Hearts of Iron IV sempre foi excepcionalmente bom em um aspecto: mostrar a Segunda Guerra Mundial vista pelos olhos das grandes potências que participaram do conflito. Jogue com a Alemanha, Estados Unidos, Reino Unido ou União Soviética e é certeza que você vai aproveitar o jogo. Qualquer outro país? Homogeneizado, genérico, desinteressante. Waking The Tiger (Steam) dá um passo enorme no sentido de resolver esse problema – e alguns outros de quebra.
Dois anos atrás eu declarei Hearts of Iron IV como um dos melhores da série no que diz respeito a facilidade de aprendizado, e ainda mantenho a minha posição neste quesito. Entretanto, a cada nova expansão, o jogo ia perdendo um pouco da sua identidade. É como se a Paradox tentasse fazer de Hearts of Iron 4 um “Europa Universalis IV na segunda guerra” com um conjunto de peculiaridades, aplicando a ele o mesmo molde de “sucesso” de EU4. Together for Victory foi assim e, em menor escala, também Death or Dishonor: um eurocentrismo exaustivo onde cada partida parecia a “mesma”. Mova as tropas, conquiste território, faça a “melhor” build para seu exército, vença. Larguei de mão e voltei para Darkest Hour, o game baseado em Hearts of Iron 2 e produzido por fãs da franquia. Ver a China de Waking The Tiger foi a guinada que Hearts of Iron IV (e que eu) precisava para voltar a jogá-lo.
Dividida entre facções sedentas por domínio e uma pequena parcela comunista exausta depois de uma segunda tentativa de revolução – e “exilada” para a região da cidade de Yan’an – qualquer noção de “vitória” vem a duríssimas custas. Há carência de equipamento, de tecnologia, de materiais, e de preparação para entrar numa guerra cada vez mais inevitável.
Perdi tantas vezes – por usar o modelo “tradicional” de guerra de Hearts of Iron IV – que uma hora parei de contar. Foi então que comecei a prestar mais atenção no sistema de eventos e decisões – uma das novidades da atualização 1.5, e presente para todos os países.
Cada país agora conta com uma série de decisões que podem ser tomadas assim que certas demandas forem cumpridas. No caso da China eu podia infiltrar tropas dentro da região centro-sul do país para causar uma insurreição Comunista, iniciar “Border Wars” (mais sobre isso em breve), melhorar a infraestrutura de Yan’an, banir a imprensa para evitar influências fascistas ou democráticas. Enfim, detalhes que dão um aspecto mais pessoal para o país, que fazem sentir que você de fato o guia para um futuro ao invés de só mais uma “engrenagem na máquina de guerra”.
O sistema de decisões cria um microcosmo dentro da Segunda Guerra Mundial, e lembra ao jogador que sim, existiam outros conflitos internos e externos enquanto a Europa sucumbia ao domínio da Alemanha Nazista. Pouco me importava se a França havia caído; estava mais preocupado com a ameaça Japonesa na minha porta.
Foi esse medo que me fez usar a mecânica de Border Wars, eventos – como um acidente na fronteira com outro país que leva à criação de uma milícia para tentar conquistar territórios – que permitem um conflito limitado sem que o país precise escalar para uma guerra “real”. Pense nelas como guerras bancadas por países, mas sem que eles de fato estejam “presentes” – o que foi bastante comum, por exemplo, no período da Guerra Fria. Graças a elas que consegui começar a expandir o meu (mísero) domínio da região: novas estradas, maior capacidade de manufatura, menos tempo para treinar o meu exército. Mas, ainda assim, o tempo estava contra mim. O Japão havia invadido e rapidamente engolia as províncias da região.
Mesmo perdendo e correndo contra o tempo, estava contente; finalmente tinha no jogo as micro histórias que eu esperava que Death or Dishonor e o foco em nações menores da Europa tivesse criado. Sim, Death of Dishonor foi incapaz de fazê-lo, mas Waking the Tiger conseguiu. Também estava feliz pois a Segunda Guerra sino-japonesa raramente é demonstrada em jogos, e quando é, parece mais uma nota de rodapé. Aqui eu a “vivia” em tempo real. Via minhas tropas serem dizimadas, me desesperava para mobilizar o restante para segurar um fronte.
