Em 2021 eu apontei que a Milestone tinha feito um trabalho fantástico com o lançamento de “Hot Wheels Unleashed”. A desenvolvedora italiana, mais conhecida pelos seus títulos de motociclismo, pegou a oportunidade de usar um quadro em branco para criar um bom jogo de arcade. Entretanto, ainda havia uma série de problemas, especialmente relacionados à monetização e alguns desafios desnecessários, e isso não desceu bem comigo. A boa notícia é que “Hot Wheels Unleashed 2: Turbocharged” (PC / PlayStation / Xbox / Nintendo Switch) resolve a maioria deles.
É raro eu encontrar sequências que fazem quase tudo melhor que o seu antecessor, mas no momento em que eu comecei a jogar “Hot Wheels Unleashed 2” eu notei que a Milestone tinha aprendido bastante com o quadro em branco que lhe haviam dado em 2021. Os veículos agora são separados por categorias e especializações. Alguns são melhores em retas, outros são melhores para drift, já alguns são perfeitos para derrubar oponentes da pista.
“Derrubar oponentes da pista?” Pois é, caro leitor, “Hot Wheels Unleashed 2” é muito mais competitivo do que o seu antecessor, com um sistema de dash mais aprofundado – onde você não só pode pular como lançar o carro para as laterais. Surpreendentemente a IA, muito mais refinada, consegue acompanhar o ritmo do jogador — ao menos o meu — a ponto de oferecer desafio suficiente, sem o “rubberbanding” absurdo que ocorria em seu antecessor. A era de “errou uma curva e agora você está em último lugar” acabou para a série.
A sequência de mudanças não para por aí, com um novo mapa e agora um modo “campanha” com uma “história”. Confesso que chamar de “história” é um pouco de exagero; o máximo que “Hot Wheels Unleashed 2” possui são cinemáticas entre personagens que curiosamente são fãs dos carrinhos da Mattel, mas que é incentivo suficiente para gerar algum tipo de estrutura para quem precisa.
Eu sinceramente aprecio a adição da história, pois ela resolve uma das minhas maiores críticas em relação ao primeiro game: os chefões. Antes era preciso correr contra um “carro-chefão” que ou era muito mais rápido do que você ou usava atalhos absurdos na pista. Chamar as corridas de desmotivadoras é pouco. Foram incontáveis vezes que eu simplesmente fechei a versão de PC na base do “Alt+F4”.
Agora os chefões funcionam como mini-games, onde você tem que atingir alvos com o seu carrinho e não deixar com que a barra de vida do chefão fique cheia. Uma solução fantástica que dá ênfase a “aprender o layout da pista” ao invés de ter que lutar contra um carro impossível. As batalhas ainda mantêm um grau de desafio, e vencê-las é muito mais satisfatório.
Mas de todas as fantásticas adições, uma das coisas que mais me impressionou foi como a Milestone conseguiu o feito de fazer com que o jogador explore os diversos tipos de veículos e não fique “apegado demais” a um.
Ao contrário do seu antecessor, “Hot Wheels Unleashed 2” é sobre personalizar o carro da forma que você quiser. Cada carro, independente da classe, pode ser melhorado para subir de “nível” para “Powered” e “Unleashed”. Ambos os níveis liberam novos slots para habilidades passivas. Algumas dessas melhorias podem ser usadas para compensar alguma “deficiência” do veículo, como um nível baixo de mobilidade ou aceleração mediana.
Em um ano onde tantos jogos de corrida deixaram a desejar – como o mais recente Forza Motorsport – em termos de “evolução” de carros, é incrível como a Milestone atinge um equilíbrio entre ter o “carro dos sonhos” e completar a sua coleção. A solução para o problema é relativamente “simples” de um ponto de vista de design: estabeleça limites para certas corridas e faça com que o jogador saia da sua zona de conforto com diferentes tipos de terreno.
A primeira parte é feita pela maior variedade de cenários e desafios do mapa. Se você jogou o antecessor, vai se lembrar de como o jogo prometia “flexibilidade” em como escolher corridas, mas acabava te afunilando para uma ou duas corridas. “Hot Wheels Unleashed” é muito mais “aberto” nesse quesito. Não é necessário completar todas as corridas para avançar no mapa, mas ao menos uma delas terá um requerimento especial, como usar um tipo específico de veículo ou usar veículos que não foram melhorados.
Dou um destaque especial para os diferentes tipos de terrenos, que vão de grama até carpete, e a maneira como eles impactam o desempenho do seu veículo. Nunca na minha vida pensei “Bom, pelo visto a minha Ducati do Hot Wheels não funciona muito bem para essa pista, é melhor trocar para um ATV”. É mais uma vez a Milestone carregando todas as melhorias que ela tende a fazer em seus outros jogos e aplicando de forma precisa em “Hot Wheels Unleashed 2”.
