Eu não sou fã de franquias anuais, ainda mais quando o tema é esportes. Seja motociclismo, futebol, Baseball e por aí vai… as nuances das mudanças são perdidas. Isto é, se elas de fato ocorrem de maneira significativa. Uma das poucas desenvolvedoras que quebra esta tendência é a Milestone. A empresa italiana atua de dois modos: Melhora várias áreas do jogo de uma tacada ou não investe em elementos básicos e me deixa triste. A sua franquia “Monster Energy Supercross”, cujo sexto jogo está nas prateleiras digitais (Steam / Xbox / PlayStation) desde o começo de março, é um exemplo fantástico dessa discrepância.
Antes de mais nada, vamos conversar sobre Motocross no Brasil. Ainda que tenha uma comunidade bastante fiel, os campeonatos — que lentamente ganham mais espaço graças às transmissões online — não atraem multidões. Supercross, que em suma é uma variante que ocorre em estádios nos EUA mas que possui a mesma categoria de 250cc e 450cc, vira uma mera nota de rodapé em boa parte dos canais esportivos.
Apesar da triste realidade do nosso cenário nacional, eu ainda me mantenho bastante investido em eventos de Supercross. Seus estádios com curvas estreitas, menos espaço entre os pilotos, e saltos impressionantes revelam um esporte que requer não só velocidade, mas cadência e muita técnica.
É aí que entra Milestone e seu contrato anual de produzir um novo “Monster Energy Supercross”. Para quem vê de longe, é só mais um jogo de moto que os fãs vão comprar sem pensar duas vezes, e saberão lidar com os problemas que acompanham tais lançamentos tão frequentes. Quem dera; eu estou para ver uma comunidade mais crítica do que a de “Monster Energy Supercross”, e com razão.
A inconsistência da Milestone faz dela um ponto fora da curva no que tange aos jogos de corrida. Quando eu comecei a jogar “Monster Energy Supercross 6”, pensei “Bem, ele não mudou tanto do quinto jogo da franquia”. Algumas horas se passaram no modo carreira, eventos e multiplayer e comecei a perceber que eu tinha em mãos provavelmente o melhor jogo da desenvolvedora desde “Monster Energy Supercross 3”.
Mais uma vez, rebobinando a fita, o impacto que “Monster Energy Supercross 3” teve na Milestone é imensurável e sentido até hoje. É nele em que, após anos de tentativa e erro, a desenvolvedora começou a estabelecer um sistema de física relativamente consistente, melhorou o editor de pistas, trouxe mais personalização para os pilotos e melhores visuais. É o equivalente ao que a Codemasters fez em F1 2018, que desde então usa como base.
A física em “Monster Energy Supercross 6” está mais “realista”, por assim dizer — com motos mais pesadas, especialmente na categoria 450cc, onde antes você parecia voar com muita facilidade. Problemas como derrapar do nada ou acertar um objeto e imediatamente cair da moto? Coisa do passado.
Você não tem idéia do alívio que é ver meu piloto saltar, eu conseguir ajustar a queda e minha moto não voar do nada da tela. Acredite se quiser, mas isso era quase regra no quinto game da série, e muito frustrante. Agora eu sentia que eu que estava no controle da minha moto e que os comandos que eu enviava, com as todas as assistências desligadas, eram corretamente interpretados.
Vale apontar que a física do jogo ainda não se compara aos jogos de nicho como “MX Bikes“, mas quem está interessado em aprender “MX Bikes” — um título pelo qual eu tenho grande respeito com a sua preocupação em ser o jogo mais realista possível e está em produção a anos — com certeza não quer “perder tempo” com um jogo da Milestone.
A IA também tem a sua boa dose de refinamentos; agora há um maior espaçamento entre os pilotos e maior probabilidade de queda. Não está tão “cai, cai” a cada volta como “Monster Energy Supercross 4”, mas também não vai ao extremo de serem perfeitos na pista.
Infelizmente, esse ainda é um dos maiores problemas da franquia no geral. A IA pode ter melhorado, mas ainda é notável o quão “em fila” seus adversários dirigem, ainda mais se comparado com vídeos reais de eventos de Supercross. Eu não espero que a Milestone crie uma IA perfeita; apenas uma que não me faça quase bater em outro piloto para conseguir fazer uma ultrapassagem.
Por consequência, o modo carreira e todos os outros grandes eventos são afetados de uma forma ou outra. Eu alterava a dificuldade entre médio, difícil ou muito difícil quase a cada duas partidas para descobrir em qual pista a IA se comportava melhor. Creio que a maioria dos jogadores não irá fazer isso e apenas se contentar com as peculiaridades da IA da Milestone. É algo que já é “aceito” dentro da comunidade, mas que ainda precisa de melhoras.
