“Por que eu estou fazendo isso comigo mesmo? Sério, está um dia ótimo lá fora. Eu poderia sei lá, andar de bicicleta, dar uma volta, sentar na praça, qualquer coisa”. Eu sei a resposta para o questionamento, e é a de sempre: teimosia. Quero jogar um jogo até o final, me prender em alguma falsa esperança de que em algum momento algo irá me agradar ou me surpreender. Eu já estava na 25ª hora de Nightmare Reaper (Steam / GOG) e nada do que costuma me “prender” estava funcionando. Teimosia era o meu combustível e eu enchia o tanque no começo de cada fase.
Recentemente escrevi sobre como Shadow Warrior 3 limita demais suas opções e como isso o faz dele um jogo menos engajador do que seus antecessores. Ele continha um menor número de inimigos, uma menor quantidade de armas e um processo que se resumia a “ande até ali, assista a uma cinemática e depois lute em uma arena”. Nightmare Reaper caminha na direção contrária, ao ponto que o melhor termo que eu posso dar para ele é “scope creep”.
Para começo, definir o que é exatamente Nightmare Reaper é um processo difícil. Ele é em parte um looter shooter (termo que eu detesto) com geração semi-procedural de fases, três hubs com mapas “temáticos”. Ele também é um jogo com minigames para capturar e batalhar monstros, coletar dinheiro para aumentar a sua pontuação, e uma tentativa bizarra de criar uma “ponte” entre a era pseudo 3D de Doom com os jogos da Build Engine. Isso tudo enrolado em um papel e entregue ao jogador com direito a efeitos de iluminação dinâmica e bastante violência.
Eu ao menos parabenizo a equipe da Blazing Bit Games por ter enfiado tanta coisa em um jogo sem fazer com que ele explodisse na cara deles. Bem, ao menos no que tange a interação entre essa dezena de sistemas que não teriam o menor sentido. Entretanto, se eles fazem sentido e têm alguma coerência dentro de Nightmare Reaper, eles se canibalizam no fundo enquanto o prato principal – o ato de lutar contra hordas de inimigos e completar fases – é mitigado pela existência desses sistemas.
Cada fase começa com o que a comunidade de Doom chama de “Pistol Start”. Em suma, você só tem uma pistola e deve coletar o restante do arsenal pelo mapa. Isso tende a ser um desafio extra para quem já está acostumado com shooters; um que eu tendo a fazer com frequência dependendo de que versão ou mod de Doom eu estou jogando. Nightmare Reaper se distingue um pouco desse sistema ao deixar você manter uma arma que você coletou no mapa para a próxima missão. Era para ser mais uma opção de “liberdade” para o jogador. Quem não gostaria de escolher a sua arma favorita para a próxima fase? A questão é… será que é de fato uma escolha?
O que reduz a força dessa escolha ao ponto de torná-la quase irrelevante pelas primeiras dez horas de jogo é o ritmo de Nightmare Reaper. Ele começa muito lento e a maioria das armas que você vai encontrar não fogem muito do seu arsenal tradicional, além de possuírem um ou dois efeitos extras (mais sobre em breve). Eu escolhia a arma para a qual eu, por acaso, tinha liberado mais munição, depois de aguentar o insalubre minigame de destravar munição com o dinheiro que eu obtive na fase.
Não era para “quebrar” o jogo, mas por outro lado, essas escolhas e a limitação de munição começam a ser fatores que devem ser levados em consideração toda vez que você termina uma fase. Aqui vai um exemplo bem simples: Uma das minhas armas favoritas durante as primeiras quatro horas de jogo foi um lança granadas que não precisava ser recarregado – um dos tantos atributos que você pode obter via RNG e de acordo com o nível de raridade das armas. O custo da munição era 3 vezes maior do que outras armas que usavam “munição pesada”. Sem pestanejar eu liberei a quantidade máxima de “munição pesada” que eu podia carregar.
Foi quando eu me deparei com um rifle não só mais potente, mas com efeito de choque e chance de obter vida dos inimigos; decidi mudar de arma. Meu dinheiro para aumentar a quantidade de munição “leve” — usada pelo rifle — que eu carregava ou tinha chance de obter? Zero.
“Mas Lucas, você poderia ter diversificado o seu repertório no minigame!”. Sim, eu em parte atribuo um pouco a culpa a mim mesmo, mas demonstra o ponto de tensão entre o que Nightmare Reaper pensa ser e o que ele de fato é. Por toda a liberdade que ele promete te dar em escolher o seu estilo de jogo por meio das suas armas, ele acaba por te prender em um estilo específico até que você canse dele.
