Tenho em minha mente que boa parte dos shooters 2D que incorporam elementos de permadeath falham em uma importante área, manter o jogador em risco. Sempre há uma bolha de segurança em volta que parece ser quebrada apenas em pontos específicos. GoNNER, disponível no Steam e GOG por R$19,99 pega essa bolha e joga no lixo.
O carismático e semi-bizarro shooter põe o jogador no controle de uma cabeça sem corpo que deve ajudar a sua amiga baleia. Ok, isso é um pretexto bizarro para motivar qualquer um, mas no caso do jogo já é o suficiente.
Se você jogou um, você jogou todos, eu diria. Níveis gerados aleatoriamente, um conjunto de inimigos a serem derrotados, powerups, essas coisas. Não há nenhuma novidade nessa área para GoNNER. Diria até que ele segue uma estrutura bem formulaica, a não ser por um pequeno detalhe, a necessidade de tomar riscos.
Eu entendo os desenvolvedores apoiarem essa ideia de que risco X recompensa é algo a ser balanceado continuamente, mas progressivamente vejo que a recompensa raramente compensa o risco. GoNNER tem sua estrutura primariamente baseada em um sistema de pontuação, com combos que usam multiplicadores de até 15x. E se quiser manter o multiplicador, é bom você se enfiar no meio de todos aqueles monstros e eliminá-los o mais rápido possível.
Sim, isto mesmo, nada de ficar atrás de uma pilastra ou disparar de longe para ver se atinge alguma coisa. É até uma tática funcional para quem quer progredir nas fases, mas raramente te colocará no topo da tabela de liderança.
Uma ferramenta que colabora para isso é a constante necessidade de recarregar munição e pegar runas — moedas de troca para o vendedor — no meio do combate. A não ser que ande com um powerup que automaticamente recarrega o seu cartucho, ainda tem de lidar com tentativas, muitas vezes frustradas, de fazer um pulo duplo e pegar aquele cartucho que está no topo da tela.
Outro aspecto que de início me fez torcer o nariz, mas que depois colaborou ainda mais me a incentivar a tomar riscos é a “geração do cenário”. Veja bem, você não enxerga a estrutura do mapa completamente até estar bem próximo dele. No primeiro mundo isto é quase como um tutorial, no segundo as coisas complicam exponencialmente.
Em vezes eu me via diante de um vão no chão; haveria outra plataforma a minha frente? Deveria fazer o pulo duplo? E se eu tivesse de pular na cabeça de um inimigo para ganhar impulso e aí sim fazer um pulo? Decisões que tinham de ser tomadas em segundos e que aumentam a adrenalina, pois pedem ao jogador para que ele tome riscos.
Apesar de raramente mencionado no site por meio de análises, Devil Daggers foi um dos meus jogos favoritos do ano. Por que? Porque ele requer que eu tome riscos para progredir. “Você quer ficar melhor? Então pegue estes cristais que quicam pela tela para aumentar sua força”, é estruturalmente a filosofia de Devil Daggers e ver ela ser aplicada de maneira mais sutil em GoNNER me agrada bastante.
Com seis horas de jogo, creio que tenha visto nem mesmo um quarto do que o jogo oferece. Liberei apenas algumas armas, powerups e cabeças — as últimas que funcionam como o medidor de vida e liberam algumas habilidades extras. Talvez a minha preferida até então é a que não faz com que eu derrube todos os itens no momento que eu sou atacado.
Sim, isto é algo que pode acontecer em GoNNER, afinal, o risco tem suas vantagens e suas desvantagens. Cheguei a ficar irritado em momentos com a mecânica, mas depois de ver um corpo carismático sem cabeça correndo desesperado para ao menos alcançar a espingarda, vi que não havia motivos para.
Há motivos, porém, para questionar algumas das decisões artísticas aplicadas ao game. Por se apoiar demais em colocar o jogador em situações de risco, entupir a tela de efeitos especiais talvez não tenha sido a melhor ideia.
Não me leve a mal, a estética de GoNNER é espetacular e bem distinta de muitas coisas que vejo por aí. Só que algumas explosões são demasiadamente exageradas e confundem o jogador. Cansei de contar as vezes que morri por não enxergar um inimigo em meio a explosões ou algum efeito que não contribuía em nada para aprimorar a experiência.
Mas o elemento, este ainda inconclusivo demais para dar um parecer completo, que me decepcionou era o “hitbox” dos inimigos. Existem duas maneiras de mata-los, com armas ou ao pular na cabeça deles. Inúmeras vezes eu tinha a certeza de que pulava diretamente sobre eles e o jogo contava como se um dano ocorrera. Bug ou não, certamente era a possibilidade de que a minha run terminasse ali mesmo devido a isto.
Com mais horas de jogo do que eu deveria ter — em detrimento ao meu sono e talvez minha sanidade — GoNNER se supera em ser viciante. Na mesma medida que queria criticá-lo, o meu dedo já estava no botão de “Tentar de novo”. “Mais uma run, mais uma run, desta vez vai” dizia a mim mesmo enquanto tentava pensar em um novo esquema de itens que deveria levar para aumentar a minha chance de combos.
Quanto mais eu tentava me desprender de GoNNER, mais ele me atraia. Eu não duvido que tenha deixado passar uma dezena de áreas secretas ou pequenos segredos espalhados pelo mapa. Mas não tenho dúvida que vou busca-los na próxima vez que jogá-lo. O que deve acontecer em breve, quem sabe nos próximos minutos, quem sabe agora. Aliás, um momentinho, já volto, acabei de ter uma ótima ideia para uma arma que com certeza vai aumentar as minhas chances de aumentar o combo….
GoNNER
Total - 9
9
A estética distinta e o personagem peculiar são apenas a porta de entrada para um dos mais divertidos shooters com elementos de permadeath do ano. GoNNER tem sua parcela de problemas em relação ao retorno visual de alguns inimigos, mas nada é tão satisfatório do que imaginar uma nova combinação de equipamentos, tomar riscos e ter como recompensa um lugar no topo da tabela de liderança. Só tome cuidado para não desregular seu horário de sono.