Com um ano de 2022 em que, cada vez mais, fica impossível de viver com o mínimo de tranquilidade, tenho me voltado para jogos que ou deixei passar no passado ou não fizeram parte da minha vida. Entre os jogos incluo a franquia Castlevania, que pintou com Symphony of the Night e não deu mais as caras. Agora que escrevo o texto de Infernax (Steam / Xbox / PlayStation / Switch) da Berzerk Studio, vejo o quão bom foi ter tomado essa decisão, e o quão boa é a decisão da desenvolvedora de seguir o caminho da Konami nos anos 80/90 a partir de um ângulo modernizado.
Ainda que eu pudesse categorizar “Infernax” como um “Metroidvania” — o que seria até irônico, dado as claras inspirações de Castlevania — ele está mais próximo de um jogo de “mundo aberto” da era 8-bit. Isso tem lá os seus prós e — principalmente — contras que a BerzerkStudio tenta, na medida do possível, equilibrar.
As minhas primeiras horas com o jogo foram de total estranheza. Eu cresci jogando em PCs, não consoles (e por consequência, privilégio quando se trata de Brasil). Minha vida girava em torno de jogos como Ultima e Might & Magic, cujos mundos vibrantes e vastos atiçaram a minha imaginação. Em contraste, o mundo aberto de “Infernax” é quase como um “retrocesso”. O mapa é “vazio” e não passa de uma justificativa de ir para ponto “A” ao ponto “B”, e as quests principais se passam em masmorras com sua própria estrutura e temática.
“Ah não, sério que eu vou ter que andar tudo isso para salvar o jogo?” e “Eu não quero avançar para essa área, ela parece tão grande e… vazia”. É claro que eu tinha que andar, é claro que as áreas são “vazias”, essa era a realidade dos consoles da época. Basta uma jogada de Castlevania II ou Zelda II: The Adventure of Link para entender uma das fontes de inspiração da Berzerk Studio. É um design que eu aprecio hoje em dia? Não muito, mas como apontei, a desenvolvedora faz de tudo para que isso seja o menos maçante possível. E essa foi a maior deslizada que eu mesmo dei durante a minha jornada por Infernax: Eu o tratava como um jogo onde só existiam masmorras e monstros, quando ele é muito mais do que isso.
Ainda que ele não venha com nada de “novo” em questão de armamentos ou meios de locomoção pelo mapa (que aliás, são bem restritos, com um sistema de “fast travel” demora a ser liberado), a Berzerk Studio enche, mas enche muito de quests secundárias. A maioria delas se resume a: “vá até um local e derrote tais inimigos” ou “tente descobrir a causa de alguma maldição que só ocorre à noite”, mas já é mais do que o suficiente. Foi então assim que a minha interação com o mundo de Infernax – até então vazio e sem sal – começou a mudar.
Onde antes eu ficava resmungando para mim mesmo que eu tinha de ir até um local, agora aproveitava para falar com todos os habitantes de um vilarejo para ver se existiam quests secundárias a serem feitas. Saía de lá saltitando e falando “Opa, vou poder aproveitar mais do mundo aberto de Infernax!”. Apreciava a riqueza de detalhes de cada cenário, e em como a Berzerk Studio colocava uma perspectiva “moderna” neles.
Pode parecer besta, ainda mais para quem cresceu com Ultima e Might & Magic – ambos também com suas particularidades e “falta de direção” no que tange a exploração – mas o ponto-chave aqui é que a Berzerk Studio entrega tanto as quests quanto a exploração em uma cadência incrivelmente gostosa.
Com tantas desenvolvedoras adorando “rechear” seus jogos de eventos ou “coisas a serem feitas” para inchar a duração, eu nunca senti que Infernax gastou o meu tempo à toa. Sempre havia uma nova região, uma nova quest secundária ou primária a ser solucionada. Era completar um conjunto de quests, entrar em uma masmorra, derrotar o chefão, voltar para o mundo aberto e pegar mais quests.
Abro um “parênteses” aqui para falar sobre o espetacular design das masmorras. Outra vez a Berzerk Studio segue uma linha de “simplificar” a estrutura enquanto a recheia com seu toque mágico. Não espere quebra-cabeças ou algo de outro mundo. Chaves, plataformas, poços de lava? Sem dúvida. O bom é que muito do “DNA” que é visto no mundo aberto é compartilhado pelas masmorras, o que fez com que a transição da minha habilidade de derrotar inimigos no mapa, e navegá-lo, fosse um tanto natural. Exceto aquelas plataformas antes da segunda masmorra, malditas sejam!
