A voz da gerente de operações de MechWarrior 5: Mercenaries (Epic Games Store) é quase robótica. “Você sabe o que fazer, nós fomos contratados para defender um posto avançado e você precisa estabelecer um perímetro de controle”. O tom é de alguém que já havia falado isso dezenas de vezes. Seja para você ou seja para outro, não importa quem estivesse na cabine. O importante sempre foi o mech e o objetivo. Se eles estiverem seguros, o restante é considerado dano colateral.
Ainda que “ausente” (se não contarmos MechWarrior Online ou o recente BattleTech) por quase 20 anos, a ideia de gerenciar uma equipe de mercenários se manteve presente nesse tempo por meio de outros jogos — Mount & Blade, StarSector e Battle Brothers são apenas alguns dos exemplos. Entretanto, nos três jogos citados você almeja a grandeza — seja ela colonizar um novo setor em StarSector, ter o seu próprio castelo em Mount & Blade, ou parar uma invasão Orc ou seja lá qual for o motivo de você tentar sobreviver até os turnos finais de Battle Brothers. MechWarrior 5: Mercenaries deixa claro que esse não é o caso; ele não se preocupa com a sua sobrevivência.
Tanto a Piranha Games – atual desenvolvedora – quanto a precedente FASA Studios tentaram injetar o mínimo de história para te manter interessado para fazer as missões. O quinto jogo da franquia faz isso com uma narrativa que é estabelecida ao longo do seu tutorial. Um tema de vingança, tão presente nesse universo, é o pontapé inicial para que você saia do planeta em que está e vá atrás de um “vilão”. Sejamos honestos, o capitão que você controla, a sua gerente de operações e a sua tripulação são irrelevantes dentro do contexto de BattleTech. Mercenários em uma era onde grandes casas “nobres” reinavam a Inner Sphere (nome dado à região).
MechWarrior 5 não expande muito na implicação da influência das diferentes facções e deixa isso para três contos lançados gratuitamente. O que, apesar de ser compreensível — já que nem todos têm a bagagem de anos de experiência com a franquia — é decepcionante, pois muitas noções passam despercebidas. Mas a mais importante que ele expõe é: qual o motivo de lutar para outros?
A questão não é levantada nas primeiras cinco horas de jogo. Nelas você se esbalda em créditos, compra mechs, armamentos e equipamentos. Vive como um rei, sonha como se fosse parte de uma das casas nobres. Uma armadilha já conhecida de MechWarrior e que também é vista em BattleTech da Harebrained Schemes.
Isso também serve como uma rede de segurança para você experimentar e entender melhor as intrínsecas mecânicas que compõem todo o processo de equipar um mech. Quais peças devem ser usadas, quais são as mais úteis em diferentes tipos de terreno? Seria um lança-mísseis mais prático do que dois lasers médios? Mas e se você estiver em um ambiente árido que superaquece o seu mech com grande facilidade?
Neste ponto MechWarrior 5: Mercenaries segue os passos dos arquétipos criados pela FASA Studio – um sistema de dano com camadas de armadura, diferentes módulos e o tradicional sistema de controle que trafega a linha tênue entre um shooter e um simulador. Se você vem de MechWarrior Online a diferença ainda é mais gritante, já que o uso de mísseis e armas lasers é mais complexo dada a dificuldade de “travar” um alvo na sua mira, e há grande facilidade de superaquecer o seu mech. Sem contar nas melhorias moderadas na IA dos seus companheiros e dos inimigos – foi-se o tempo dos mechs suicidas de MechWarrior 4, apesar de que eles ainda não são muito bons em navegar por certas partes do mapa. Seguir tal modelo da FASA é seguro, mas ao mesmo tempo dá espaço para ver o quão mais impactante é a dinâmica socioeconômica presente no universo BattleTech.
Mas o tempo que você se sente como um rei, navegando por sua MechBay e olhando para os seus mechs enquanto pensa como você irá alterar o rumo da Inner Sphere e como você sairá vitorioso — não passa de uma fábula bem elaborada. Você sai para mais uma missão seguro, certo de que é só mais uma “pedra no caminho”, que vai ser fácil e logo estará de volta para mais “aventuras”.
Aí você recebe a primeira saraivada de SRMs (Short Range Missiles), percebe que o braço esquerdo do seu mech perdeu toda a armadura e está prestes a ser destruído. Você sai de uma missão abatido e nota que os gastos com reparo superam o pagamento obtido com a missão. Não tem para onde olhar ou pedir ajuda. Você é um terceirizado, não cabe ao seu empregador te dar nenhuma segurança além da promessa de pagamento. Ao menos esse lado é cumprido caso você não falhe ou abandone uma missão.
