O tempo médio para eu aprender ao menos o básico de uma expansão para um jogo da Paradox é de uma semana e meia. Isso é o suficiente para umas duas ou três partidas recheadas de eventos, ou múltiplas partidas que uso para observar as minuciosidades da expansão. Fiquei duas semanas tentando compreender tudo que Man the Guns trouxe para Hearts of Iron IV e facilmente ficaria mais um mês nisso.
Desde 2016 Hearts of Iron IV luta para manter um equilíbrio entre ser uma ponte para aqueles que vêm de Europa Universalis e Crusader Kings 2, com suas árvores de “foco nacional” com resultados anistóricos, e ainda tentar agradar a comunidade mais entusiasta da Paradox que clamava por mais complexidade. Foi só em Waking the Tiger que vi a desenvolvedora começar a adicionar mecânicas mais complexas (maior impacto de radares, mudanças no combate áereo), mas ainda era brando. Foi algo que eu olhei e disse “tudo bem, as mudanças são boas no geral, mas ainda assim queria um tiquinho a mais de liberdade para as minhas táticas”. Man the Guns me dá a impressão de que a Paradox finalmente chutou o balde e disse “okay, vocês querem complexidade? Então toma isso daqui, refizemos todo o sistema naval e não vamos segurar a sua mão”.
A ação não tem precedentes na história da franquia Hearts of Iron. A série nunca soube reproduzir bem os perigos e os anseios gerados pelo combate naval da Segunda Guerra Mundial, uma dificuldade que não só ele, mas muitos jogos de estratégia em tempo real, têm. Principalmente por ser muito mais granular do que os métodos que existem para “replicar” táticas de combate aéreos ou terrestres.
Batalhas aéreas e terrestres, ao menos no que diz respeito à Segunda Guerra Mundial, retiveram pelos seus primeiros anos doutrinas trazidas da Primeira Guerra Mundial — a existência da linha Maginot na França e a forma que ela estabelecia as suas defesas é um primoroso exemplo disso. Saída da guerra como vitoriosa, a construção linha Maginot não era nada mais do que uma extensão da ideia de que o inimigo sempre viria a um encontro direto – o retorno da batalha de trincheiras como foi em Verdun, Somme, e outras localidades da Europa. A mesma linha que foi contornada pela Alemanha ao invadir a Bélgica e ao aplicar o que conhecemos por Blitzkrieg — seu foco em unidades móveis, destacamentos com um menor número de soldados, mas com poderio bélico forte e capazes de se moverem pelo terreno em uma velocidade maior do que se era estimado. Combates aéreos ainda eram definidos na base do “um grupo contra outro grupo”, mas seu escopo foi ampliado para bombardeios noturnos, um maior uso de câmeras fotográficas para reconhecimento e, posteriormente, paraquedistas. Todas essas doutrinas seriam refinadas, expandidas e reajustadas para as guerras que ocorreram nas próximas décadas.
Entretanto, tudo o que foi falado até então segue o mesmo conceito. Exércitos de cada lado, atacando diretamente o outro exército (ou indiretamente, pelo uso de artilharia, etc). Um grupo de bombardeiros B-17 sabia que, inevitavelmente, ao atacar uma fábrica na Alemanha, seria alvo de artilharia antiaérea. Os pilotos de aviões Bf-110 enviados para bombardear pontos estratégicos durante a batalha da Grã-Bretanha em 1941 sabiam que teriam de lidar com os radares dos Ingleses; tanto era assim que eles foram um dos focos de inúmeras investidas para poder adentrar ainda mais a fundo o território Britânico e destruir suas linhas de produção.
