Cogitei chamar Moonlighter (Steam / PlayStation 4 / Xbox One) de Recettear ocidental, mas ao passo que o game de 2010 da EasyGameStation focou em contar uma história — especialmente em dungeons a partir da segunda metade do jogo — Moonlighter prefere se apoiar na sua jogabilidade. Você é Will, herdeiro da loja Moonlighter, e agora tem de explorar calabouços para coletar itens, colocá-los à venda, e melhorar tanto seu equipamento como sua loja. Pronto, já basta de história. O resto você encontra pelas dungeons – ou não; a história é secundária ao ponto de ser fácil esquecer que existe uma.
Três idas na primeira dungeon e já queria deixar a minha vida de dono de loja para ser ferreiro e construir minhas próprias armas. O combate é simplesmente sublime; preciso e recompensador, mesmo com pouca variedade de golpes. Mudei da dificuldade normal para “difícil” só para poder gastar mais tempo nas dungeons e apreciar como a Digital Suns conseguiu criar um repertório de monstros desafiadores. Tomei então a decisão de fabricar cada arma do jogo, uma tarefa árdua, e — muitas vezes — monótona. Eu e minhas tarefas monótonas que muita gente detesta (gosto muito de lavar louça, por exemplo)… vai entender.
O jogo mascara muito bem o fato de que a sua progressão é bloqueada em partes pela capacidade do seu equipamento, ao te dar a esperança de que “se você se esforçar e prestar atenção” vai conseguir vencer o inimigo ou o chefão. Diria até que isso pode ser verdade para quem tiver a paciência ou a habilidade, e que pode ser que mostrem que estou errado ao assumir que é impossível. O que tenho certeza que é impossível é resistir aos novos equipamentos que podem ser criados assim que você coleta os materiais necessários. Novos arcos, lanças, armaduras que aumentam a velocidade de movimentação ou a reduzem, que causam dano de veneno, atordoamento, fogo. Loot e criação de itens / equipamento, sempre as mais tentadoras das frutas.
As longuíssimas horas que gastei em cada dungeon valeram a pena no fim por dois motivos: pude experimentar as diferentes maneiras de derrotar inimigos — e acredite, se você tem um estilo que não envolva magia, Moonlighter vai te saciar — e ainda ganhar uma bela grana vendendo os equipamentos e armamentos de que menos gostei. Decidi ficar com as luvas e armadura de couro, uma ótima combinação para quem quer mobilidade e gosta de desviar de ataques.
Fiquei tão entretido em juntar dinheiro e montar equipamento que nem percebi que a minha loja não recebeu melhorias. Há uma placa imensa no meio da cidade com uma série de melhorias — de caixas que dão mais dinheiro a novos balcões para colocar seus itens — e eu simplesmente me esqueci dela. Quando lembrei, gastei 200 mil moedas de ouro para construir uma nova loja, um novo caixa e itens que aumentariam ainda mais a minha renda. Um esforço que, sinceramente, foi em vão.
Digo, sem poupar palavras, que o aspecto de gerenciamento da loja é tão raso que se eu o comparasse a uma poça, não daria nem para molhar a sola do sapato. Vender itens é contra-produtivo, e expandir a loja ainda mais. Você imaginaria que a forma mais rápida de receber essa montanha de dinheiro como as 200 mil moedas de ouro fosse vender tudo o que visse pela frente, correto? Em partes. Existe uma opção dentro das dungeons que te deixa “descartar” um item em troca de uma porcentagem do dinheiro. A outra, obviamente, é colocá-lo à venda no balcão e esperar que alguém o compre.
Mas, céus, como é entediante vender coisas em Moonlighter. Coloca o item ali, espera o cliente, observa a reação dele. Preço alto demais? Baixa. Preço baixo demais? Aumenta. A Digital Suns menciona um suposto sistema de demanda — onde itens vendidos em demasia farão o preço ser reduzido — coisa que não vi acontecer. Ficava atrás do balcão esperando alguém aparecer, e com sorte, não sairiam de mãos vazias.
