Em que ponto nós decidimos que era mais importante a seleção de carros do que pistas em um jogo de corrida arcade, e por que eu me prendo tanto ao planejamento? A reflexão martelou por dias na minha cabeça depois de umas boas horas de Horizon Chase Turbo (PC, PlayStation 4), que para bem ou para mal, carrega consigo todos os trejeitos de um sucessor espiritual de Top Gear.
Estranho escrever “Top Gear”, pois no geral nunca tive muito apreço pela série — em parte por não ter um console que o possuía — parte por tanto nos anos 90 como atualmente dar preferência a jogos onde o foco era “recriar” uma corrida de verdade. Troquei na juventude os deleites de Need for Speed por Grand Prix 2 / 3 / 4 e, posteriormente, me encontrei mais apaixonado em gastar horas em rFactor / iRacing do que aproveitar algo rápido como DiRT. Sentar e fazer uma corrida, por mais curta que seja, sem algum preparo ou planejamento — no ímpeto — é algo que eu ainda estou aprendendo. Felizmente, Horizon Chase Turbo tornou esse processo de aprendizado e autoconhecimento algo muito mais tangível.
“Vou só fazer uma corrida e ver como os carros controlam na pista”, disse despretensiosamente ao clicar em “Volta ao Mundo” — o principal modo para até quatro jogadores. Saí de lá três horas depois de me exaurir tentando obter o melhor tempo entre os meus amigos e amigas na pista dos Emirados Árabes. “Amanhã eu tento”, fechei o jogo.
O abri cinco minutos depois.
Horizon Chase Turbo tem o mesmo poder que títulos como Nex Machina e Devil Daggers, a maldita tabela de liderança muito bem integrada ao modo principal e uma simplicidade nos controles que esconde uma aptidão a coroar quem é preciso. A tela mostra o troféu de primeiro lugar, abro um sorriso, vejo que estou em segundo lugar na tabela de liderança, franzo a testa e me ajeito na cadeira para tentar mais uma vez. “Quem sabe esse carro ajude? Ou devia eu avançar no modo e conseguir um novo aprimoramento para ele?”, dúvidas sempre presentes quando se trata de “derrotar” o tempo.
Acelerar e frear eram conceitos que precisavam ser dominados para se ter alguma chance de cortar alguns segundos do cronômetro, percebi que existe uma complexidade maior do que eu imaginava; comecei a ajustar o ritmo em que apertava os botões, não fazia curvas tão abertas para não perder velocidade. Me peguei mais surpreso do que outra coisa, e curioso para ver mais.
Mas também não vou mentir e dizer que não foi a tabela de liderança a principal motivação para conhecer o restante dos países que a “Volta ao Mundo” de Horizon Chase Turbo oferece; mais cedo ou mais tarde ele cai no mesmo problema que tantos outros jogos “arcade” caem, a falsa sensação de desafio. Ele esconde muito bem essa máscara como se a vida dele dependesse disso. Se você não prestar atenção — ou se fazer de desentendido — você não vai percebê-la. Agora, basto perceber como a IA age nas corridas e, especialmente quando, ela age, que a magia desaparece.
Antes que você aponte que “isso acontece em todo jogo de corrida”, o que concordo com você, digo que Horizon Chase Turbo faz um excelente trabalho de segurar as pontas e criar essa magia de que você está de fato em um desafio de forma mais crível que seus “concorrentes”. A não ser que você já tenha decorado a pista — impossível se levar em conta que você nunca jogou nela — é pouco provável que você chegue em primeiro lugar de cara. Você luta pelo primeiro lugar, você sua para garantir que aquela curva saia perfeita, que você saiba onde, quando e como, usar o nitro.
Acontece que a “Volta ao Mundo” de Horizon Chase Turbo aparentemente foi feita para ser jogada gradativamente, para depois o jogador voltar nas pistas já completadas para conquistar o troféu de primeiro lugar. O mapa inicial, a Califórnia, já se provou um imenso desafio para conquistar a “pole-position”, e assim foi com o Chile, Brasil, África do Sul e as dezenas de locais. Entretanto, quando eu cheguei na metade da campanha e agora com os carros aprimorados (nitro mais potente, maior controle, etc), eu voltei para a pista de São Francisco só para ver que o desafio havia ido embora. Aquela primeira posição que me fez recomeçar oito vezes? Conquistada de primeira e com dezenas de erros cometidos — erros que são punitivos demais.
