Como muitos livros que li na minha adolescência, nunca dei uma boa chance a Moby Dick, já que, na época, eu achei que ele era “longo e desinteressante demais”. Nantucket (PC), o game de estratégia e RPG da Picaresque Studio, não necessariamente altera a minha opinião sobre Moby Dick, mas certamente me faz pensar em dar a ele uma segunda chance.
Nantucket é, de certa forma, uma continuação do livro – a caçada épica da gigantesca baleia branca desta vez por Ishmael – o único sobrevivente do barco Pequod. E é também um gerenciador / planejador em uma era da pesca que é pouco ou nada retratada na história dos games.
Jogos ambientados no século XIX ou na era de ouro da navegação, são raros, e tendem a dar agência ao jogador apenas em certas áreas: definir o rumo do barco, entregar quests, ou simplesmente pescar.
Me lembro uma esquentada discussão no fórum de um simulador de barcos no Caribe em desenvolvimento pela Games-Labs, chamado Naval Action, exatamente sobre isso. Muitos jogadores argumentavam que “não havia muito o que fazer” enquanto navegava de porto em porto. O barco era uma entidade sem alma; você apontava e ia para o local desejado. Estendo essa crítica também para Sid Meier’s Pirates – um jogo que amo, mas que sempre tratou o jogador como a força motivadora para o avanço, fazendo com que todo o restante fosse secundário. Algumas horas de jogo e rapidamente estava desinteressado a continuar.
O contrário aconteceu de ínicio com Nantucket.
Ao invés de seguir diretamente para a quest principal – o retorno à caçada a Moby Dick e à manutenção do meu barco – decidi navegar pelos sete mares e ver com quais perigos me deparava. Voltei ao porto de Nantucket com uma tripulação de um alcóolatra, um preguiçoso, uma moral destruída e ainda quase sem mantimentos. Não foi o perigo dos mares que havia me machucado tanto, mas a humanidade em si.
Nantucket começa se apresentando como uma história decidida a contar mais sobre os tripulantes do que sobre caçadas e baleias. Eventos, que vão de mantimentos estragados a um possível motim, definem que tipo de capitão o jogador se tornará. Honestamente não esperava tantos elementos narrativos quanto a Picaresque conseguiu inserir; de certa forma, chego a considerar que Nantucket talvez seja uma versão menos fantasiosa e mais voltada ao “gameplay” do que Sunless Sea.
O interessante é que isso me faz pensar se incluir tantos elementos de combate foi uma decisão acertada ou não, principalmente pela forma que esses elementos tomam no jogo. A caça às baleias em si não é o problema, mas a forma que essa interação tende a ocorrer é incrivelmente (perdoe o trocadilho) rasa. As quests iniciais giram em torno de encontrar áreas onde as baleias podem navegar em períodos de migração ou encontrar destroços de navios que adentraram essas águas. Já nesses estágios iniciais fica clara a falta de incentivos para o jogador de fato se importar com boa parte desses eventos.
O combate em si é dividido em três etapas. Primeiro você deve escolher quais tripulantes serão levados até a presa por barcos de pesca e após isso o jogo revela quais efeitos estarão em jogo (mares turbulentos podem reduzir a chance de acertar um harpão, por exemplo). As baleias tipicamente atacam para atordoar, machucar ou fazer com que um dos tripulantes caia do barco – efeito, este, reduzido de acordo com a experiência de cada tripulante e sua classe.
A decepção estava estampada na minha cara quando adentrei a primeira área de pesca. Um singelo narval foi tudo o que eu encontrei. Com três pontos de vida, joguei meus arpões e em dois turnos ele havia virado carne para venda e alimento para a minha tripulação.
Os dias, semanas, meses se passaram e quase sempre o mesmo se repetia, uma ou duas baleias à vista, um punhado de dinheiro e mais uma visita ao porto. A monotonia era quebrada somente com quests secundárias ou terciárias (sim, terciárias) em que você decide ajudar um membro da sua tripulação com problemas pessoais.
Como um barco que volta ao rumo ao qual deveria estar sendo guiado, é nesses momentos que Nantucket mostra a sua competência. Mesmo que o elo entre o jogador e os tripulantes não seja tão forte quanto um XCOM ou Darkest Dungeon, ele te lembra: “Ei, estamos nessa junto, ok?”. Gostaria que esses momentos fossem mais frequentes…, mas, passadas as quests, lá estava eu de novo na caça por baleias, ainda sem profundidade, com cada vez mais frequência, e raramente precisando de mais do que do mínimo da minha atenção clica, clica, clica, mais uma baleia morta. Clica, clica, clica, outra baleia morta. Bocejei. Não, não era tarde da noite. Não… eu estava entediado. “Quando vai acontecer algo que vai realmente me desafiar?”, me questionei.
