Acho que eu não preciso dizer o quão medroso eu sou, correto? Ok, só para reiterar para quem não é leitor um assíduo do site: eu tenho muito medo de jogos que geram qualquer sentimento de terror. Ainda assim os jogo. Por que? Eu não sei bem ao certo; curiosidade, teimosia, provar que sou capaz de completá-los? Mesmo diante desses desafios eu encontro algumas joias — sendo uma das minhas favoritas a franquia Metro, cujo último jogo Metro: Exodus a elevou a novos patamares. Agora que a versão Enhanced foi lançada nesta semana no PC via Steam e Epic Games Store, a minha visão sobre o game mudou — tanto para bom quanto para ruim.
Metro Exodus: Enhanced Edition em sua grande maioria é uma gigantesca atualização para a inclusão de um novo sistema de ray tracing e alguns refinamentos na jogabilidade. A desenvolvedora 4A é bem conhecida por fazer isto na série — vide Metro: 2033 e Metro Last Light: Redux. A diferença aqui é que para jogar esta versão você precisa ter uma placa de vídeo com suporte a tecnologia de ray tracing. Ou seja, tenha uma NVIDIA GTX 2060 ou o jogo não vai sequer abrir. Quem possuir um console da próxima geração (Xbox Series X ou PlayStation 5) poderá jogar esta versão a partir de junho.
No atual cenário onde encontrar uma placa de vídeo de alto desempenho é como encontrar ouro no meio de uma mina abandonada, Metro Exodus: Enhanced Edition é o ápice do elitismo. Mas isto não significa que aqueles que irão jogar com tudo no máximo terão a “melhor experiência”. Aliás, é um pouco mais complicado do que isso.
Eu nunca fui um grande fã de ray tracing. A maioria dos jogos ainda o coloca de uma forma supérflua e muitas vezes pouco imaginativa. Até os grandes nomes como Control — cujos cenários são deslumbrantes — prefere fazer uso de algo exagerado para demonstrar a tecnologia e como ela pode criar “reflexos reais”.
Metro Exodus, mesmo em 2019, já era uma exceção pela forma que ele implementou o sistema, usando-o para expandir a iluminação, como a luz rebate nos objetos e como isso traz um maior grau de “realismo” para a cena. A Enhanced Edition vai além e remove todo tipo de iluminação que tende a ser determinada pelos desenvolvedores como “ponto de luz” em favor de um sistema de iluminação global em ray tracing. Em termos menos técnicos, toda a luz gerada por uma fonte rebate de maneiras infinitas de acordo com a luminosidade e refração de cada material na cena.
Soa fantástico em tese, não? Não é bem assim. Em termos de aplicação de uma tecnologia para apresentar um paper na SIGGRAPH (conferência focada em computação gráfica), Metro Exodus: Enhanced Edition é um ótimo estudo de caso. Todavia entramos em uma discussão “realismo” vs “direção de arte”. O nome “Enhanced Edition” não é à toa. Embora algumas cenas apresentem um visual deslumbrante, eu sinto que Metro Exodus perdeu um pouco da sua “identidade”.
A jornada de Artyom pelas diversas regiões e o contraste entre a desolação e a esperança de um futuro melhor foi sedimentada no conceito de explorar locais praticamente inabitáveis, encontrar monstros onde você menos espera e vasculhar túneis claustrofóbicos. Parte desse impacto é perdido por conta do ray tracing. Uma das cenas que mais me assustou no mapa de Volga na versão original foi quando eu adentrei um prédio abandonado e imediatamente fui atacado por algum tipo de mutante. O susto foi tão intenso que eu não sei como eu não parei no teto. Hesitei em continuar a minha exploração.
A cena toma uma forma bastante diferente na Enhanced Edition. Assim que eu adentro o prédio, a visão se adapta e em uma noite de lua cheia — que ironicamente tende a se estender por boa parte do jogo — eu consigo ver muito melhor o que está ao meu redor. Em certas áreas, como a ponte do Volga ou o Mar Cáspio, eu tinha dificuldade de entender se eu estava em não em penumbra por conta do carnaval de cores que se apresentava na minha tela. Isso sem contar momentos onde a luz externa aparentava “penetrar” mais do que devia e causava uma certa distorção na cena.
Tais acontecimentos peculiares não se limitam a encontrar áreas onde ray tracing “prejudica” a imersão. Ser furtivo, por exemplo, agora é mais uma questão de prestar atenção no contador que está no pulso de Artyom do que de fato saber se a área onde você se encontra está sob penumbra ou não.
Para um exemplo mais “concreto”, basta ver Below da Capybara Games. O “roguelike” que não foi muito bem recebido pela comunidade pode não ter a melhor jogabilidade, pode ser punitivo demais, mas em momento algum eu senti que a escuridão trabalhava contra mim. Sabia que monstros se espreitam nas sombras e cada passo era a possibilidade de morrer.