Agora, batalhas navais são totalmente diferentes, quase alienígenas quando comparadas. A Primeira Guerra viu o nascer do submarino, mas encouraçados, destróieres e minas ainda dominavam os mares. Radares eram rudimentares, e o primeiro porta aviões só foi ganhar vida em 1918 com o HMS Argus pelas mãos do Reino Unido, seguido pelos EUA em 1920 com o USS Langley e 1922 no Hosho da Marinha Imperial Japonesa. Submarinos tomaram os mares e foram cruciais para a destruição de comboios de carga em praticamente todos os oceanos. A doutrina não era o combate direto (apesar de ainda acontecerem muitas batalhas enraizadas nesse conceito), mas sim uma caça de gato e rato nos mares. Um ótimo exemplo disso pode ser encontrado em “Asymmetric Warfare at Sea – The Naval Battles of Guadalcanal, 1942–1943” publicado por Thomas G. Mahnken em 2011, que denota a importância do aperfeiçoamento japonês no combate noturno e a ineficácia dos Estados Unidos — que apesar de terem tecnologias superiores, como radares e sonares, careciam de organização e treinamento para rebater as investidas sofridas durante a batalha pela ilha no Pacífico.
Todo esse contexto é importante para entender a genialidade da Paradox de ser capaz de introduzir esses conceitos, mesmo que a sua implementação seja vista mais na teoria do que na prática — afinal, não é um jogo que se foca unicamente no combate naval, e certas concessões precisam ser feitas — e também para entender a necessidade de reajustar a minha mentalidade para o novo conceito estratégico.
Até Waking The Tiger, era muito fácil realizar “exploits” no sistema naval de Hearts of Iron IV. Coloque encouraçados em uma batalha e você era o vencedor. A linha de tecnologia era praticamente linear. Quanto mais avançados os barcos, mais poderosos eles ficavam e mais fácil era ganhar os embates. Com o novo sistema de design modular, onde você pode escolher quais são os pontos fortes e fracos dos seus navios, as batalhas e a teorização ficaram muito mais interessantes.
Porém, aprender esse sistema não é nada fácil. Man the Guns remove modelos “pré-determinados” para receber um casco em branco e preencher com o que você quiser. As minhas primeiras partidas foram terríveis; eu ainda estava com a mentalidade de que investir em destróieres no early game era uma boa estratégia, e continuamente fui destruído por forças oponentes. A Kriegsmarine fez a festa nos meus barcos com seus submarinos. O motivo? Eu simplesmente não coloquei nem sonares nem cargas de profundidade — o único método eficaz para defender-se contra submarinos.
Lentamente comecei a pegar o jeito de Man the Guns quando mudei o meu jeito de pensar sobre a construção de navios. Separava as frotas por categorias e especializações, percebi que portos podiam ser designados ou bloqueados para reparo — o que fiz ao jogar com os EUA e impedir que minha frota, que estava no Pacífico, voltasse até a Califórnia só para reparos, gastando assim ainda mais combustível.
O combustível também é um elemento importantíssimo não só para se aclimatizar ao novo sistema naval, como para re-acostumar com Hearts of Iron IV como um todo. Sejam batalhões motorizados, aviões, tudo consome combustível. Equilibrar o consumo e o gasto é um trabalho infernal, e muitas vezes desgastante, ainda mais se você jogar com países que têm pouco acesso a petróleo.
Mas grande parte da minha dificuldade em perceber a ramificação de tantas escolhas oferecidas por Man the Guns vem de uma péssima implementação de duas interfaces cruciais: criação de forças tarefa e separação de patrulha e força de ataque. Forças tarefa são “modelos” onde você define de quantos encouraçados, destróieres e submarinos você quer que ela seja composta. Ao ler isso, você pensa que é só escolher um tipo de encouraçado e pronto, correto? Não. Esses encouraçados agora são separados por subcategorias baseadas nos designs que você fez (defesa, ataque, patrulha, etc). Ao invés de fornecer uma lista, Hearts of Iron IV dá ícones – o que me deixou ainda mais confuso pela carência de tooltips. Para completar o pacote, frotas criadas por um modelo de força-tarefa podem não ser reforçadas ou reparadas devido a bugs. Ainda bem que só aconteceu duas vezes.
Quando eu finalmente senti que eu compreendia parcialmente como funcionava a nova interface de forças-tarefa, foi a hora de sofrer entre entender o que era uma patrulha e o que era uma força de ataque. Antes tudo era considerado uma patrulha, e as batalhas navais ocorriam justamente quando um grupo de navios encontrava o outro. Com a adição da força de ataque, você precisa estabelecer zonas de patrulha; quando a patrulha identifica um ou mais navios inimigos, ela envia um comunicado para a força de ataque, que se desloca até o local e inicia o combate.
