gênero ou interessados por um belíssimo jogo vão se esbaldar nele. Para o restante, ele vai acabar como tantos outros, provavelmente mofando em uma biblioteca de um gênero supersaturado.