Em uma década onde as relações empregativas se deterioraram com assustadora velocidade, o contexto de ser um mercenário em MechWarrior 5 precisa ser visto sob toda uma nova luz. Uma missão de defesa de base ainda é a mesma, ataques a comboios continuam presentes. Nada disso em si mudou em relação a MechWarrior 4 (com exceção da ausência de missões de escolta). Mas a apatia e a distância que é criada pelos seus menus e as falas entre missões ou seus companheiros de equipe são de revirar o estômago.
Os créditos, volumosos no começo, agora viram moedas de barganha. Ter uma build para o seu mech já preparada para eventuais trocas de peças e a certeza de que cedo ou tarde você vai falhar causa ansiedade; o que só aumenta à medida que as missões ficam ainda mais difíceis e a possibilidade do inimigo receber reforços como mechs de porte médio e pesado começa a se tornar mais e mais real. As missões te abatem, te cansam. Você fica preso em um loop de completar os mesmos objetivos e as mesmas missões para tentar fechar o mês fora do vermelho.
Por mais que você tente e aprimore as suas habilidades, cedo ou tarde você vai tomar um tombo. É impossível de sair dessa situação; toda posição de “poder” que você almeja é inexistente tanto para você quanto para a sua companhia. Seu único objetivo é ser um mercenário e completar contratos. Para as casas nobres, você não existe – não faz parte da cadeia hierárquica e nunca fará.
A catarse da violência, logo, é o que solidifica a sua existência de lutar. Juiz, júri e executor tudo em uma missão só. Quem decide quais são os danos colaterais, quais prédios destruir, que unidades deixar ou não vivas no final de uma missão (ou eliminar todas para alguns créditos extras) é você. A mesma sensação de paz que é atingida ao ver seu PPC (Particle Projection Cannon) perfurar a armadura de um dos mais de 58 mechs (sem contar as variantes) – do pequeno UrbanMech ao tenebroso King Crab.
Não tem como fugir do confronto; ele faz parte da natureza de BattleTech. Ele atordoa, te deixa em um estado de transe, em uma guerra infinita não muito diferente das que vemos serem travadas nos últimos 20 anos por todo o planeta. Fronteiras são conceitos alienígenas para você; o que vale é o saldo na conta e o seu mech preferido pronto para a próxima missão. Diferente de X-COM ou até os jogos citados anteriormente, seus companheiros acabam por virar dano colateral também. De que importa se alguém morreu se o mech foi recuperado? Viaje até a estação mais próxima e contrate alguém novo.
Inconscientemente você cria a sua própria nação sem fronteiras, transforma todos a sua volta em peças dos seus mechs: fáceis de serem trocadas se houver dinheiro suficiente. Sequer me lembro dos nomes de todos os pilotos cujas vidas foram perdidas ao longo da campanha. Sei que foram muitos, mas só isso.
Seria fácil, e até conveniente, alegar que MechWarrior 5 perdeu o tato com a realidade ou que mercenários sempre fizeram parte da história. Todavia, a maneira como eles são apresentados mais se aproxima dos frágeis vínculos entre patrão-empregado da atualidade do que os mercenários da antiguidade até as empresas militares privadas. A realidade alcançou as premissas estabelecidas no então mundo tomado pelos momentos finais da Guerra Fria em 1984 pelo jogo de tabuleiro da FASA. Jogá-lo em si – como apontado – é catártico como MechWarrior 4, MechWarrior 3 e as dezenas de spin-offs. Também é deprimente, um jogo que relembra que nem nas estrelas nós somos capazes de restringir ou não estabelecer conceitos imperialistas e dominadores. No fim do dia, você é só mais um na fila para morrer.
É então que você entra mais uma vez no mech, mais uma missão, mais uma tentativa de sair do vermelho e ouve o mesmo anúncio: Reactor online, sensors online, weapons online. All Systems nominal. Uma relativa paz toma conta de você, e você sabe o que fazer: destruir e cumprir mais uma missão. A luta existe e permanece para não sucumbir à insignificância – mesmo que você já esteja preso nesse sistema.
MechWarrior 5: Mercenaries
Total - 9.5
9.5
O retorno de MechWarrior com MechWarrior 5: Mercenaries é fascinante. Catártico e deprimente, ele te deixa sonhar com milagres, destruir o que desejar e controlar mechs que jamais controlaria na vida real. Mas, inadvertidamente ou não, aponta as gigantescas mudanças socioeconômicas e culturais que ocorreram nos últimos 20 anos. A realidade do universo BattleTech nunca esteve tão próxima da nossa.