Eu não tenho estado por dentro das últimas tendências, para não falar “dramas”, de redes sociais. Essa vem sendo uma escolha consciente minha. Nos últimos dias minha resposta tem sido “Não, eu não vi, eu estava cortando grama”, frase normalmente seguida de um “Oi?” de quem perguntou. Ué, eu estou jogando Lawn Mowing Simulator (Steam / Xbox)! O que há de errado em cortar uma graminha?
Quem é leitor assíduo do site já sabe que eu tenho uma tendência a preferir jogos peculiares como Farming Simulator, Euro Truck Simulator e afins. Todavia, enquanto a proposta dos títulos da GIANTS Software e da SCS Software possam parecer similares com o da novata Skyhook Games, o motivo pelo qual eu o aprecio é muito diferente.
Já falei muitas vezes sobre o assunto, mas gosto não só de reiterar como também tentar do meu jeito desmistificar o tema: eu sofro de depressão crônica e ansiedade. 2020 e 2021 não foram nem um pouco bons para a minha saúde mental. Pandemia, quarentena, tomar cuidado. Eu só tomei a primeira dose da vacina para COVID-19 no começo de agosto e ainda estou muito longe de me sentir seguro em sair de casa.
O que nem sempre é compreendido por muitos é que depressão tem fases diferentes, que o seu corpo reage de uma maneira “A” para uma situação e “B” para outra. Em julho eu comentei no meu texto de Boomerang X como o sistema frenético dele me ajudou a combater uma crise. A crise pela qual eu passei quando comecei a jogar Lawn Mowing Simulator era diferente. Era a crise do fato de que eu havia tomado a minha primeira dose da vacina mas ainda estava muito, mas muito longe de me sentir seguro, de ver as pessoas que eu amo, de voltar a ter uma vida “normal”.
Quando esse tipo de situação ocorre é bem comum eu me voltar para jogos que criam algum ambiente “familiar”, o que muitos veem como aqueles jogos “confortáveis” – que sempre estiveram presentes no universo dos games mas cresceram exponencialmente nos últimos anos. Acontece que eu nunca consegui me conectar muito com esse estilo. Tentei Stardew Valley, Animal Crossing, Here Comes Niko e tantos outros. Faltava um elemento de “realidade” para mim, algo tangível, algo que fosse um tanto distante da minha realidade mas que de alguma forma falasse comigo.
Lawn Mowing Simulator criou essa conexão por ser um jogo simples. Ainda que o nome diga “Simulator”, que já está mais do que batido, ele é bem direto na relação jogador – design. Antes de mais nada, ele ainda é um fruto do capitalismo cujo objetivo é abrir uma empresa, contratar funcionários e realizar trabalhos de cortar grama. Eu não hesito em dizer que em parte ele glamouriza um trabalho braçal. Os preços que você recebe por trabalho não dariam para garantir o alimento do mês nem na maior das utopias e no fim do dia você está cortando grama da casa de pessoas que têm quintal e dinheiro para mantê-los.
O loop dele em si ainda é mais simples, não há muitas opções de personalização. Crie seu personagem, sua empresa, tenha seu primeiro cortador de grama e comece a fazer os trabalhos braçais – faça sol ou faça chuva. Quanto mais você avança, mais contratos “complexos” e mais cortadores de grama ficam disponíveis para você. Grande parte do tempo dos contratos é gasta coletando lixo que foi deixado no gramado, ligando o seu cortador de grama, ajustando a altura da lâmina e descobrindo qual o melhor trajeto a ser feito para deixar o ambiente bonito e, com sorte, sem atropelar plantas / flores ou danificar o solo.
Por mais que eu tenha me aventurado em toda essa empreitada de “contratar funcionário” e “gerar lucro” e “viver de cortar grama”, a maioria das tarefas eram feitas por mim. Não por uma demonstração de revolta ou para ir contra a proposta da Skyhook Games; eu sabia muito bem onde eu estava me enfiando quando comecei a jogar Lawn Mowing Simulator. É pelo simples fato de que eu estava, e estou deprimido — depressão não é um estado que desaparece do nada mas sim há flutuações — e fazer tarefas de limpeza me traz tranquilidade.