Na realidade, não me lembro de nenhum jogo que se diz “arcade” ter tanta preocupação em como espaçar e usar diferentes tipos de terrenos. O mais próximo foi “Lego 2K Drive”, e o mesmo não conseguiu chegar sequer aos pés do que “Hot Wheels Unleashed 2” faz. Lembro-me muito bem de jogá-lo e de ser punido furiosamente assim que eu saía alguns centímetros da pista; isso não colaborava muito bem como motivador para usar diferentes tipos de veículos.
Mas, se a Milestone acerta no uso de diferentes tipos de terrenos, ela dá algumas deslizadas no que diz respeito às novas pistas e certas “manias” que vieram do seu antecessor e não foram propriamente corrigidas. Nenhuma pista do seu antecessor foi reaproveitada, o que significa um set completamente novo, e uma curva de aprendizado mais sutil. A questão em si não é o layout delas, mas a como algumas delas são “difíceis” de enxergar devido ao sistema de iluminação aplicado em “Hot Wheels Unleashed 2”.
Imagine a seguinte situação: você está prestes a fazer uma curva, mas, por conta da luz que está rebatendo da pista, você perde o ponto de frenagem e acaba caindo dela. Isso aconteceu comigo dezenas de vezes e não só porque perdi o ponto de frenagem, mas por sequer conseguir enxergar que a pista não tinha barreiras.
Outra questão que eu queria muito que a Milestone tivesse ao menos corrigido em partes é a facilidade do carro “deslizar” ou entrar em modo drift na pista. Eu não me importo muito se um jogo de corrida arcade é do tipo “pise no acelerador e esqueça o resto” – aliás, isso é o que eu espero de “Hot Wheels Unleashed 2”.
Todavia, é muito fácil frear e entrar em um “drift” durante uma curva normal, tanto que somente os carros mais pesados, como “Monster Trucks”, não sofrem com isso. Houve momentos em que eu só queria fazer uma curva mais fechada, e quando menos percebi, lá estava o carro fazendo drift e acertando a parede. Pode ser que eu só seja um péssimo piloto, mas não creio que seja o caso.
Eu imagino que a abundância da mecânica é justamente para fazer os carros focados em drift mais viáveis no modo campanha, mas as próprias pistas em si já mais do que possuem boosts suficientes para não precisar usar drift para fazer as curvas. Considerando que o seu antecessor também fazia um uso desnecessário da mecânica, mas ao menos justificava com as suas pistas estreitas e cheias de curvas em “U”, é uma daquelas rebarbas que acabam ficando quando uma empresa trabalha em uma sequência. Nada que algumas atualizações não corrijam ou pelo menos ajustem, talvez alterando o manuseio de certos veículos para não depender tanto de drift.
Ao menos a obtenção de carros agora está muito mais fácil. Sistema de lootboxes? Esquece, joga no lixo. Todos os carros podem ser comprados emuma loja dentro do jogo com o dinheiro obtido, seja na campanha, nos modos single player ou multiplayer — a exceção são os carros inclusos nos passes de temporada, que são dados imediatamente para o jogador. Ou seja, diga adeus para o “grind” desnecessário, pois “Hot Wheels Unleashed 2” é mais do que generoso em dar moedas para o jogador. Em seis horas de jogo eu já tinha uma monumental lista de carros, e nem sei o que fazer com todos eles.
algo que trouxe uma “sobrevida” mais do que eu imaginava para o primeiro “Hot Wheels Unleashed”, foi ele. A sequência não deixa nada a desejar neste quesito. Novas peças, novas formas de editar as pistas, e mecânicas mais intuitivas. Outra vez, não chega perto de outros editores mais robustos como os de “Trackmania”, mas é competente no que faz e mal posso esperar para ver o que a comunidade irá criar no futuro.
Como eu falei no começo do texto, é raro ver uma sequência que acerta tão bem em “corrigir” os maiores erros do seu antecessor. E, dado a carência de jogos de corrida arcade no mercado, “Hot Wheels Unleashed 2: Turbocharged” preenche muito bem essa lacuna. Você não precisa ser fã da Mattel ou sequer ter um vínculo nostálgico com os brinquedos para apreciar o trabalho da Milestone. É um jogo de corrida, acima de tudo, para diferentes tipos de jogadores e principalmente aqueles que querem algo para esvaziar a cabeça depois de um dia cheio. Certamente vai permanecer na minha biblioteca por um bom tempo.
Hot Wheels Unleashed 2
Total - 9
9
“Hot Wheels Unleashed 2: Turbocharged” é o tipo de sequência que me aquece o coração. Ele não só corrige uma boa parcela dos problemas do antecessor, como evolui em áreas que precisava para oferecer uma jogabilidade e progressão mais variada. A presença demasiada de drift e alguns problemas de iluminação nas pistas tiram um pouco do seu brilho, mas ele permanece de longe o melhor jogo de corrida arcade de 2023.