Eu queria conseguir demonstrar a minha felicidade em palavras quando a Paradox anunciou que o próximo DLC de “Hearts of Iron IV” seria focado na América do Sul. A Paradox havia feito um trabalho fenomenal em “Colossus of the South” que, junto de uma excelente atualização, levou “Victoria 3” para novos patamares. Imaginei que o mesmo viria a acontecer com “Trial of Allegiance” (Steam), ao menos no que diz respeito a jogar com o Brasil ou outro grande país da América do Sul. Ah, como eu estava errado.
A grande diferença é que, ao contrário de “Victoria 3”, “Hearts of Iron IV” já é um jogo inchado em termos de mecânicas. Como acompanhei sua evolução de perto, eu o vi sair de um jogo onde nem mesmo a IA conseguia seguir ordens de forma correta para um em que desenvolver navios e aviões se tornou tão complexo que poderiam virar jogos separados.
Mais uma vez a Paradox se encontrou na encruzilhada / armadilha do que fazer com um novo DLC. Eu já bati nessa tecla mais de uma vez nas minhas críticas sobre “Hearts of Iron IV” e não há como agradar dois públicos: um DLC se foca em uma história completamente “impossível” ou ele se compromete em estabelecer um novo grau de autenticidade com novos veículos ou algo próximo ao que os países tinham no período. “Trials of Allegiance” faz o trabalho pela metade.
As opções de histórias alternativas para o Brasil — o país com o qual obviamente mais joguei — oferecidas pela nova Focus Tree são ótimas e hilárias. Nem no seu ápice (chegamos no nosso ápice? Nem eu sei ao certo) o Brasil conseguiria dominar a América do Sul e integrá-la em um gigantesco estado comunista. Mas, mexendo os pauzinhos e com uma boa dose de sorte de não ter países neutros — o que requer boas movimentações políticas e de espionagem — isso é viável. O mesmo vale caso você queira seguir a linha integralista e se alinhar ao fascismo. Isto é, se você der conta de também entrar em guerra com o restante do mundo por volta de 1942/43. E, é aí que toda a “beleza” de uma nova Focus Tree desaparece.
Para mim, o principal motivo de “Hearts of Iron IV” ter uma Focus Tree é dar alguma estrutura para a narrativa que você quer estabelecer. Já era possível unificar a América do Sul sob a bandeira comunista ou fascista desde que o Grand Strategy foi lançado, mas agora você tem um “sabor extra” ao fazer isso. Figuras históricas do nosso país dão as caras ao invés dos rostos genéricos que até então populavam a minha tela.
Por outro lado, a Paradox adorou colocar ainda mais debuffs no Brasil, como é o caso da crise do café — que de fato aconteceu — mas não se importou em estudar como a nossa indústria já tinha se expandido em 1936. Não éramos nenhuma gigantesca potência comparada aos EUA, Reino Unido e outros países aliados. Mas ver que a desenvolvedora sequer se deu ao trabalho de mudar a árvore de tecnologia para ao menos incluir uma ou duas “melhorias” como ter ferramentas “básicas” para produção em grande escala e me fazer usar os pouquíssimos slots de pesquisa em 1936 para isso é patético.
Levanto essa mesma crítica para os veículos blindados, que nos colocavam como não tendo praticamente nenhuma pesquisa realizada desde o fim da Primeira Guerra Mundial. Entendo bem que a participação da força expedicionária do Brasil durante a Segunda Guerra Mundial foi pífia comparada a outros países, mas a Paradox aparenta fazer questão de ignorar quaisquer avanços que tivemos na nossa própria tecnologia.
Me aparenta que, ao invés de realizar uma pesquisa mais aprofundada sobre o estado do exército brasileiro, a Paradox preferiu seguir a linha narrativa de que a maior porcentagem dos nossos blindados e armamentos foram “empréstimos” dos EUA. Parte disso é verdade, graças ao aumento de envio de armas pela administração Roosevelt após o ataque de um U-Boat no Nordeste do país.
Mas, ao mesmo tempo, nós também tínhamos — e ainda temos — a nossa própria indústria bélica. Não somos topo de linha e ainda somos muitos dependentes de compras externas de veículos e aviões. Não significa que não façamos modificações neles. Os F-5 e o Mirage 2000 que ainda estão em atuação na atual Força Aérea Brasileira foram adaptados às nossas necessidades. O que de fato me incomoda é que nenhum dos eventos pertinentes à Segunda Guerra Mundial é propriamente retratado em “Hearts of Iron IV”.