Até hoje muitas pessoas ficam embasbacadas quando ouvem que eu gosto de lavar louça. Não entendo, é terapêutico para mim! Eu coloco meus fones de ouvido, me desligo do mundo e trabalho os meus problemas na minha cabeça. Vocês não têm ideia de quantos textos saíram enquanto eu lavava louça, arrumava o quarto, passava um pano no chão.
Mas dessa vez não foi a procura por uma pontuação especial ou por desenvolver algum parágrafo mais a fundo que me fez continuar a jogar Lawn Mowing Simulator. Era o meu método pessoal de desapegar do dia, de desligar dos problemas que estavam me corroendo por dentro, botar um Nujabes ou algum outro artista que eu tanto amo, e só cortar grama.
A minha conexão com ele acabou por se tornar ainda mais íntima, relembrando certos períodos da infância onde eu morei em uma casa com quintal (mas não tínhamos ninguém para cortá-lo). Essas memórias, embora cheias de dor por questões que não vêm ao caso nessa matéria, foram filtradas de uma forma que me ajudasse até mesmo a reavaliá-las frente ao meu crescimento pessoal e amadurecimento ao longo dos anos.
Jogar Lawn Mowing Simulator acabou virando um mini ritual. Uma cortina que eu usava para separar as dores de cabeça que eu tive no dia, falar para mim mesmo “isso não vai se resolver hoje, muito menos agora à noite”. Depois de completar dois ou três contratos, ia para cama, botava um podcast ou audiobook para dormir.
Ainda que o meu lado “emocional” tenha dominado este texto, eu não posso deixar o meu lado mais “crítico” de lado, e ele grita pelo “potencial” desperdiçado pela Skyhook Games. Uma dose extra de personalização dos veículos e dos personagens seria uma adição maravilhosa, assim como uma maior quantidade de mapas – já que não tarda para você começar a ver os mesmos mapas do começo da campanha sendo repetidos com pequenos modificadores. Olhando puramente com um olhar “mercadológico”, o preço ofertado por ele não é muito atrativo para os brasileiros. Mas, como também já apontei tantas vezes, se eu me prender unicamente a este indicador, eu não vou recomendar nenhum jogo para o brasileiro em 2021.
O quão “autêntico” ele é em relação a cortar grama de verdade? Eu não tenho a menor ideia, e acho que já deu para notar que este é um dos casos em que eu não ligo para a falta de complexidade. Pode ser que a Skyhook Games venha a incluir modos mais difíceis no futuro. A empresa já se pronunciou sobre expandir o jogo assim que a atualização 1.1 foi lançada (que inclui uma série de correção de bugs e suporte a monitores ultrawide, aleluia).
O que eu encontrei em Lawn Mowing Simulator foi mais uma ferramenta para driblar os desafios da vida. Ele jamais vai ser um substituto para a terapia que eu faço toda semana, muito menos os meus esforços pessoais para ser uma pessoa melhor frente a todos os desafios que se empilham na minha frente como uma imensa torre de Jenga – prestes a cair caso eu puxe o retângulo errado.
Pode ser que daqui a dois meses você me pergunte sobre Lawn Mowing Simulator e eu responda com: “Ah? Ele? Eu dei uma pausa na minha campanha, agora estou fazendo outra coisa”. Quiçá eu só retorne a ele ano que vem, ou continue a jogar ad infinitum. O que importa para mim, como pessoa, é que ele foi o jogo certo na hora certa, e isso não tem preço.
Você já imaginou alguém ficar emocionado por causa de um jogo de cortar grama e como ele conseguiu te dar as forças para adentrar as suas memórias mais dolorosas? Pois é, nem eu, mas cá estamos, e não posso ficar mais grato pelo o que Lawn Mowing Simulator proporcionou para mim. Dê uma chance a ele, quem sabe você também encontre a sua paz interna, ou até descubra um subgênero que nunca imaginou que seria capaz de gostar.
Lawn Mowing Simulator
Total - 9
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Como um “simulador”, Lawn Mowing Simulator tem só o nome. Sua jogabilidade é simples, é um jogo que glamouriza o trabalho braçal e ainda é uma fantasia de “criar uma empresa e ficar rico”. Para alguém que vive em um Brasil de 2021, que não se conecta com jogos que promovem “senso de pertencimento dentro de uma comunidade” e sente que sua depressão piora a cada dia que passa, é uma ferramenta incrível para relaxar — que foi capaz de me fazer perder o medo até de relembrar memórias dolorosas. Isso nunca vai ter preço.