“Só mais uns dias e quem sabe eu terei mais tropas”, “quem sabe eu consigo ter a tecnologia necessária para trazer artilharia” ou “talvez se eu desestabilizar a região central o Japão se foque nela primeira”. Ideias desesperados de alguém que já não tinha mais esperança de sucesso.
Mas, algumas vezes, não há como prevenir a história de acontecer. Eu devia saber que em 1939/40 eu não tinha nenhuma chance contra os Japoneses. Devia ter recuado antes. Devia não ter me precipitado. Perdi territórios por teimosia, vi meu domínio ser esmagado por uma força mais preparada e equipada do que a minha.
Eu estava no chão, amargurado e surpreendido por Hearts of Iron IV. Os exércitos inimigos não caíam nas mesmas táticas do passado, evitavam de deixar lacunas no fronte. Vi minhas tropas serem cercadas – algo que antes era quase inimaginável tendo em vista o quão precária era a inteligência artificial. Nem mesmo podia enviar mantimentos via transporte aéreo (outra novidade de Waking the Tiger), pois nem aviões de transporte tinha. O que jogava? Certamente não era o Hearts of Iron IV de Death or Dishonor, muito menos de Together for Victory. Eu? Parabenizando melhorias na IA em um jogo da Paradox? Só posso ter enlouquecido, mas não, era verdade mesmo. Antes tarde do que nunca.
Depois de 40 ou 50 horas, algumas garrafas de café, uns tapas na mesa e umas caminhadas pela casa em pura frustração, eu finalmente consegui conquistar a China e unificá-la. Foi difícil, foi estressante, foi exatamente o que eu queria de uma expansão para Hearts of Iron IV.
O mais assustador é pensar que o domínio da China é a ponta do Iceberg das mudanças de Waking The Tiger. Ainda há a opção de alternativas históricas extras para o Japão, inclusive torná-lo comunista ou democrático – algo que fui (por enquanto) incapaz de fazer, e que deixo para os especialistas na confecção de divisões e táticas de guerra. Há também uma árvore de habilidades passivas para generais que dão bônus em diferentes aspectos do combate, a opção de consolidar tropas da mesma categoria, e a opção de destruir equipamentos armazenados em regiões prestes a serem dominadas pelo inimigo para evitar que eles as obtenham.
No topo disso tudo ainda temos a excelente atualização 1.5, que inclui (finalmente) o efeito do clima nas tropas, a tão esperada melhoria na interface de produção (que agora deixa o jogador arrastar os equipamentos ao invés de usar setas para definir prioridade), influência de infraestrutura na obtenção de matéria-prima de uma região, novos sistemas de estabilidade e desejo de “participar em uma guerra” (que influencia especialmente países que não estão na Europa, como os Estados Unidos), e obviamente o sensacional sistema de decisões e eventos. Pode se preparar para re-aprender muita coisa, pois é um jogo novo. Engraçado dizer isso, pois é justamente o que foi prometido para Stellaris: Apocalypse e tanto o DLC como a atualização 2.0 para o game ficaram muito abaixo do que eu esperava.
Fazia muito, mas muito tempo que eu não via uma expansão da Paradox com cara e conteúdo de “expansão”. Expansões anteriores frequentemente pareciam mais um “tapa buraco” ou “remendo”. Waking The Tiger é o tipo de conteúdo que eu espero da Paradox: bem pensado, arredondado, que traga situações intensas, tanto para o jogo base quanto para o conteúdo adicionado, e que expanda o jogo em direções interessantes, seja para mecânicas gerais ou detalhes de regiões específicas.
Por favor, Paradox: que Waking the Tiger seja seu modelo de expansão no futuro. É isso que eu espero de vocês, é isso que me faz voltar aos seus jogos. Chega de remendo, chega de homogeneização. Chega de tampar buraco. Trate cada jogo como único, e, quem sabe, teremos mais novos “Waking the Tiger” no futuro.
Hearts of Iron IV: Waking the Tiger
Total - 9.5
9.5
Uma maravilhosa expansão que não só expande o jogo base, mas também traz ótimas e importantes mecânicas para uma região da Ásia que muitas vezes é esquecida pelos jogos ambientados na Segunda Guerra Mundial. De melhorias na IA ao novo sistema de decisão, Hearts of Iron IV finalmente começa a ganhar uma identidade própria, uma que estou muito contente de ver.