O que colabora com isso é a incrível jogabilidade que a Berzerk Studio conseguiu atingir ao longo dos anos (o Kickstarter original é de 2017) de que só posso imaginar ser o mais puro refinamento. Eu tendo a reforçar que eu sou a última pessoa a ser fã de jogos de plataforma – tanto que Demon Turf é um peixe fora d’água no meu repertório. Esse também é um dos motivos pelo qual eu hesitei tanto em jogar Castlevania no geral; eu não sei calcular a distância de um pulo. Eu sei, é patético, mas é a realidade. Quantas vezes eu morri em Infernax? Ah, meu caro leitor, centenas.
Para quem está no mesmo barco que eu, vale apontar que o jogo oferece duas opções: clássico – onde você morre, perde ouro e pontos de experiência usados para aumentar os seus atributos, e retorna para o último save – e um “casual,” com vidas e a opção de manter os seus pontos de experiência e ouro. Eu, por mais pura teimosia, mantive no clássico até os momentos finais da jornada. Você não perde nada se escolher não passar desgosto (no meu caso, com a minha própria inabilidade) como eu passei ao escolher o modo casual. Infernax é brutal e não esconde isso.
Mas para cada ponto gasto em “brutalidade”, ele investe em controles responsivos. Foram poucas as situações onde eu senti que o jogo tinha me passado uma rasteira. Alguns chefões são casca dura mesmo, mas não me davam mais dor de cabeça depois que eu decorava os padrões de ataque deles. Não posso falar o mesmo de Castlevania, no qual eu ainda bato cabeça para derrotar o Drácula.
O que veio como uma mão na roda também foi o sistema de “atributos” do jogo. Mais uma vez a Berzerk tenta manter as coisas “práticas” sem perder a essência. Você tem “Força”, “Vida”, e “Mana”. Obtenha pontos de experiência que citei antes e você subir o nível deles. O dinheiro é gasto com novos equipamentos e magias. Eu talvez possa ter me empolgado um pouco demais e passei alguns minutos “farmando” experiência para não morrer pela milésima vez em um chefão, mas atire a primeira pedra quem nunca fez isto.
Para comparação, Odallus da Joymasher (e, por consequência o também ótimo Blazing Chrome) foram muitos mais impenetráveis para mim por conta de estarem tão alinhados com os jogos foram inspiração. Isto não os faz melhores ou piores, só mostra que propostas ou aproximações diferentes dentro de um mesmo gênero – por mais próximo que esteja a inspiração – podem variar radicalmente.
Mas o que realmente selou “Infernax” como um excelente jogo pra mim foi, por incrível que pareça, a vasta quantidade de escolhas e finais que estão presentes nele. Para um jogo que eu imaginava ser “Vou matar um chefão em uma masmorra aleatória”, ele dá um grau absurdo de agência para mim. Por mais que sejam binárias, as suas repercussões podem ser sentidas pelo restante da história. Foram tantas as situações que, depois do meu tempo com o jogo, eu senti que o que eu decidi em Infernax foi mais impactante que um Mass Effect da vida. As escolhas influenciam de linhas de diálogo, como você vai para diferentes áreas, obtém ou não itens, ou até sofre emboscadas.
Quando tantos elementos variados, e com essa qualidade excepcional culminam, não dá outra: foi acordar e dormir pensando em Infernax. Podia variar do simples “Hmm… eu não entendi para que aquele bloco funciona” até o “Ok, como eu faço o outro final?”. Chega a dar um alívio pegar um jogo assim e ver que, no fundo, você ainda ama a mídia, como você ainda é capaz de encontrar um tiquinho de “paz e tranquilidade” nela, mesmo que essa paz e tranquilidade seja estourar a cabeça de monstros e ver o sangue jorrar (e bota sangue nisso! Infernax não poupa no gore).
Como a nossa vida dá voltas, não é mesmo? Eu sequer imaginava um dia estar escrevendo sobre um jogo como Infernax, caindo de amores por ele e – de pouco em pouco – perdendo o meu medo pessoal de tentar me aprofundar mais nos jogos de plataforma. Eu posso não ter o conhecimento e nem a experiência necessária para me aprofundar nesse universo ainda, mas Infernax certamente fez essa vontade nascer em mim. Imagino que, para quem cresceu ou vivenciou essa era, ele vai ser, mais que um prato cheio, uma refeição para semanas.
Infernax
Total - 10
10
Infernax é um excelentíssimo jogo 2D de “mundo aberto” que, por diversas vias, evoca uma época que já passou e a moderniza. Eu, que era um tremendo cético de jogos do estilo — dado a minha falta de habilidade e não ter “vivido” esse período — me apaixonei. Obrigatório para quem gosta de Castlevania, exploração 8-bit ou aquela boa dose de dificuldade.