Metal Gear Survive (PC, Xbox One, PlayStation 4) é bom. Não, você não leu errado. Toda vez que uma franquia continua após a saída de seu idealizador e designer principal, é fácil (e compreensível) falar que automaticamente vai ser ruim, se sentir “traído”, ou algo do tipo, já que uma franquia vai muitas vezes além do nome de uma marca em uma caixa. Survive é, de fato, assombrado pelo legado de Metal Gear.
Você deve pensar que eu enlouqueci, mas não; torci o nariz da mesma forma que creio que você faça nesse exato momento. “Como é possível que um jogo que mistura Metal Gear com elementos de survival tenha alguma característica marcante?”, pensei em um primeiro momento. Por mais que eu tente negar, até jogos medianos (ou muito piores do que Survive) têm pontos positivos, e é esse tipo de coisa que eu busco em jogos. Experimentação.
Não irei defender aqui a terrível história – mesmo considerando quão insanas podem ser as tramas até então desenvolvidas pela Kojima Productions – e que é capaz de irritar ao ponto de me fazer cogitar pular muitas cinemáticas devido ao quão pouco elas adicionam. Também não vou dizer que, surpreendentemente, meu tempo com o modo coop valeu o investimento; muito pelo contrário, coop em Metal Gear Survive pode ser considerado como um de seus pontos mais fracos. O que me fez gostar tanto de Survive foi o seu modo single-player.
Justificativas fracas à parte, como a reutilização de partes do cenários de Metal Gear Solid V e a introdução de zumbis só para ter um componente de desafio, Metal Gear Survive é sobre planejar por horas e ver essa execução tomar forma como mais uma missão bem-sucedida. Algo que, como mencionei em meu texto sobre Kingdom Come: Deliverance, tem um grande impacto em mim, pois há vezes que eu prefiro gastar mais tempo planejando minhas próximas tarefas do que propriamente executando as ditas tarefas.
Minha primeira felicidade nesse sentido foi a remoção de elementos um pouco “ridículos” do gênero de survival – como cortar árvores para montar uma fogueira – em troca de um sistema de coleta de materiais e uma base central com mesas para a criação de itens específicos como armas, ou uma fogueira para o cozimento de alimentos. Ainda que existam itens com tipos de raridades diferentes, o sistema é projetado para que o jogador se foque em dois pilares que formulam a jogabilidade: exploração e planejamento.
O Dite (nome dado à região no universo alternativo Survive) é composto de duas áreas: a sua Home Base e o Dust – um local onde não é possível respirar sem a ajuda de uma máscara de oxigênio, onde waypoints do mapa não funcionam a não ser que se esteja próximo deles, e onde o gasto de alimentos e água é redobrado; e, obviamente, onde grande parte das missões ocorrem.
A presença da Dust foi um dos maiores motivos de eu ter gostado de Metal Gear Survive. Se muitos jogos de “survival” te colocam em um local com pouca comida e pouca água, aqui você pode tê-los em certa abundância, mas nunca vai se sentir seguro assim que adentrar o Dust e colocar a máscara de oxigênio. Todos preparativos devem estar em ordem, cada passo deve ser calculado; cada porcentagem da barra de oxigênio que diminui é a chance de que você não consiga voltar para a home base são e salvo.
Esses preparativos começam muito antes de sequer você pisar no Dust pela primeira vez. Survive não hesita em te colocar sempre um passo atrás do inimigo. Comida e água existem em certa quantidade fora do Dust. Quer mais? Ou você sai da sua zona de conforto e se aventura nele ou não irá progredir na história.
Umas das inúmeras situações intensas que passei dentro do Dust aconteceu durante uma missão secundária. Encarregado de resgatar um possível sobrevivente, me preparei para adentrar uma área ainda não explorada do mapa. A missão em si é similar a algumas vistas em Metal Gear Solid V (como a de resgatar um intérprete). Survive também te dá um arsenal para enfrentar possíveis empecilhos. Ao contrário de equipamentos militares, era eu, uma lança, meia dúzia de cercas (que podem ser construídas em qualquer lugar do mapa), cinco garrafas para afastar os inimigos, três coquetéis molotov, alguns mantimentos e curativos para possíveis machucados críticos – mecânica que retorna de Metal Gear Solid 3.
