Ok, eu creio que eu preciso parar de jogar roguelikes ou roguelites por um tempo. “Mythforce” (Steam / PlayStation / Xbox / Switch) é o terceiro que eu escrevo em um mês. Ironicamente, é o jogo que menos me “irritou” em termos de metaprogressão — o que já é um milagre por si só.
Vestindo uma capa de “desenho animado que passava nas manhãs dos anos 80”, “Mythforce” quer antes de tudo que você tenha diversão com outras pessoas. A ênfase em coop é presente por cada canto do jogo. Múltiplos personagens, múltiplas “árvores de habilidades passiva”. Aquele jogo onde metade do tempo vai ser discutido “builds” para avançar nas dificuldades mais altas, a outra metade conversando de como foi a semana.
Embora a vestimenta de “Mythforce” não se adequa muito bem ao jogo, especialmente quando você nota a “magia” indo embora depois de algumas horas jogadas, ele ao menos retém um elemento essencial para que ele funciona: uma certa leveza na execução dos mapas e inimigos.
Do primeiro até o último capítulo, “Mythforce” te oferece um prato exorbitante de estereótipos, daqueles que até um restaurante a kilo teria dificuldade de montar. Esqueletos, homens-cogumelo, lagartos, magos. Se um personagem está em um livro de fantasia, ele provavelmente está em “Mythforce”. O mesmo vale para os tipos de mapas que você vai encontrar. Calabouços, masmorras, castelos destruídos. Variedade de cenários não é o ponto forte do roguelite.
O que também não é o ponto forte do roguelite é o seu combate. Se algum aprendizado ele devia ter tirado das suas fontes de inspiração, é que o combate de um roguelite coop deve ser mais impactante do que a sensação de bater em papel de cartolina.
Jogar como uma das classes focadas no combate corpo-a-corpo é um exercício em paciência. Seja no primeiro mapa ou no último mapa da campanha, “Mythforce” não consegue expressar uma sensação de que os seus golpes estão ficando mais fortes além de, bem, números ficando maiores.
Confesso que eu comecei com uma das classes mais “fáceis”, a paladina — que atua como o “tank” da equipe. Por conta disso, as suas habilidades são voltadas para atordoar ou agrupar inimigos para que outros jogadores causem o verdadeiro dano neles. Mas mesmo jogar com o ladino me decepcionou. Adagas? Melhor chamá-las de facas mal afiadas. O que me convenceu de seguir em frente com “Mythforce” foi o outro lado da moeda do combate: o uso de arcos.
A não ser que você jogue como um mago, o arco vai ser o seu melhor companheiro durante a campanha. Ele é versátil, causa mais dano do que a maioria das outras armas e tem habilidades passivas de sobra para se tornar a arma principal de qualquer classe.
Chega a ser engraçado o quanto esforço a Beamdog teve em adicionar habilidades passivas interessantes em comparação com a quantidade de acessórios disponíveis. As opções são tão poucas que nos níveis mais baixos, os bônus chegam a ser insignificantes. Imagina você chegar na metade de uma dungeon e dar de cara com uma bota que aumenta o seu dano em… 5%.
Por favor desenvolvedores, se tem algo que vocês devem mudar em seus jogos são esse tipo de acessórios que adicionam bônus irrisórios. A quantidade de acessórios inúteis que eu encontrei em “Mythforce” é tamanha que, todas as vezes, eu os troquei por ouro para melhorar as habilidades.
Em mais uma reviravolta de design, eu não posso falar o mesmo sobre a árvore de “habilidade passivas” do roguelite. Todo o esforço que devia ter sido investido nos acessórios, aparentemente, foi para esse sistema. Ainda que não seja tão complexo quanto outros jogos que já vi por aí, cada nódulo dava um bônus considerável para ataque, magia, pontos de vida e recuperação de stamina. A “dificuldade” de liberar novos nódulos só estava atrás de uma barreira que eu não gosto. Isto mesmo, metaprogressão.
A metaprogressão de “Mythforce” não é tão ruim quanto em outros jogos, como bem disse no começo do texto. Os dois elementos principais que você precisa são runas e ouro, que estão presentes em abundância nos mapas. O que o enfraquece é que o jogo espera que você faça múltiplas runs de um mesmo mapa para obter mais ouro, e a não ser que o jogador perceba que os acessórios são inúteis, vai perder a oportunidade de encurtar esse processo.
Você deve estar se perguntando como eu, alguém que critica tanto esse tipo de jogo e sistema de progressão, não enlouqueceu ao jogar “Mythforce” correto? A resposta é muito mais simples do que parece: ele é confortável.
Eu comecei a jogá-lo com a mentalidade de que ele não seria o roguelite que iria “invalidar” jogos como “Gunfire Reborn”, mas apenas um que escolheria no meu tempo livre. Por isso que disse no começo do texto que a maioria do tempo você vai estar discutindo builds, a outra metade você vai falar de como foi a sua semana.
Ainda que aparentemente não tenha sido o objetivo da Beamdog, ela acabou criando um bom roguelite para quem quer desligar o cérebro, destruir esqueletos ou outros tantos estereótipos tirados de livros e materiais de fantasia. É, de certa forma, reconfortante saber que eu não tenho que lidar com o caos que é uma partida de “Risk of Rain 2” e esgotar a minha cabeça tentando correr contra o tempo para atingir uma pontuação alta.
Eu teria preferido que “Mythforce” fosse um jogo single-player com maior foco na narrativa? Sim, mas essa não é a realidade. A única coisa que eu espero que a Beamdog faça no futuro é reduzir um pouco o grind para a metaprogressão e adicionar mais acessórios com atributos impactantes. Considerando que uma parte da equipe foi demitida antes mesmo dessa crítica ir ao ar, não sei o quão viável isto é.
“Mythforce” não vai ser o meu roguelite do ano. Nem mesmo deve entrar na minha lista de favoritos, mas ele foi — e vai continuar a ser — um bom atrativo para aqueles dias de domingo que eu não estou com muita paciência para jogar algo mais complexo.
Nos seus piores momentos, é um jogo desbalanceado, e recheado de contrastes com sistemas que foram polidos e outros foram deixados de lado. No melhor, é um bom jogo para você desligar o cérebro ou ouvir a sua música favorita enquanto mata inimigos. Recomendo usar um arco para isso.
Mythforce
Total - 6.5
6.5
Os sistemas de “Mythforce” são, no mínimo, contrastantes. Ele carece de acessórios e um combate corpo-a-corpo impactante, mas compensa com boas habilidades passivas. A metaprogressão poderia ter um pouco menos de grind, e os cenários mais variados. Quer um jogo para destruir esqueletos e outros monstros com amigos ou sozinho? É uma boa opção, mas não espere algo além disso.