Mas agora eu tinha uma nova loja! Mais espaço, mais bonita, mais tudo! Com certeza atrairia mais clientes, certo? Mais ou menos. A clientela aumentou, assim como o crime. Pois, aparentemente, o que dá “emoção” em gerenciar uma loja é ter um ladrão entrando a cada trinta segundos e tentando roubar um dos itens. Corria do balcão, entrava em uma “briga” (basicamente apertava o gatilho do controle) e pegava meu precioso item de volta. Mas, tudo bem, a próxima loja tinha dois novos balcões especiais com vidros para clientes ricos, e um item que reduzia a probabilidade da ação de ladrões. Depois disso era só garantir de colocar os itens certos nas locais certos.
Fora do jogo, eu já fiquei atrás de balcão oito horas por dia, incluindo finais de semana, e isso foi suficiente para eu poder te dizer que não é nada divertido. Se você quer algo chato para fazer aos domingos, trabalhe em uma loja — especialmente uma que não tenha movimento. Quando você tem um jogo como Moonlighter que insere essas mecânicas, elas devem não ser só recompensadoras, mas também prover algum tipo de interação. O máximo que eu encontrava, no entanto, era abrir o grimório de itens para checar os preços e ver se não vendia nada abaixo do valor de mercado.
Precisa ter aquele “diferencial” de que um trabalho muitas vezes chato pode ser convertido em algo agradável. Recettear faz isso muito bem com o nível de vendedor — que aumenta a cada venda feita — e a constante barganha entre a vendedora e o cliente; um mini game simples, mas que te dá aquele gosto de “olha, conquistei algo!”. É o tipo de diferencial que jogos como Euro Truck Simulator (a tranquilidade das estradas e entregas, além de gerenciar uma empresa) ou até mesmo um outro jogo com mecânicas similares – que é o caso de Holy Potatoes! a Weapon Shop – consegue entregar.
E mesmo sabendo que eu bato na tecla de gostar de fazer coisas monótonas (vide meus textos sobre Euro Truck Simulator ou a minha cobertura de jogos como Bus Simulators), muitas delas envolvem um microcosmo de ações repetitivas — que afinal é a base de qualquer jogo — ou me permitem desligar-me um pouco da realidade. Há de se convir que ficar atrás de um balcão e apertar um botão para vender itens não é muito engajador.
Posso até tirar um exemplo do próprio Moonlighter: o gerenciamento de inventário. Itens obtidos nas dungeons podem vir com uma maldição — como quebrar caso tome dano demais, excluir outro item adjacente no grid de inventário ao voltar para a cidade, ou converter um item em outro. Um sistema simples como esse traz dúvidas como “Se eu estou com itens que vão melhorar minha arma, mas também vão me dar dinheiro, devo investir a curto ou longo prazo?”. Até a limitação de inventário de 20 itens é um próprio minigame. Um que pede – não, implora para ser conectado ou influenciar a sua loja. Essa granularidade deveria também estar na forma que você administra a loja.
De tantas vezes que eu falo que um jogo foi ambicioso demais, digo que Moonlighter, no quesito gerenciamento, foi ambicioso de menos. Um certo receio por parte da Digital Suns de sobrecarregar o jogador de funções? Possível, mas eu bem que gostaria de ter um maior controle sobre a minha loja. Ou ao menos motivos para evoluí-la.
Também não vou ser hipócrita e dizer que meu tempo com Moonlighter foi horrível por conta disso. Eu aturei os sistemas de gerenciamento medianos por conta das dungeons. As malditas dungeons, sempre são elas, não é mesmo? Você senta para jogar um pouco e quando vê já se passaram seis horas. Tudo isso só porque decidi melhorar as minhas luvas.
Esse é o ponto maravilhoso de Moonlighter: o loop quase perfeito do combate e exploração. Sai de dungeon, melhora item, volta pra dungeon. Para quem é da terra dos jogos de estratégia, vou dizer que Moonlighter é quase um Civilization; você sabe que tem partes rasas, mas não consegue parar de jogar. É um bom jogo, só faltou um pouco mais para se tornar excelente.
Moonlighter
Total - 8
8
Moonlighter é um daqueles que você vai pegar, jogar uma hora e não querer parar mais. O combate é simples, preciso, e a variedade de equipamento e armas é o suficiente para instigar a experimentação. Careceu mesmo é de um tanto de ambição na parte de gerenciamento.