Me aproximei do alvo com todo o cuidado do mundo, sempre de olho em possíveis rotas de fuga caso algo desse errado, e sem perder a Home Base ou o sistema teleporte de vista (ambos apontados no cenário com luzes verdes e azuis no horizonte). Após atravessar um pântano e subir um morro — onde pude ter melhor visão da área — me deparei com uma situação no mínimo complicada: o sobrevivente estava em no topo de outro morro, cima de um contêiner rodeado de zumbis e só havia uma rota de entrada saída. Cogitei duas opções: tentar afastá-los com garrafas, ou partir com tudo e esperar que os coquetéis molotov fizessem seu trabalho.
Deixei a minha guarda abaixar por um segundo, e um dos zumbis me notou e rapidamente todos vieram ao meu alcance. Desesperado, pulei no contêiner, agarrei o sobrevivente e torci para que a minha barra de Stamina durasse o suficiente para sair do campo de visão deles. Consegui com muita sorte; no meio do desespero não percebi que meu tanque de oxigênio estava em 20%, em uma clara demonstração de que eu não estava tão preparado quanto imaginava.
Como todo survival, cada item de Metal Gear Survive tem uma percentagem de durabilidade, que pode ser reparada com materiais ou com Kuban Energy – uma energia especial que pode ser encontrada no mapa ou removida de zumbis mortos. A única exceção é o tanque de oxigênio, que usa Kuban para repor a quantidade de oxigênio, mas reduz em 10% a durabilidade toda vez que é usado. Sem prestar atenção, fui para a missão sem consertá-lo.
20% de oxigênio. Mais uma carga o deixaria com a metade de oxigênio, mas só 10% de durabilidade. Seria o suficiente até a base? Apostei todas as minhas fichas, dei a última carga e parti em disparada, atraindo praticamente todos os zumbis da região. Minha stamina já estava quase no final quando avistei a barreira entre o Dust e a região da minha base. Coloquei o sobrevivente no chão e usei as grades para desacelerar os zumbis. Agarrei o sobrevivente com todas as minhas forças, 5% de oxigênio, atravessei e estava seguro.
Palavras não descrevem a minha felicidade ao ver a minha base – ainda em fase de construção, caindo aos pedaços e parcialmente destruída. Não importava; era meu pequeno porto seguro (um assunto debatido em outro artigo) em um mundo caótico.
Esse estabelecimento de um “porto seguro” foi o que me fez me importar muito mais com a Home Base do que com a Mother Base de Metal Gear Solid: Peace Walker ou a sua “evolução” em Metal Gear Solid V. Nos games anteriores elas mais pareciam desnecessárias ferramentas de gerenciamento; vá ali, recrute um soldado, gaste materiais em defesa e quem sabe você vá ser atacado em um momento do jogo. Survive traz isso para mais perto do jogador, fazendo com que cada edificação tenha uma função importante. Eu celebrei quando consegui um tanque para armazenar água da chuva, porque agora tinha água potável. Por isso que gastei tanto tempo em planejar, cuidar dela, e me preparar para possíveis ataques de zumbis.
Peguei um bloco de anotações e fiz uma lista intitulada “o que levar antes de começar uma missão”. Eu sei que pode soar tedioso, mas gerenciar a base, os sobreviventes, materiais e mantimentos é tão agradável e – bizarramente – relaxante que me lembrou bastante as minhas horas em State of Decay. Ambos os jogos enfatizam a noção de que você está simultaneamente preparado e não preparado. Minha base era mais do que um “refúgio”; era uma estrutura representativa do meu planejamento, tomada por um ar de paz que só seria cortado no momento que houvesse um ataque zumbi. Não tardou para eles aparecerem, claro. Triste foi ver que no fim, pouco importavam as táticas ou estratégias que planejei para a defesa, pois grande parte dos ataques contra elas – ocorridas durante as missões principais – são terrivelmente monótonos.
