Quanto mais avançamos em tecnologia e gráficos 3D, mais sinto que nos esquecemos do imenso trabalho e atenção usada para jogos desenhados a mão. Hollow Knight não vem apenas para lembrar-nos disto, mas também para trazer vida a um subgênero que tanto clamava novidades.
Ele é o que eu considero um “slow burner”, para um “metroidvânia” (apesar de detestar o termo), não espere um reforço positivo constante. Parte disto vem da maneira que ele lida com upgrades e progressão. O ritmo em que se libera melhorias, um estereótipo do subgênero, é um tanto quanto mais lento do que o de costume.
Em contrapartida, ele te entrega um sistema de “Charms”, peças de equipamento — por assim dizer —, que manipulam a interação jogador X ambiente. Um charm por exemplo, pode te dar mais velocidade de esquiva, ou uma redução no coice recebido ao tomar dano.
A troca aqui proposta é mais do útil, é necessária para renovar a estrutura que encapsula jogos de exploração com elementos de plataforma e progressão de personagem. Ao invés de termos um conjunto de itens que podem ou não vir a serem usados pelo jogador, ele dá a opção de fortalecer o repertório que ele prefere. Um caso completamente contrário ao de Axiom Verge, que me deu mais de vinte armas, mas raramente reforçou o uso delas salvo momentos situacionais.
Ainda que inspirado por games como Ori and The Blind Forest, Metroid, etc; Hollow Knight evoca mais a sensação de aventura do que um “vá de um mapa para o outro”. Cada área é grandiosa, repleta de vida e detalhes. Apenas em raras ocasiões ele te dá algum senso de direção, mapas devem ser comprados, itens devem ser usados para revelar a localização, e dezenas de segredos escondido por trás de paredes ou que podem passar despercebidos ao olhar desatento. Eu sofri nas áreas finais por não ter percebido algumas dezenas de caminhos que podiam ter sido acessados posteriormente, e me custaram algumas mortes bestas.
Nem pense que falo isso com pesar. Com um tom de irritação? Possível. Tinha noção de quais eram as minhas limitações, como fazer uso dos charms que possuía e voltar para as áreas que havia visitado para descobrir como alcançar o tão desejado item que aumenta os pontos de vida do protagonista. Para mim era uma alegria voltar onde tinha visitado para ver as novas possibilidades e ouvir a espetacular trilha sonora que acompanha cada área.
Não há como falar de Hollow Knight sem mencionar o incrível trabalho artístico da Team Cherry em desenvolver não só uma identidade excepcional para os personagens e o mundo que habitam, mas também distorcer expectativas.
Ao olhar desatento, Hollow Knight é, como muitos mencionaram para mim, “fofo”. O elenco formado por insetos foi humanizado, raros são os que mostram algum tom de agressividade. Aquela mosquinha fofa pode ser uma armadilha que explode ao ser morta.
Nosso cérebro funciona de maneira peculiar quanto a este assunto, estamos tão acostumados a entender o mal como um elemento que se mostra visível que, basta um toque de humanização nele e o “encanto” vai embora.
Poucos jogos criam tal subversão de forma tão visível quanto Hollow Knight. Em Bloodborne, por exemplo, nós sempre estamos com o medo do desconhecido, do oculto. Aqui não é apenas reforçado a noção de insignificância, o medo é gerado pelo que não consegue se correlacionar. Como o bem pode se tornar o mal?
Estabelece-se um dinamismo entre um estado de surpresa, ansiedade e superação que dita as regras das áreas de Hollow Knight. Você se sente em um mundo quase-real, mas que gera desconfiança dado a experiências anteriores.
Hollow Knight vai além dos inimigos para evocar tensão, parte das ações ganham destaque pelo uso do armazenamento de souls, obtidas ao atacar ou eliminar um inimigo. Souls são a moeda de troca para o uso de habilidades e recuperação de soul vessels — nome dado aos pontos de vida. O jogo então propõe questões sobre quando e como usar tais souls. Teria você coragem de adentrar uma área sem um mapa e ficar dependente apenas da chance de acertar os inimigos para recuperar vida?
Ele não é punitivo puramente por ser punitivo, ele martela na cabeça do jogador do momento em que ele chega em Dirtmouth: “Você é frágil, aja como tal”. Na medida do aceitável estereótipo Davi vs Golias, Hollow Knight é um dos melhores que fazem uso dele. Você é, literalmente, um inseto e nunca está em pé de igualdade com os chefões. Visto como um esquisito intruso naquela terra ainda mais bizarra.
É este tipo de tempero que faltava nos tão chamados “metroidvânias”. A apresentação de um mapa explorável diz pouco quando tudo o que o jogador faz é mover-se de uma área a outra para alcançar um objetivo. Aqui ele fica em segundo plano, não é o desejo de completar algo, é o prazer de aprender mais sobre alguma coisa.
Às vezes estamos tão condicionados a seguir uma determinada rota que nem sempre paramos para nos questionar o motivo dela. Neste questionamento que Hollow Knight cria o seu casulo, com mecânicas estimulantes e personagens subversivos. Um dos poucos games do subgênero que me conquistou desde Castlevania: Symphony of the Night.
Hollow Knight
Total - 9.5
9.5
Fantástica estética que incentiva o prazer de explorar e liberdade ao jogador de modelar o personagem de acordo com suas limitações colocam Hollow Knight um patamar acima de muitos games do subgênero. Um deleite de se jogar e apreciar.