E mantendo o clima de inconsistência: por algum motivo que eu não entendo, todos os pilotos estão drasticamente mais feios até se comparados com “Monster Energy Supercross 3” ou “4”. Tudo bem que as chances de você ver o seu piloto fora do pódio ou do início de uma corrida são zero, mas a queda na qualidade é assustadora. Não quero especular o motivo disso, mas algo me diz que a Milestone está começando a ficar com um orçamento cada vez menor para cada jogo da franquia.
Pois, ao menos nos jogos anteriores — salvo o quinto — a desenvolvedora tentava alguma coisinha nova. Uma nova interface, uma nova mudança aqui e acolá. Quem sabe um novo elemento para o editor de pistas (um dos poucos jogos licenciados a ter um editor de pistas, praticamente um milagre) ou um novo layout para a área de treinamento. “Monster Energy Supercross 6” não tem nada disso. Até os menus parecem ter sido copiados da quinta versão, só com a cor mudada.
Até mesmo o modo carreira, que ainda divide a comunidade pelo seu sistema de progressão que gira em torno de “habilidades especiais” – algo padrão em jogos esportivos atualmente e que serve como um bom tutorial para “Monster Energy Supercross 6” – sequer recebeu uma repaginada. Ele estava ruim antes? Não, mas também podia haver mais incentivos para participar das corridas, eventos especiais, ou até um sistema de calendário com mais interação entre o piloto e a sua equipe.
Eu evito falar sobre o multiplayer já que jogá-lo online com pessoas desconhecidas é a mesma experiência de um lobby aberto em F1 ou qualquer outro jogo de corrida que não se chama iRacing. Ou você vai ter a rara chance de encontrar pilotos decentes ou pessoas que só estão lá para estragar a diversão. Uma pena que, por motivos que eu também não consigo responder, a conexão está mais instável do que nunca. Ou seja, encontre um grupo ou uma comunidade ou participe de torneios se você quer de fato aproveitar o modo online.
Me entristece de ver isso pois eu sinto que ano após ano a desenvolvedora, por mais inconsistente que seja, por mais tropeços que ela tenha feito — e olha que foram muitos que não se limitam a “Monster Energy Supercross” — tenta algo. Ela ainda não se afundou no mundo do “Ultimate Team”, em algum passe de “temporada” que não faz o menor sentido, como em F1 22.
Pode ser um jogo licenciado, mas há um comportamento genuíno de que a Milestone se preocupa com os seus jogadores e os escuta. A equipe de gerenciamento — que normalmente toma as decisões mais pesadas e que afetam os desenvolvedores que dão duro — não considera extremos de monetização que muito bem teriam seduzido uma direção interessada em uma sequência mais ambiciosa ou um fluxo de caixa maior. A prova de que a Milestone consegue atingir níveis de qualidade altíssimos pode ser muito bem vista em “Hot Wheels: Unleashed” (crítica), um que eu mantenho instalado no meu PC e não penso em remover tão cedo.
Por que então o melhor jogo da franquia? Pois no calor do momento, na hora que você está na pista tentando fazer o melhor tempo, acertar cada salto, ajustar a sua cadência, “Monster Energy Supercross 6” dá um show e mostra o quanto a Milestone evolui ano após ano.
Da variedade de pistas até a simulação de deformação de terreno — embora exagerada — esse é o pacote mais arredondado em termos de jogabilidade e, quem sabe, um novo patamar que a própria desenvolvedora vai ter que tentar superar nos próximos anos. “Monster Energy Supercross 6” melhora o que importa, e piora o que “não importa tanto”. Se for essa a troca que eu tenho que fazer para ter um jogo de Supercross decente, é uma que eu estou mais do que disposto a fazer.
Não mude, Milestone; continue a tentar quebrar barreiras e não cair na sedução de tantos outros jogos esportivos por aí. “Monster Energy Supercross” ainda vai longe, mas não nos próximos anos. Antes uma desenvolvedora inconsistente, que tropeça e se estabaca, do que uma que joga no seguro eternamente.
Monster Energy Supercross 6
Total - 8
8
Embora inconsistente em áreas como a IA, e visuais muito piores para os modelos dos pilotos, “Monster Energy Supercross 6” surpreende com uma física robusta que para mim é o elemento crucial do Supercross. Não é o título mais ambicioso da Milestone, mas para quem está longe há um bom tempo da franquia ou quer aprender mais sobre o esporte, é um excelente ponto de partida.