Poucos jogos são capazes de implementar histórias e mecânicas similares a um roguelite sem que um dos lados sofra demasiadamente. Hades e o primeiro Lovecraft Untold Stories são alguns dos exemplos que me vem à mente. Embora longe de perfeitos, ambos formam uma excelente base do que pode ser criado quando os desenvolvedores equilibram as mecânicas. Não preciso dizer que o anúncio de Lovecraft Untold Stories 2 (Steam) me deixou empolgado. Tudo o que precisou foi a primeira hora para ver que a sequência não era bem o que eu queria.
A desenvolvedora Blini Games fez uma aposta arriscada para a sequência: deixou de lado o estilo top down em favor de uma visão isométrica, mais personagens, mais história e um sistema de crafting robusto. Tais mudanças seriam muito bem-vindas se não fossem por um gigante problema: Lovecraft Untold Stories 2 simplesmente não comporta tudo isso na sua atual versão.
Eu notei que algo estava errado no minuto em que eu comecei a minha jornada como o detetive, um dos meus personagens favoritos do original. Sua movimentação era lenta e travada; sua espingarda não tinha o mesmo poder destruidor. O hospício onde você começa o jogo já estava repleto de monstros sedentos pelo seu sangue. “Uau, a desenvolvedora não hesitou em fazer a sequência mais difícil, estou impressionado!”, comentei como alguém que não se importa em sofrer e perder o progresso em roguelikes. Acontece que perder o progresso é a menor das dores de cabeça em Lovecraft Untold Stories 2.
O combate “frenético” do antecessor deu lugar para um estilo onde você deve atacar e recuar, atacar e recuar. Depois disso, você ataca mais um pouco e recua mais um pouco. O motivo para essa tática é o imenso aumento de monstros em praticamente todos os mapas do jogo e a facilidade que eles têm de te envenenarem, amaldiçoarem ou matarem.
Eu teria lidado bem com a situação se os controles de Lovecraft Untold Stories 2 fossem ao menos responsivos, o que eles estão bem longe de ser. Movimentar o personagem para frente ou recuá-lo tem velocidades diferentes, mirar é um suplício pois não há consistência ou informação se você de fato acertou o inimigo ou não. Mas, o que pode ser o maior problema de todos é a mudança estética e a decisão de usar uma visão isométrica.
A questão anda de mãos dadas com o novo sistema de “crafting” que o jogo promove. Na prática ele significa “abra todo baú que você encontrar pela frente e torça para que venha um item útil e não mais um item de crafting que vai ocupar espaço no seu inventário”. Os baús são bem definidos no mapa, mas na hora da ação, eles se misturam com o ambiente e é muito fácil de você acabar preso em uma parte do cenário e morrer.
“Ah, mas você ao menos retém alguma forma de meta progressão após morrer, certo?”. Bem, mais ou menos. A não ser que você tenha descoberto uma nova receita, todo o resto é perdido. Eu não me importaria nem um pouco com o sistema se, novamente, as mortes ao menos fossem justas. Cansei de contar as vezes que eu morri por causa de um barril, de uma tábua no lugar errado ou de ter pisado em um veneno que eu sequer vi tamanha a poluição visual de Lovecraft Untold Stories 2.
Veja bem, eu adoro roguelikes, adoro roguelikes que são punitivos e não me importo de perder horas e mais horas de progresso. Se Lovecraft Untold Stories 2 me disser “Então, este é o seu único personagem e caso morra você volta para a tela inicial depois de 20h de jogo” eu responderia com “ótimo, vamos em frente!”. Mas não é o caso do título da Blini Games, ele tem uma história para contar, certo?
Isso que mais me entristece, pois o que eu vi da história, ela é tão competente quanto o primeiro. Eventos aleatórios enriquecem a narrativa, cada personagem é bem desenvolvido e tem a sua “jornada pessoal”. Acabei completando o jogo apenas com o detetive – isso depois de sofrer muito para conseguir um único item ligeiramente melhor que a minha espingarda inicial e sentir que eu estava batendo a cabeça contra um muro gigante repetindo as mesmas fases iniciais – e não tenho a menor motivação para continuar as histórias pessoais dos outros 5 personagens.
Dando o devido crédito, a própria Blini Games assumiu que algumas das decisões de design tomadas em Lovecraft Untold Stories 2 não surtiram o efeito que eles desejaram. Um dos exemplos dados foi o sistema de crafting, o qual a equipe esperava que a comunidade ficasse mais empolgada e interessada. Por outro lado, me pergunto o quão extensiva foi a testagem desses sistemas no pré-lançamento — agora falando de um ponto de vista de alguém que já trabalhou em QA — e quantos “defeitos” foram ignorados para serem resolvidos posteriormente.
E mesmo depois de uma grande atualização — usada como base para fazer essa crítica — Lovecraft Untold Stories 2 ainda é uma continuação bizarra. Certos aspectos como um aumento de velocidade na movimentação de todos os personagens e a diminuição da quantidade de loot “inútil” por área foram aplicados, mas ainda é um esforço muito pequeno para consertar um problema gigante.
Pode ser que daqui a alguns meses, Lovecraft Untold Stories 2 seja uma excelente continuação com um sistema de combate competente e a maioria das minhas decepções mencionadas nesta matéria corrigidas. Eu torço por isso, assim como faço com todo o jogo que eu tenho que dar uma nota baixa ou ele acaba saindo abaixo das minhas expectativas. Vide o caso de Weird West, que saiu de um jogo decepcionante para um que eu mal posso esperar para ver a hora de voltar a jogar.
Por ora, as histórias não contadas são as dos outros personagens, as histórias engraçadas que podiam surgir depois de uma batalha intensa ou de um deslize meu ao tentar completar um objetivo. A própria história do jogo que para muitos vai permanecer um mistério por terem desistido nas primeiras áreas. Nem eu tenho coragem de dizer aqui “vai em frente, segura mais um pouco que melhora”.
Infelizmente não melhora.
Lovecraft Untold Stories 2
Total - 5
5
Lovecraft Untold Stories 2 vem com apostas arriscadas e transformações drásticas. Muitas delas, infelizmente, para pior. A movimentação travada, poluição visual e uma curva de dificuldade bizarra me impedem de recomendá-lo até para os fãs mais ferventes da franquia. Espere por atualizações, mas não fique tão esperançoso que ele – mesmo depois de tudo – seja tão bom quanto o original.