Agacha, levanta, olha para esquerda, direita, estica os braços, retrai, agacha de novo. Isso não é uma lista de aeróbico, mas um pequeno retrato do que foi jogar dez minutos de partida de “Hellsweeper VR” (Steam / PSVR2 / Quest 2). Surpreendentemente, os dez minutos se tornaram 15, depois 20 e então duas horas cada partida.
O roguelite da Mixed Realms se orgulha — e muito — de ser um título em VR que não segura a mão do jogador. Quer chegar até o final de uma run? Então se prepare para suar, muito, e aprender técnicas de movimento avançadas. Eu não me amedrontei diante dessa proposta, eu já tenho bastante experiência em VR e não sinto enjoo na maioria das vezes. Quem mandou eu também ser orgulhoso e teimoso?
Quando eu li “técnicas de movimento avançadas” eu imaginei algo próximo de “Blade & Sorcery”, como a possibilidade de pular ou usar dilatação temporal para reagir contra as hordas de demônios vindas do inferno. A realidade é que “Hellsweeper VR” vai muito além disso, para o bem ou para o mal.
Você já quis correr pelas paredes enquanto atira em demônios? Saltar e virar de cabeça para baixo e soltar bolas de fogo das suas mãos? Essas são algumas das “técnicas de movimento avançadas” que a Mixed Realms decidiu incluir em “Hellsweeper VR”. Eu prefiro chamá-las de “técnicas de movimento essenciais”.
O primeiro ato do jogo, claramente inspirado por uma estética asiática, pega “leve”. Inimigos surgem em uma cadência decente e de certa forma atua como um tutorial do que estar por vir.
A essa altura eu ainda estava no meu estágio de “orgulho” por anos de experiência com jogos VR e a certeza de que não deixaria “Hellsweeper VR” me vencer. Foi então que cheguei no chefão e, bem, meu personagem foi dizimado em questão de segundos.
“O… o que aconteceu”? Eu sequer tive tempo de reagir contra o chefão, só vi uma explosão de cores e meu personagem virando pó. Foi até bom que não reagi pois estava perto demais da TV e por milímetros não a tornei inutilizável.
A resposta é igualmente dolorosa e empolgante dependendo do seu interesse por roguelites: metaprogressão. Não era para eu ter vencido o chefão na minha primeira run, creio que “Hellsweeper VR” sequer esperava que eu chegasse nele.
Leitores afincos do site sabem do meu amor e ódio pela inclusão desse sistema como uma “barreira” de grind. Falei até recentemente sobre isso em outra crítica e o jeito que ele me fez perder o interesse. No caso de “Hellsweeper VR”, tenho que concordar que ele é um “mal necessário”.
A curva de aprendizado das principais mecânicas de “Hellsweeper VR” é absurdamente mais alta do que a maioria dos jogos em VR que joguei. Eu tive mais facilidade de aprender jogos como “Bonelabs” e o já citado “Blade & Sorcery” do que ele. A principal diferença é que em nenhum deles você é atacado de todos os lados em uma arena circular com múltiplos andares.
Imagine a seguinte situação: Eu tenho que destruir quatro totens que ressuscitam inimigos. Estou sendo atacado por morcegos voadores que por algum motivo tem uma cabeça humana, zumbis, dois samurais e um ogro. Nesse meio tempo eu tenho que pensar que arma usar, quando usar, qual magia ativar e ainda saltar de plataforma em plataforma. Qual foi a minha reação? Desespero, é claro.
Fiquei me debatendo virando de um lado para o outro tentando dar conta de todos os inimigos e ainda garantindo que eu estava indo na direção correta. Se isso já deu um nó no seu estômago, lamento dizer mas “Hellsweeper VR” pode não ser para você.
Foi a partir desse ponto que eu parei, respirei fundo e pensei comigo mesmo: “Ok, vou ‘recomeçar do zero’ e tentar reaprender esse jogo”. Voltei para o tutorial e de pouco em pouco fui dominando as técnicas de movimento, treinando minha mira e o uso de espadas ou magias.
