“O que você quer ser quando crescer? ” É uma pergunta constantemente feita a crianças que nem mesmo sabem trocar as calças direito. Uma estranha imposição perante o nosso futuro que não temos noção de como será. Normalmente a resposta é dada de maneira vaga, incompleta ou apenas como “Não sei”. Esta criança que não sabe bem o que quer ser é Necropolis, desenvolvido pela Harebrained Schemes e disponível no Steam por R$ 55,99.
Necropolis se define como uma mistura de dungeon crawler, “Roguelike” e inspiração na série Souls. O que tenta mostrar é que um bolo é igual a um queijo pois os dois levam leite. Ele não é capaz de ser exatamente um roguelike bom e a inspiração em Dark Souls está visível na disposição dos botões em um controle e o estilo de ataque de certas armas.
Mas, o que exatamente torna um roguelike bom ou não? Bom, como tudo nesta vida é algo completamente subjetivo. O forte do gênero (ou sub-gênero, caso prefira) é prover uma experiência ligeiramente diferente a cada vez que morre e tem de recomeçar de novo a um ponto onde o jogador não se sinta frustrado por conta disso. Para isso muitos usam o artifício de classes diferentes ou de uma maior variedade de inimigos, equipamentos ou armadilhas para deixar o mapa ainda mais interessante.
Spelunky é um ótimo caso de um roguelike (se formos estender os limites do gênero) que consegue de maneira inteligente criar situações de perigo e por mais que não tenha classes definidas, há uma constante interação com o cenário. O jogador vê a necessidade de usá-lo a seu favor para vencer obstáculos.
Já Cogmind aproveita do desgaste de equipamentos e um uso de um sistema de energia para manter os jogadores engajados. Binding of Isaac se apoia na enormidade de itens para garantir que uma “run” seja completamente diferente da outra, enquanto Rogue Legacy força o jogador a tomar escolhas entre diferentes “classes” com bônus e penalidades para que ele tenha uma experiência diferente.
Tudo isto que eu listei está ausente em Necropolis. Esteticamente belo, isto eu não nego, ele é uma série de corredores lotados de inimigos para serem mortos da maneira mais patética possível. Toda estratégia é viável. Desvie, ataque, desvie, ataque. Nem mesmo no oitavo — de um total de nove níveis — eu tinha alguma reação diferente de “já acabou?”.
A geração aleatória de mapas não ajuda, tudo parece vazio, distante. Corredores repletos de absolutamente nada para se fazer, com poucas razões para serem desse jeito a não ser parecer “filler”. Seria para mostrar a grandiosidade do local? Não sei dizer.
Sua tentativa de mostrar algo que se assemelhe a progressão cai de cara no chão da mesma forma que quase todo outro aspecto. Ao início de cada partida são gerados desafios aleatórios, parte deles entediantes, que dão moedas especiais. Estas podem ser usadas tanto para comprar livros a serem usados pelos próximos jogadores ou abrir baús que podem ou não conter itens especiais.
Estes desafios deviam ser encarados como algo opcional, mas acabam por se tornar a base de tudo o que você faz em Necropolis. Não conseguiu achar dez esqueletos para matar em um andar? Azar seu, você não tem mais o que fazer a não ser matar os inimigos com equipamentos que utilizam o mesmo conjunto de movimentos independentemente do nível de qualidade deles.
Não me incomodaria tanto também com a relativamente baixa quantidade de inimigos se cada um deles oferecesse um pouco mais de variedade nos ataques. Mais uma vez, você só consegue ver um pouco mais desta “variedade” nos andares finais. Mas, quantos jogadores terão a paciência ou a habilidade para chegar a eles? Por que não variar um pouco nos andares iniciais?
Eu estava preparado psicologicamente para saber que ia ter que aturar mais um andar com os mesmos esqueletos, com os mesmos homens barbados que me atacam da mesma forma. Nem essa tentativa de copiar Dark Souls foi bem-sucedida, pois a Harebrained Schemes usa números ao invés de qualidade no estabelecimento de uma zona de combate na tentativa de criar apreensão.
Há uma falta de um elemento tático para o combate, qualquer ataque causa dano ao inimigo. Não existem resistências e, portanto, não existe preocupação por parte do jogador. As limitações ficam apenas para a quantidade de vida e stamina, dois valores que podem muito bem ser resolvidos dado a quantidade de itens e materiais para crafting que são obtidos dos inimigos.
Após o combate há uma chance de o personagem ficar exausto, sendo então necessário se alimentar para que a barra de stamina seja preenchida por completo. Tal mecânica poderia estabelecer uma estrutura onde escolhas deveriam ser feitas, entre atacar ou recuar. Mas novamente, a trivialidade da obtenção de materiais faz com que ela não funcione.
Pode ser que Necropolis se torne mais divertido ao jogar com amigos, mas em um jogo como este as mecânicas devem ser polidas ou implementadas bem o suficiente para que isto não seja necessário. Ele não se adepta para quem quer apenas aproveitar por trinta minutos ou três horas. Morrer não acarreta na perda de algo ou no aprendizado de algo importante, é apenas um botão para recomeçar do zero, mais uma trivialidade no topo de tantas outras.
Os corredores pálidos, da geometria simplista e os gritos dos inimigos ecoam em minha memória como algo que pode ser tão melhor do que é. A estética esconde um jogo sem alma, sem carisma. Há espaço, muito espaço para melhorias, Necropolis pode ser salvo com uma boa repaginada na geração procedural e em mais oportunidades para entregar um combate interessante. Agora, se a Harebrained Schemes fará ou não, só o tempo dirá.
Necropolis
Total - 6
6
Necropolis busca inspiração em dois mundos, porém falha em aprender o que os torna tão interessantes. Entrega um jogo sem carisma, carregado puramente por sua estética e incapaz de prover mais do que algumas horas de diversão. Nos primeiros minutos o jogo te dá a sensação de que não há mais nada para ver, e de fato, não há.