Aqui que eu e a carapuça de sucessor espiritual de Top Gear usada por Horizon Chase Turbo discordamos. Saiu fora da pista um tiquinho? Bateu em uma placa, uma pedra, ou um tronco que não havia como desviar a tempo? Boa sorte conquistando duas, três, ou as sete posições que você perdeu. O design de fato traz momentos de êxtase, como a vez onde eu passei raspando entre o carro e uma placa, mas são tão raros que nem merecem uma menção própria.
Se, neste aspecto, os louros vão para os games mais modernos (Forza Horizon, DiRT), suas marcas, centenas de opções de ajustes na IA misturados com a menor quantidade de punição de erros, ainda fiquei particularmente apaixonado por Horizon Chase Turbo. Pouco me interessam as fabricantes se eu não tenho local para dirigi-las. Quando chegava no meu limite de paciência com modo “Volta ao mundo”, alternava para os torneios — separados em Amador, Profissional e Expert — ou o modo de resistência. Ambos provêm novas configurações para a IA e uma majestosa variedade de pistas.
Ainda está para surgir um jogo que possa chegar aos pés de Horizon Chase Turbo quando se trata de quantidade de pistas com layouts agradabilíssimos. Há um pouco de tudo, das pistas cheias de curvas no deserto do Atacama as cidades costeiras da Grécia e suas ruas estreitas. Todas apoiadas na incrível trilha sonora e estética com um toque atemporal que consegue passar toda a emoção de estar em uma “terra desconhecida” ao viajar pelos países e a intensidade e velocidade dos veículos.
Foi comendo de pouco em pouco, saboreando cada pista (e me irritando para pegar o troféu de primeiro lugar) que meu tempo com Horizon Chase Turbo foi duplicado, triplicado, quadruplicado. Se o contador de tempo do Steam não apontasse o tempo de jogo total, com certeza te diria que eu “perdi noção do tempo” enquanto batalhava contra o relógio.
É por conta disso que te pergunto: em que ponto nós, ou as empresas, decidiram que era mais importante uma meia dúzia de fabricantes ao invés de termos maravilhosas pistas? Em um mundo perfeito onde jogos pudessem contar com ambos sem custar os olhos da cara, teríamos um equilíbrio de seleção, mas enquanto ele não chega, acho que me dou melhor – para games arcade – com centenas de pistas. Posso viver sem minhas Ferraris, meus Lamborghinis, meus Dodge Vipers se isso significar ter mais e mais pistas para aproveitar. Afinal, quando o assunto é jogos de arcade, pouco importa o veículo se não temos onde usá-lo, não é?
Mas, talvez o meu maior aprendizado com Horizon Chase Turbo foi perceber que eu tinha deixado passar despercebido uma série de jogos – sejam eles influenciados ou não por Top Gear – por se apoiar demais em planejamento. Se não fosse por ele eu não teria me dado a oportunidade de só “fazer uma corridinha” quando sentei para jogá-lo pela primeira, ou interromper algo dias depois para pegar “aquele troféu”. Quando se vive uma vida demasiadamente regrada e tão envolta de simuladores e jogos de estratégia, um pouquinho de improviso cai bem.
Horizon Chase Turbo é “retrô”? Sem sombra de dúvidas. Ao mesmo tempo que ele se apresenta como um, ele não se limita a isso — uma armadilha que tantos jogos caem. É Top Gear para quem jogou e não jogou Top Gear. Vai além de nostalgia enlatada; é, em sua alma, um competente jogo de corrida seja para aqueles que gostam de tabela de lideranças, desbloquear coisas ou só apreciar uma excelente seleção de pistas.
Horizon Chase Turbo
Total - 8
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Retrô sem se prender às amarras da nostalgia, Horizon Chase Turbo tem de tudo um pouco, uma sensacional seleção de pistas, uma IA moderadamente competente e aquela sensação de “só mais uma corrida” que te impulsiona para a linha de chegada. Só tome cuidado com as placas e as pedras, pois eles serão os seus maiores inimigos