Existem muitos “poréns” nessa teoria; patrulhas podem ser destruídas caso o inimigo seja um submarino, caso não estejam equipados com as ferramentas necessárias para lidar com potenciais ameaças nos mares, considerando aspectos como a profundidade ou características do oceano (Pacífico e Atlântico possuem setores com diferentes atributos, por exemplo). É trabalhoso, mas como apontei, é tudo questão de adaptar a sua noção de batalha naval, de como compor a sua frota, e prestar muita, mas muita atenção nos relatórios que são fornecidos no fim de todas as batalhas.
Sei que isso tudo pode soar um pouco desencorajador, mas eu nunca me senti tão contente em estender as madrugadas adentro navegando pelos menus de Hearts of Iron IV como foi com Man the Guns. Todo o aspecto de combate, consumo de combustível, me adaptar às novas táticas e repensar as minhas estratégias para praticamente todos os países – tudo isso me incita e me dá vontade de continuar a jogar. Mas, se a Paradox faz o milagre de melhorar o combate naval de Hearts of Iron IV, ela decepciona com o restante do conteúdo de Man the Guns.
Tudo que diz respeito aos novos eventos anistóricos de Man the Guns é feito “nas coxas”. Ora funcionam, ora são desinteressantes, ora estão repletos de bugs. Vide os EUA, que agora podem ter uma segunda guerra civil caso você siga um foco diferente, ou o México que pode receber Trotsky ao se converter em uma nação comunista. Esse eventos são instigantes de início – tanto que tentei fazer muitos deles – mas acabam sendo um tanto “mais do mesmo”. Mais do que vimos em Together for Victory, do que vimos em Waking the Tiger. O caso é ainda pior para os EUA, que agora adiciona um sistema de Congresso supérfluo — onde você precisa ter a maioridade do Senado e da Câmara dos Representantes para aprovar certas medidas tanto para o esforço de guerra como para alterar o rumo da História. Na realidade, basta fazer lobby o suficiente que você tem um apoio total da nação. Não digo que isso é muito longe da realidade do que acontece por lá, mesmo nos dias de hoje, mas ao menos esperava um grau de desafio.
Todavia, nenhuma das falhas nas árvores de foco me pega de surpresa; sabia que cedo ou tarde esse castelo de cartas que a Paradox montou com um Hearts of Iron IV sem um foco preciso ia desabar. Não dá para ficar quase três anos puxando um jogo de um lado para o outro e esperar que os sistemas funcionem harmoniosamente. Também não vou mentir e não dizer que estou contente que finalmente isso aconteceu.
Eventos anistóricos e histórias alternativas nunca foram o forte da Paradox, tampouco o motivo de eu me interessar Hearts of Iron 2, ter me apaixonado por Darkest Hour ou sofrido para aprender Hearts of Iron 3, com sua lista imensa de bugs. Para história alternativa a comunidade sempre foi muito melhor; mods como Kaiserreich (Darkest Hour / Hearts of Iron IV), Black Ice (Hearts of Iron 3 / 4) e Millenium Dawn (Hearts of Iron 4) são a prova disso.
Man the Guns trouxe de volta a empolgação de jogar Hearts of Iron. É uma ladeira imensa a ser subida, e algumas das decisões da Paradox no que diz questão à interface são questionáveis. Mas a inclusão de uma teoria naval mais concreta, e a proximidade à qual a desenvolvedora foi capaz de chegar – dentro dos conformes – com relação aos combates da Segunda Guerra Mundial compensa todas as dores de cabeça.
Hearts of Iron IV: Man the Guns
Total - 8.5
8.5
Man The Guns é para quem sentia falta de um Hearts of Iron complexo, ocasionalmente obtuso, e possivelmente frustrante. É também a primeira vez na franquia que o combate naval recebe a devida atenção, e a Paradox faz um trabalho primoroso em demonstrar superficialmente as teorias navais do período. O custo disso tudo são eventos anistóricos menos empolgantes, mas é um custo que eu estou mais do que disposto a aceitar.