A segunda fonte de cansaço, e uma que eu tenho visto cada vez mais nos últimos anos, é a sua estrutura semi-procedural dos mapas. Nightmare Reaper pode não vir com a promessa de “conteúdo infinito” ou uma “partida ser totalmente diferente da outra”. Cada fase tem blocos preestabelecidos que alteram a posição, os inimigos e os tesouros que você vai encontrar.
Por mais que eu adore geração procedural ou semi-procedural, ela não tem espaço em Nightmare Reaper – é uma camada extra de frustração. Em um momento você pega uma fase “excelente”, em outra você pega uma fase que te irrita por conta de eventos aleatórios ou o triplo de inimigos na tela. Dificuldade artificial, rasa, desgastante.
Sob qual lente a minha habilidade estava sendo testada? Por algoritmos aleatórios e fé de que o mapa que foi “semi-gerado” por Nightmare Reaper seria bom? Ainda que tenha havido um competente trabalho de curadoria – um que eu não consigo imaginar o quão árduo foi – um mapa bem construído à mão vale muito mais do que a maioria dos mapas de Nightmare Reaper.
Eu estaria disposto a dar um desconto se o shooter tivesse uma duração de 20 horas, o que ao meu ver é um tanto para o estilo de jogo. Mas ele pode muito bem chegar na casa das 40 horas. Nessa altura toda a magia da variedade de conteúdo já tinha ido embora. Alguns mapas pareciam os mesmos que eu vi no primeiro capítulo. Mais uma caverna, mais uma mina, mais uma “cidade”. Mais, mais e mais a troco de pouco.
Quando usada apropriadamente, geração procedural cria situações interessantes onde o jogador precisa se adaptar para situações inesperadas. Um roguelike tradicional como ADOM pode te colocar em uma caverna recheada de Orcs e você vai ter que pensar como sair dessa enrascada. Roguelites cujo foco é a ação (Dead Cells, Revita) aproveitam mais eventos aleatórios. Nightmare Reaper não faz um bom uso desse sistema e tampouco tem os ganchos de jogos mais experimentais como Heavy Bullets – onde você só obtinha munição se acertasse a cabeça do inimigo – para reduzir a sensação de “eu já vi isso antes”.
Houve momentos em que eu dei grandes risadas com a aleatoriedade das armas, como uma pistola que supostamente deveria atirar pregos, mas disparava shurikens. Em outras fases eu era capaz de criar uma reação em cadeia com barris de TNT e limpar uma sala de inimigos, quase que uma pitada de Immersive Sim. Ainda que esses momentos fossem mais a exceção do que a regra, eu ficava eufórico: “Quando vai ou como vai ser que Nightmare Reaper vai me surpreender de novo?!”. A euforia me carregou, me abandonou e deu lugar para a teimosia.
O desejo de que algo mudasse, o desejo de que, se eu morresse x vezes em um mapa, ou que se eu matasse algum chefão, o jogo se abriria para mim. Que os mapas que eu vi no primeiro capítulo não teriam seu layout reaproveitado em partes para o quarto capítulo. Eu estava me enganando, eu estava vivendo um sonho impossível de ser realizado.
O que me deixa mais frustrado é que o conceito base de um shooter que poderia ser muito melhor do que a atual iteração está lá. Os inimigos são variados e têm padrões de ataques que fogem do seu “tradicional” e de tantas “homenagens” que eu joguei. O combate em si, mesmo se as armas fossem mantidas, é prazeroso. É um jogo que tem potencial e cujo potencial até foi usado, só que nas áreas erradas.
Nightmare Reaper pode ser para alguns a peça que faltava para um bom shooter para se jogar em um domingo à tarde onde sua cabeça só pensa em aniquilar monstros. Mas para mim é um jogo em que ninguém olhou e disse: “Ok, agora já está mais do que o suficiente, por favor pare de adicionar conteúdo ou mecânicas supérfluas”.
Pode ser que a minha opinião mude quando novas atualizações forem lançadas, caso isso venha a acontecer, mas se for para gastar outras 30 horas ou mais em um shooter “retrô” que nem é tão “retrô” assim, eu prefiro voltar para as dezenas de mapas de Doom, Duke Nukem 3D ou Blood.
Nightmare Reaper
Total - 6
6
Nightmare Reaper entende o que constitui um shooter competente: bons inimigos, armas divertidas de serem usadas e em teoria uma boa variedade de mapas. Mas ao invés de pegar esse elemento e o polir, ele estica o jogo desnecessariamente em prol de “conteúdo”, “variedade”, “muitos mapas” que não passam de uma tentativa rasa de prender o jogador. Há horas em que você tem que saber quando parar, e a Blazing Bit não soube quando.