Hacknet, NITE Team 4, Hackmud, Watch Dogs e suas sequências. A ideia de ser um hacker em um jogo nunca deixou o imaginário coletivo. Seja pela sua quase constante presença em filmes, pelo conceito de “fazer o bem” por métodos não tradicionais, ou pelo peculiar prazer de ver um código “complexo” sendo executado na sua tela. Algo que, na minha experiência, é bem menos interessante na vida real. Midnight Protocol (Steam / GOG) da LuGus Studios sequer entraria no meu radar se não fosse por um ponto-chave: ele unifica o conceito de “hacking” com um glamoroso sistema em turnos e uma ótima narrativa.
Entretanto, nada disso veio à tona nos primeiros minutos de jogo. Midnight Protocol te introduz ao seu mundo por meio de mensagens de texto e uma interface ligeiramente hostil (quem diabos usa um sistema operacional sem suporte a mouse? Se fosse um terminal eu até entenderia). As referências a Hacknet eram claras: os emails trocados, a história de que você — Data — passou tempo na cadeia e agora está atrás de quem foi o culpado. “Pelo visto, se você jogou um desses jogos, você jogou todos pelo visto”, disse para mim mesmo em um ligeiro tom de decepção.
Nem mesmo o tutorial, muito bem produzido por sinal, me persuadiu o suficiente de que o sistema de movimentos e ações por em turnos seria o suficiente para impedir que eu essencialmente repetisse as mesmas ações pelo resto do jogo. Eu estava entediado antes mesmo de começar o jogo de fato. “Tá bom, eu já entendi. Aperto ali, aqui, acolá, digito uns comandos e obtenho os dados que preciso”.
Aprecio bastante a minha ingenuidade aqui, pois ficar “sobrecarregado de informações” é dizer pouco, quando Midnight Protocol começou a me inundar de diferentes habilidades passivas e ativas que eu iria usar durante as próximas missões. A maioria dessas habilidades pode ser até considerada “descartável” para muitos, mas não para mim, por um simples porém excelente conceito: ser eficaz.
Midnight Protocol usa a quantidade de ações e o tempo que você demora para completar uma missão para determinar a sua pontuação final. Embora ela não prejudique os pontos e dinheiro — usado para comprar novas habilidades — essa mecânica instiga em mim o mesmo desafio pessoal que encontro tanto nos jogos da Zachtronics. Era terminar uma missão e pensar “hmm, poderia ter usado menos ações por turnos”. E lá ia eu otimizar as minhas rotas, drenar nodes com reservas de dinheiro, enviar dados para a polícia ou mantê-los para mim e vendê-los.
Abro um “parênteses” aqui para encorajar quem estiver interessado no jogo em de fato dar uma olhada mais aprofundada nas habilidades. Embora sejam muitas para descrever em uma crítica, a importância dessas habilidades é primordial. Algumas delas, como “cloak” reduzem a chance de te pegarem. “Dagger” elimina certos tipos de barreiras nos servidores.
Todas são enraizadas em um conceito de jogos de estratégia em turnos, fazendo com que mesmo aqueles que não tem o menor conceito de escrever “código” vão se sentir confortáveis. Aliás, pode se preparar para escrever bastante, pois todas as ações feitas nas missões são escritas por comandos. Mas, mais uma vez, fique tranquilo; Midnight Protocol possui um ótimo manual e um dicionário de terminologia que vai fazer com que você fique craque em saber o atalho de cada habilidade.
Entretanto, nem todas as missões podem ser rejogadas, já que Midnight Protocol dá uma ênfase muito maior à narrativa do que eu esperava. Algumas delas envolvem salvar os dados de alguém próximo de Data, outras envolvem expor uma empresa por mau uso e abuso de preços de medicamentos. As escolhas durante as missões podem soar um pouco binárias, mas suas consequências reverberam e muito no resto do jogo. Uma decisão que eu tomei na terceira hora de jogo só teve impacto depois de inúmeras missões. Não vou entrar em detalhes devido a spoilers, mas fiquei bem surpreso em como a LuGus Studios tratou certos temas sem cair nos múltiplos clichês tão proeminentes nesse tipo de jogo.