O principal motivo de eu ter demorado tanto para comentar sobre as missões principais e atividades de defesa de Metal Gear Survive vem justamente disso; jogou uma, jogou todas. As missões começam sempre no mesmo estilo: uma horda de zumbis vai atacar a sua posição – tipicamente por conta da ativação de um Wormhole Transporter, que permite você teleportar para pontos específicos do mapa ou um Wormhole Digger para coletar Kuban – e cabe a você defendê-la. Ao contrário de reforçar a ideia de sobrevivência e adaptabilidade, Metal Gear Survive vira mais um “jogo de defesa contra horda”. Parte disso tem a ver com o ritmo glacial com que o jogador recebe novas armadilhas, e com a falta de oportunidade em usá-las.
A minha estratégia por boa parte da campanha era sempre a mesma: cercas, cercas e mais cercas. Colocava uma cerca normal, depois outra cerca de arame farpado e mais uma cerca de arame farpado só para garantir. Depois era só correr de um lado para o outro distribuindo flechadas nos zumbis. Divertido na primeira, segunda, terceira vez até. Depois disso? Queria que acabasse logo para explorar mais do Dust e receber mais uma dose de tensão e medo do desconhecido.
Essa montanha russa de tédio seguido por completa ansiedade e terror passa a sensação de que os aspectos de exploração e defesa foram criados dentro de bolhas, sem nenhuma interação entre as duas equipes de desenvolvimento para amadurecer a forma como eles se interligavam. E o pior: O game tem armadilhas e variedade de monstros de sobra para tornar essa defesa mais interessante. Armadilhas de óleo, fogo, tambores com combustível, a lista vai longe e ainda assim eu mal os usei. Para quê gastar materiais nisso se não havia a necessidade de me adaptar? Não é que faltem bons exemplos de mapas de defesa que promovem variedade – do modo horda de Gears of War, a Orcs Must Die, até o PVE de Fortnite (se você aguentou o grind e viu como os mapas finais são bons).
Uma necessidade de adaptação só começa a aparecer nos níveis mais altos do pós-game durante o coop, algo que imagino que nem a metade dos jogadores vai atingir, a não ser que estejam preparados para investir mais de 50 ou 60 horas. E depois de tantos exemplos onde “cercas resolvem todos os problemas”, a adaptação necessária é difícil. Adorei quando apareceu; só gostaria que tivesse sido vinte horas antes e com uma curva de aprendizado mais suave.
É essa inconsistência – e problemas secundários como a necessidade de conectividade online até para o single-player, ou o pagamento de 1000 sv coins (moeda que pode ser comprada com dinheiro real ou recebida via bonus de login diário) para um slot adicional de personagem, o que considero um absurdo – que arrastam Metal Gear Solid Survive para baixo. Você sente que ele quer ser mais. Eu queria que fosse mais.
Seria “fácil” para mim apontar o dedo e dizer que a “culpa” é que não é uma produção do Kojima, ou qualquer outra desculpa esfarrapada. Não quero, muito menos devo fazer isso. Metal Gear Survive evoluiu pequenos aspectos da franquia – como o uso da Home Base e uma exploração realmente recompensadora – em um spin-off que poderia ter passado em branco se eu não fosse um teimoso que gosta de jogar tudo que eu puder.
Não é Metal Gear Solid V, nem IV, nem 3, nem nada. Para ser sincero, nem precisa ser. É um spin-off, e ainda que carregado de problemas, é um tremendo spin-off. Dê uma chance, explore o Dust, passe por momentos de tensão e você vai ver que Metal Gear Survive é muito mais do que aparenta.
Metal Gear Survive
Total - 7.5
7.5
Apesar das decepções e algumas decisões de design um tanto absurdas, Metal Gear Survive é um competente spin-off da franquia. É capaz de extrair tensão até dos momentos mais simples e trazer paz em um local que só remete ao caos. Deixe o preconceito de lado e dê uma chance a ele. Ele merece.