Se a desenvolvedora quer seguir uma linha alternativa tão forte, por que então se focar tanto no lado político e deixar de lado a produção de blindados, navios e aviões de lado? As mudanças na Focus Tree da área militar — para um jogo que tem como tema um grande conflito — é no mínimo patética. Tão patética que a Focus Tree do Brasil compartilha as mesmas “ambições” militares da Argentina e do Chile, as outras duas grandes “potências” que são o foco de “Trial of Allegiance”.
Os nomes estão trocados, alguns bônus são diferentes e outros são focados em áreas mais distintas. Mas, quando você tem o resultado final de um aumento de 5% na eficácia de navios, você realmente está oferecendo uma escolha para o jogador, ou só uma lista de tarefas que precisa ser completada para não sofrer durante a Segunda Guerra Mundial? A mesma crítica pode ser aplicada para muitas das mecânicas aplicadas em grande escala para “Hearts of Iron IV”, mas o enfoque do texto é que jogar com países da América do Sul continua sendo desinteressante.
Não importava se eu alterasse a partida para a Argentina ou o Chile. Sim, eu teria que tratar de problemas políticos internos dos países e até certo ponto eles são interessantes, já que meu próprio conhecimento de ambos os países é mais focado no pós-guerra — especialmente o golpe de Pinochet, obrigado Kissinger — do que com o que aconteceu entre 1936 e 1945. Mas, se a Paradox tratou com tão pouca relevância eventos que impactaram o Brasil, tenho dificuldades em acreditar que Argentina e Chile também não tiveram suas histórias retiradas de livros de história com o conteúdo mais superficial possível.
Eu sou uma das pessoas que mais fala que nunca se deve aprender história por meios de jogos. Ainda mais quando jogos de estratégia envolvem conflitos globais; mais repletos de nuances, impossível. Ao menos antigamente eu podia apontar para “Hearts of Iron IV” como um bom ponto de início para incentivar-me a conhecer mais sobre a história de uma região. Após jogar “Trial of Allegiance”, não consigo mais tecer esse comentário.
E, acredite se quiser, isso é a ponta do iceberg em termos de problemas do DLC.
Se você não se importa com Argentina, Chile ou Brasil, esse DLC tem muito pouco a oferecer para você. Já vi isso acontecer em outros DLCs da Paradox, mas a escala na qual ela ocorre aqui é muito mais assustadora. Países menores sequer tiveram seus estados propriamente ajustados, suas Focus Trees receberam melhorias ou repaginadas pífias. Céus, nem mesmo o Brasil está com todos os Estados “corretos”.
Eu sei que Roraima não se tornou um estado oficial até 1943, mas não há como dividir a Amazônia em múltiplas províncias e fingir que algumas não faziam parte de um território. Ao menos colocasse Rio Branco como a província administradora. Certamente dói menos do que ver uma província chamada “Amazon” sem o menor contexto.
Para fechar com chave de ouro, a Paradox parece não ter aprendido nada com o lançamento de “By Blood Alone”, uma expansão tão recheada de bugs que a desenvolvedora passou os próximos meses corrigindo falhas no designer de aviões, em eventos que não eram disparados, e na igualmente esdrúxula reformulação da Focus Tree da Itália. Imagina a minha surpresa ao começar a jogar uma das minhas dezenas de partidas, dessa vez com o Chile, e ver que uma opção da Focus Tree do Chile não funciona ou não ativa?
Tantos anos esperando para que a Paradox focasse na América do Sul e é isso que eu recebo? Frustrado não é suficiente para definir a minha sensação. Eu sou o último a falar essas sentenças — tão perpetuadas pela comunidade de “Hearts of Iron IV” — mas mods feitos pela comunidade são mais interessantes e mais ousados do que “Trial of Allegiance”. E, por incrível que pareça, com menos bugs.
Talvez, quiçá, daqui a três meses ou seis “Hearts of Iron IV” volte a estar em um estado “jogável”. “Trial of Allegiance” é mais uma prova que o grand strategy de 2016 mais do que entrou em seu estado de manutenção. Será que daqui para frente é ladeira abaixo? Quero cruzar os dedos e dizer que não, mas nada me instiga a pensar o contrário.
Hearts of Iron IV: Trial of Allegiance
Total - 5
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“Trial of Allegiance” se foca em prover uma história alternativa para os países da América do Sul, principalmente Brasil, Argentina e Chile. Mas o maior esforço fica no lado político de “Hearts of Iron IV”. Decisões acerca da posição inicial em termos industriais e militares são, no mínimo, questionáveis e a quantidade de bugs trazida pela atualização só me fazem afastar ainda mais do Grand Strategy. Pode ser que ele melhore daqui a seis meses, mas por ora o dano já está feito. Quer uma boa representação da América do Sul? Busque mods da comunidade