Mas, para tomar essas decisões Midnight Protocol te dá as ferramentas e — em certos momentos — quase se transforma em um adventure. Navegar por emails, ler logs de mensagens para entender o contexto de certas corporações ou hackers que se dizem aliados é algo que julgo essencial para de fato se imergir na história. Como fã de adventures que sou, a mudança de ritmo é muito bem-vinda, mas sei que não vai agradar a todos. O que me leva a um dos seus pontos “fracos”: o alto nível de dificuldade das missões primárias ou secundárias a partir da metade do jogo.
Já deu para notar que Midnight Protocol tenta usar vários chapéus, e em grande parte do tempo, consegue com excelência. Aqueles que ignorarem as dicas deixadas por emails ou logs vão acabar se encontrando em encruzilhadas e tendo que reiniciar múltiplas missões por não estar com as habilidades corretas ou por gastarem tempo demais em um node, já que você só pode realizar duas ações por turno.
Eu me vi preso em uma dessas situações durante as partes finais do jogo e não conseguia decifrar como solucionar a missão sem ser pego em flagrante. A resposta estava escondida em um email que “presumi” ser spam, mas que era uma baita de uma dica que tornou a missão muito mais fácil de ser completada. A LuGus Studios já adicionou múltiplas opções para diminuir a dificuldade do jogo para que isso não venha a ser um problema futuro — inclusive uma que te torna praticamente “invencível”, caso o seu interesse seja puramente na história. Eu recomendo manter as opções padrão de início, pois sinto que uma parte da tensão de saber ou não se você vai se safar de uma invasão é parte da essência de Midnight Protocol.
Quando os créditos rolaram na minha campanha de Midnight Protocol, eu entendi muito bem o porquê de ele ser uma incógnita dentro do “subgênero” de jogos de hacking. Ele não necessariamente atende às convenções do gênero. Você não vai ter uma subversão como vista em certos momentos de Hacknet, tampouco a variedade de ferramentas de NITE Team 4 e muito menos o incrível e denso mundo do pouco conhecido — mas importantíssimo — hackmud (que infelizmente teve sua economia dizimada por scripts de usuários, um tema que foge, e muito, do escopo dessa crítica). Ele ainda é no fundo um jogo de estratégia em turnos com uma roupagem diferente.
Mas é esta roupagem que o torna tão atraente para mim, a capacidade de unificar temas que nem sempre são vistos de mãos dadas, a demanda por eficácia nas partidas, os elementos de “adventure” que Midnight Protocol provê. Tinha tudo para soar destoante, mas no final, se encaixam tão bem na proposta que, assim que comecei a investir mais e mais tempo, eu não queria parar até ver os créditos rolarem na tela.
Eu ainda planejo revisitar Midnight Protocol e testar o modo de “tempo real” — onde eu preciso ter mais atenção nas minhas ações — e quem sabe repensar algumas das minhas decisões acerca de alguns personagens, ou testar uma nova combinação de habilidades para ver como me saio em missões mais avançadas. A minha sorte é que Midnight Protocol não tem tabela de lideranças, pois se não eu estaria perdido tentando bater o recorde de outros jogadores, e o Hu3Br acabaria abandonado.
Brincadeira, eu nunca faria isso com vocês…. Acho.
Midnight Protocol
Total - 9
9
Tratar Midnight Protocol como “apenas” um jogo de hacking em turnos é um grande desserviço ao incrível trabalho da LuGus Studios. É um caso raro de mesclar adventure, uma ótima narrativa, um bom sistema de turnos e um toque especial para quem gosta de otimizar rotas. Não é sempre que eu tenho a chance de jogar tão “único” dentro de um gênero que se prende tanto a estereótipos. Recomendadíssimo tenha você interesse ou não no tema.