Lentamente a “barreira” da metaprogressão começou a se dissipar e eu comecei a avançar nos atos de “Hellsweeper VR”. Tropeçando de tempos em tempos por conta de um inimigo mais difícil do que eu esperava ou por causa de um dos meus gatos passando entre as minhas pernas no meio de uma luta intensa.
Infelizmente, à medida que eu progredia, mais rachaduras começaram a aparecer na estrutura de “Hellsweeper VR”. Umas que podem muito bem ser reparadas em atualizações, outras que são mais profundas do que eu imaginava.
Um dos primeiros problemas que eu vi foi a ausência de uma sala de treinamento como tantos outros roguelites — sejam em VR ou não — oferecem. Na realidade, ela existe, mas está atrelada a sua progressão no jogo, o que para mim é um absurdo. Como a Mixed Realms espera que eu aprenda as mecânicas e os tipos de inimigos? Enfiar o jogador em uma arena e falar “boa sorte” várias vezes, ainda mais em VR, cansa.
Mas o principal problema de “Hellsweeper VR” é que está nas suas estruturas base de design. A Mixed Realms te promete o mundo, mas só entrega 3/4 dele. Dezenas de armas e magias, mas só algumas são de fato viáveis nos atos mais avançados do jogo. É uma circunstância muito peculiar e, parcialmente causada pelo fato que “Hellsweeper VR” só pode ser jogado bem, em VR.
Com dezenas de inimigos na tela, é muito fácil ela ficar poluída, o que faz com que magias como levitação fiquem inviáveis. A Mixed Realms até tenta uma “solução” que é criar uma linha para que tipos de objetos podem ser levantados ou usados pelo jogador. O resultado? Ainda mais poluição visual.
O segundo problema, e um que eu considero bem mais sério, está nas técnicas de movimentos avançadas. Correr pelas paredes não é tão natural quanto deveria ser e apenas certos tipos de paredes ou superfícies são aptas. Lembre-se que eu estou falando de um jogo em VR que já requer uma atenção danada.
Cogite então que, no meio do combate, você ainda tem que “decorar” se a parede de madeira é “lisa” o suficiente para correr nela. Eu morri mais vezes tentando descobrir do que usando o método. Chegou em um ponto que eu preferia dar piruetas e saltos do que correr pelas paredes. Mais uma vez dando graças por ser abençoado e não sentir enjoo nessas horas.
Ainda bem que quando “Hellsweeper VR” acerta, ele acerta na mosca. O simples fato que ele me deixa empunhar duas metralhadoras sem que eu perca noção de onde eu estou, mesmo em meio a tanto caos, é um baita triunfo na esfera VR. As espadas e as magias podem ser unificadas como em “Blade & Sorcery” criando combos devastadores e extremamente divertidos.
Céus, uma hora eu consegui desacelerar o tempo no momento certo de soltar uma magia com a minha espada que transformou todos os inimigos na minha frente em pedaços de carne. Nessas horas, eu ficava eufórico e falava para mim “É isso que eu estava esperando em um jogo VR”.
Eu boto fé que a Mixed Realms vá consertar alguns dos problemas que eu encontrei nas minhas horas com “Hellsweeper VR”. Também sei que há muitos jogos que fazem vários aspectos dele muito melhor. Quer um combate mais preciso? Vá para Blade & Sorcery. Prefere armas? Há dezenas de outros roguelites com essa premissa. Mas é o conjunto que me interessa, e são poucos que se saem tão bem quanto “Hellsweeper VR”.
Tem estômago de ferro? Tem espaço de sobra em casa? Então vai fundo em “Hellsweeper VR”. Só, por favor, tente não quebrar nada em volta.
Hellsweeper VR
Total - 8
8
Algumas mecânicas de “Hellsweeper VR” não funcionam tão bem, e outras carecem de refinamento. Mas, para todo ponto negativo, ele traz pontos mais positivos ainda. É um roguelite caótico, com uma curva de aprendizado alta, mas assim que você pega o jeito e tem um estômago de ferro, vai adorar dilacerar hordas de monstros.