Eu tremi de medo na primeira vez que eu vi um grupo de baleias mais poderosas (definidas pelo jogo como lendárias). Duas com 60 pontos de vida e uma com 83 pontos de vida. Minha tripulação, depois de meses no mar – nos quais haviam criado maus hábitos – era formada de novatos ou caçadores que, aparentemente, não sabiam nem como acertar um arpão. Sem as habilidades necessárias para vencer a batalha, abracei o fracasso. A batalha foi perdida, parte dos meus mantimentos jogados ao mar e o retorno para casa, que demoraria 70 dias, seria impossível.
Vibrei ao contrário de ficar triste, pois esse era o tipo de experiência que tanto esperava que Nantucket me oferecesse: de pensar duas vezes antes de usar uma habilidade, de realmente temer o meu inimigo, de ter todas as possibilidades contra mim.
Assim acabou a minha primeira (de muitas) tentativas em vencer Nantucket, pois sou teimoso e joguei em grande parte na dificuldade Seadog – onde o jogo salva automaticamente ao sair e todos os saves são deletados ao morrer. Desisti após umas vinte horas de jogo e achei melhor voltar ao modo tradicional, que infelizmente não reduziu a repetitividade.
Quanto mais progredia, menos quests eu recebia. Os jornais localizados nos portos – local onde o jogador obtém as quests – estavam estampados com notícias da região. Navegava mais um pouco, vendia o que conseguia das minhas caçadas, melhorava meu equipamento, continuava a jornada.
E assim foi o torturante caminho até o nível 25, supostamente o “final” do jogo. Seria então, Nantucket sobre os tripulantes? Tinha as minhas dúvidas, pois nem eventos aleatórios eram mais tão impactantes assim. Já tinha a certeza de que cedo ou tarde uma carne ia estragar, teríamos de jogar parte da água fora, que alguém iria adoecer. A questão é que muito disso não é referente a nossa realidade atual, muito pelo contrário, e Nantucket acaba por fazer parecer que são coisas do “cotidiano”. Qual cotidiano, exatamente?
Se lembra a parte de vibrar pelas batalhas? Pois bem, até elas foram embora, pois meu barco havia melhorado o suficiente que eu praticamente “destruía” toda e qualquer baleia que viesse ao meu encontro. Estava de volta à estaca zero, desmotivado.
Não me dei conta que as horas finais de Nantucket foram gastas esperando o barco ir do ponto “A” ao ponto “B” enquanto eu fazia outras tarefas, enviava e-mails, ouvia música ou conversava com outras pessoas. Para mim o “conteúdo” (uso com muita cautela, pois detesto o termo) havia se esgotado. Como Nantucket, eu perdi o foco.
Nantucket cai na mesma armadilha que já citei em outras análises e que vejo em jogos como Assassin’s Creed: Origins, Dragon Age Inquisition, dentre outros: expandir a duração ao inflar o conteúdo. É desafiador quando quer? Sem dúvida alguma, mas me pergunto se esse desafio não poderia ter sido mantido se a Picaresque Studio se focasse em transformar o ato de caçar baleias em algo menos repetitivo, usar esses eventos de forma mais impactante e efetiva, mesmo que em menor número – como o combate de Banner Saga – ou fazer que eventos carregassem maior importância para a jornada geral do que algo “temporário”. Porque no fim das contas, não importa a forma que jogar, o objetivo final é o mesmo: caçar Moby Dick.
Nantucket é o quê, então? Um jogo sobre caçar baleias ou um jogo sobre a era da caça? Para mim é pouco dos dois, com o objetivo definido, mas sem saber bem como traçar esse rumo. Ora pende demais para a narrativa, ora para o combate. Abraça a estética do período, dos seus menus aos cantos de marinheiro, mas não o suficiente para cravar uma identidade própria. Tal como Ishmael, Nantucket parece caçar um objetivo mais poderoso do que ele é capaz de enfrentar; de certa forma, esse ideal é o “Moby Dick” da Picaresque Studio – seu ideal, sua obsessão… e sua ruína.
Nantucket
Total - 7
7
Com dificuldade de entender o seu propósito, Nantucket raramente se sobressai em uma área relevante. É sobre navegar, gerenciar, caçar, é sobre sobreviver. É sobre tudo isso e ao mesmo tempo nada. Como a caçada à baleia branca, um exercício que frustra mais do que recompensa.