Muitas áreas abertas de Metro Exodus: Enhcanced Edition tinham este aspecto e acabaram por perder um pouco desse “charme”. Estão visualmente mais belas em certos aspectos sem dúvidas, como você pode ver no vídeo comparativo abaixo, mas em outras só um total reajuste dos materiais e de outros pormenores fariam jus ao novo sistema de ray tracing.
Muitos outros jogos também fazem um excelente uso de sombras. Resident Evil 2: Remake, Song of Horror, Assassin’s Creed Unity, The Last Guardian, Kingdom Come: Deliverance, The Division – nenhum faz proveito do sistema de ray tracing, mas ainda sim entregam momentos singulares.
Mas isso não quer dizer que o ray tracing seja “mal implementado” em todas as áreas. Pelo contrário, navegar pelos túneis nunca foi tão assustador. A maneira como a sua lanterna ou isqueiro reflete o ambiente, a sensação claustrofóbica ainda está lá. Ainda respiro bem fundo toda vez que eu penso “lá vou eu me meter em uma enrascada de novo”.
Momentos como estes ficam mais evidenciados no DLC “The Two Colonels” — o primeiro a receber melhorias de ray tracing na versão 2019. Agora um mero lança-chamas é capaz de iluminar uma cena inteira com a sua intensidade — trazendo um senso de desespero seguido por uma tensão de “o que será que há por trás daquela porta?”.
O mesmo ocorre no DLC “Sam ‘s Story”, que, como “The Two Colonels”, já havia recebido mesmo na versão “2019” algumas melhorias significativas. A iluminação com o novo sistema de ray tracing parece muito mais “natural” do que o carnaval visto no jogo base. Evitando especular, mas já especulando um pouco, não ficaria impressionado se ambos os DLCs já tinham uma fundação mais concreta para a implementação do novo ray tracing.
Afinal, por mais que eu leve em conta todas as melhorias trazidas pela novo ray tracing de Metro Exodus, é uma versão recauchutada — a própria 4A Games aponta no site oficial (que traz mais detalhes sobre o processo de inclusão do novo sistema de ray tracing, recomendo para aqueles que estão mais interessados nos aspectos técnicos) que este é o primeiro passo em um longo caminho para a implementação de um sistema mais coeso entre ambientes. Considerando o fato que ela se supera, ao menos em termos de qualidade visual, a cada lançamento, não ficaria surpreso de estarem trabalhando em um novo jogo, seja da franquia Metro ou não.
Como apontei no começo do artigo, ray tracing ainda é um conceito “elitista” no mundo dos jogos — reservado para aqueles que possuem as placas de vídeo mais potentes e os consoles da mais nova geração. Este é o cabo de guerra que a indústria “AAA” decidiu seguir para os próximos anos — a busca eterna pelo “realismo” — e eu não espero ver esse cabo se romper tão cedo.
Também acredito que a implementação do mesmo evoluiu muito desde 2019 e espero que nos próximos anos isso facilite a vida da equipe de desenvolvedores e reduza o crunch dentro das empresas, mas isso sou eu ainda tendo expectativas de que a indústria de jogos irá mudar no futuro.
Como alguém que acredita que jogabilidade está acima de tudo, voltar a jogar Metro Exodus com a Enhanced Edition só me ajudou a lembrar o quão especial ele é. Lutar contra hordas de monstros, usar stealth para eliminar os inimigos, definir a sua rota para chegar em um objetivo, ter que checar um mapa “físico” ao invés dos tradicionais mapas de jogos “open world” para não te tirar da imersão. É simplesmente fantástico.
Seja com ou sem ray tracing, seja jogando numa batata, seja diminuindo os gráficos para o mínimo, eu reitero a minha recomendação para que todos joguem Metro: Exodus. Ainda é de longe o melhor jogo da franquia em termos de jogabilidade, exploração, senso de pertencimento, desolação e, de quebra, possui algumas sequências fantásticas de ação e terror.
Eu evito grandes comparações, mas se for para falar de um jogo que me lembrou a série STALKER do começo ao fim, este jogo foi Metro: Exodus. E, como alguém que ama a série da GSC Game World, não há maior elogio que posso fazer.
Metro Exodus: Enhanced Edition
Total - 9
9
Metro Exodus: Enhanced Edition mostra o poder do ray tracing para quem possui uma placa capaz de rodar na mais alta qualidade — apesar de certas mudanças visuais não serem do meu agrado. Mas mesmo aqueles que não tem a chance de jogá-lo com tudo no “máximo” merecem dar uma chance a essa jóia de 2019. Um trabalho exímio da 4A, e o ápice da franquia. Se Enhanced Edition apresenta uma pequena parcela do futuro da desenvolvedora, estou ansioso para conhecê-lo.