Diante dos gigantes da indústria e seus RPGs ou “pseudo” RPGs com 100h de duração, eu tenho adorado cada vez mais a iniciativa independente de produzir jogos com uma duração média de 10 horas ou até menos. Seja Jack Move, Sanctuary Saga e especialmente “Meg’s Monster” da Odencat (Steam / Nintendo Switch / Xbox).
Eu devo confessar que eu tinha as minhas preocupações acerca do novo título da desenvolvedora japonesa. Fishing Paradiso, embora perfeito no papel para mim que é um fã de pesca, não desceu muito bem por conta de longos períodos de história e uma tradução que aparentava carecer de contexto. Agora uma história de um gigante que protege uma garota? É o cenário perfeito para que a Odencat entre no tradicionalismo, e ainda assim ela não o faz.
Primeiro, dizer que “Meg’s Monster” é um RPG já é um pouco demais; na minha visão ele caminha um híbrido entre visual novel com combate em momentos cruciais da narrativa. Não há batalhas aleatórias muito menos aquela camada grossa de gordura que tantos outros RPGs possuem, o que já é um ponto positivo.
Mas o que mais me atrai nessa decisão é que a Odencat se desdobra para fazer cada situação um momento único tanto em termos de história, aprofundando o relacionamento entre Roy – o gigante – e Meg. Em suma, Meg é uma garota indefesa e Roy seu protetor, mas é Meg que vem com as estratégias de batalha como usar itens no “cenário” ou indicar que Roy utilize alguma forma de ataque que até então não era possível no jogo.
Este vai e vem de mecânicas que são pontualmente colocadas ao longo das sete a oito horas de duração de “Meg’s Monster” é o que o eleva a um patamar muito maior do que eu imaginava até então. Até o sistema de combate em si é interessante por si só. Embora Roy tenha o poder de “mover montanhas” por assim dizer e ser praticamente “invencível” com 9999 de vida, dano demais faz com que Meg se preocupe com os machucados de Roy. Quanto mais machucado, mais preocupada Meg fica e se não prestar atenção no que está fazendo, é um caminho direto para um baita “game over”. E, acredite, uma barra que vai até 100 pontos de “preocupação” — um valor inusitado para se ver em um RPG —, é muito menor do que parece.
Ainda há um senso de combate e desafio, mas também um senso de que Meg é uma garota extremamente criativa que ainda está sendo moldada pelo mundo ao seu redor e – como toda criança que eu já esbarrei na vida – não tem medo de falar o que pensa ou surgir com uma ideia sem pé nem cabeça que acaba funcionando no final das contas.
Isso não quer dizer que nem Meg ou Roy são imunes ao mundo que se encontram. Um mundo que não hesita em esconder a sua hostilidade frente aos seus habitantes e muito menos a Roy, visto como uma monstruosidade só pela sua aparência e – a medida em que a história avança, por outros motivos ainda mais absurdos.
A Odencat aborda temas e outros temas muito pesados – que nem imaginava serem mecionados em um jogo como “Meg’s Monster” com uma imensa maestria e cautela de estabelecer não só cada área que você explora como seu próprio microcosmo de seres com suas preocupações e vidas diárias, como também enriquece a viagem de Roy e Meg, e também como isso afeta o relacionamento deles com o mundo. Eu ouso dizer que os personagens secundários ou até terciários receberam o mesmo tratamento e carinho que a dupla – algo que nem sempre vejo em RPGs.
Houve tantos momentos em que eu falei “Mas poxa, eu gostaria de ajudar esta pessoa” ou “É sério que é só isso, não tem uma solução?”. Não veja isso como uma crítica em si, apenas o simples fato de que em vários momentos da nossa vida acabamos de mãos atadas e sem saber o que fazer pelo outro. É uma realidade para muitos na vida real, e “Meg’s Monster” outra vez não esconde tal fato e muito menos chega com uma solução mágica só para fazer o jogador se sentir bem consigo mesmo.
Eu não chegaria a dizer que “Meg’s Monster” é um RPG que tende para o lado “triste”, mas sim um que pede para que o jogador faça bastante introspecção pelos temas tratados. Falar sobre eles aqui seria um imenso spoiler, então eu deixo para vocês descobrirem o que se desenrola ao longo do jogo. E, vai por mim, vale muito a pena.
Embora eu tenha gostado do meu tempo com “Meg’s Monster”, ele não é sem os seus deslizes, inclusive na trama. Os perrengues que Meg e Roy passam são muito inusitados, mas outros personagens da trama central são um tanto quanto previsíveis – um problema que já apareceu de uma forma ou outra em outros jogos da Odencat como antes mencionado Fishing Paradiso. Eu realmente espero que a desenvolvedora consiga expandir este ponto, pois até mesmo nas histórias que não adicionam “nada” a trama além de mais contexto para os habitantes de uma região, “Meg’s Monster” dá um show.
Independentemente de você decidir ir atrás dessas histórias secundárias, ser fisgado pela narrativa ou só quer um RPG que não tenha uma camada grossa de gordura e ainda assim trazer um sistema de combate que não se atrela ao tradicionalismo do mercado, “Meg’s Monster” é uma ótima pedida para quem só quer um pouquinho de ação e uma história de cair de paixão, e quem sabe, chorar um pouquinho no final.
Eu sei que gastei mais do que o suficiente da minha cota de lencinhos, portanto recomendo que você já deixe os seus preparados por aí.
Meg's Monster
Total - 9
9
A Odencat mostra outra vez seu incrível poder de trazer personagens memoráveis, um bom sistema de combate e uma história que te prende do início ao fim – mesmo que quase deslize por conta de certos personagens –, “Meg’s Monster é essencial para todo e qualquer fã de RPG que prefere narrativa acima de tudo. Pode ser que ele não entre na lista dos melhores de 2023, mas sem dúvidas vai ficar na minha memória por um bom tempo.