O objetivo era simples: entrar despercebido em uma fábrica tomada pelo inimigo, pegar as informações e sair. Preparei meu equipamento — um rifle de longa distância, um rifle de médio alcance, granadas e uma pistola de backup. Tudo corria bem até ser avistado por um drone, um drone que tinha um “Gear level” mais alto que o meu”. Pera, que? Gear Level? Como assim? Não importava, fugi o mais rápido possível, me joguei por uma encosta e machuquei a minha perna. Me escondi no meio do mato até que que a caçada iniciada pelo inimigo tivesse acabado. Fiquei aliviado. Segundos depois uma notificação na minha tela apontou que eu avancei no meu Battle Pass. Pera, Battle Pass? Ghost Recon Breakpoint (Uplay / Xbox One / PlayStation 4) é… peculiar.
A melhor maneira que tenho para explicá-lo é dizer que ele está em uma difícil encruzilhada. Parte dele me remete ao primeiro Ghost Recon (2001). Posicionamento e planejamento naquele jogo era tudo, um deslize e o caos era instaurado e você tinha poucas chances de sobrevivência. A outra parte que ser um jogo “focado no maior e mais diversificado público possível em 2019”. Não teria outro resultado a não ser uma total inconsistência. Mas uma inconsistência que – por mais destoante que seja – pode ser apreciada.
Abandonando (de leve) o tom imperialista de Wildlands, Breakpoint trabalha em estabelecer uma narrativa mais “neutra” – seguindo o estilo “apolítico, mas nem tanto” da Ubisoft. Bolívia é trocada pela ilha fictícia de Aurora, um pseudo-paraiso para “Techbros” do vale do Silício. Cientistas e pesquisadores vão para a ilha em busca de revolucionar a humanidade – transformar o uso de drones algo cotidiano, buscar novas fontes de energia. Isto é, até Cole D. Walker, um antigo líder dos Ghosts e atual líder dos Wolves tomar conta da região.
Apesar da história conter toques de Apocalypse Now, Heart of Darknes e até um pouco de A Rocha (sim, o filme de Michael Bay de 1996 com Sean Connery e Nicholas Cage), ela pouco estimula você a se interessar tanto por Aurora, pelas motivações por trás da decisões de Walker em abandonar os Ghosts ou até mesmo pelo protagonista Nomad. A Ubisoft pincela que “Drones podem ser máquinas letais caso caiam nas mãos erradas”, mas não vai além disso. Ela chove no molhado dessa temática, o que já era de se esperar. No entanto, isso reverbera bastante em estabelecer a região de Aurora como um local crível.
A Bolívia, apesar dos pesares, era um local tangível. Facções separatistas ou grupos de resistência não seriam tão distantes da realidade (apesar de serem exacerbadas em Wildlands). Aurora é uma região “gamificada”. Quem são os cientistas que foram para lá? Eles não sabiam dos perigos? Eles são tão inocentes assim sendo que a comunidade científica tem todo um código de ética? E quem são os habitantes que formam a resistência? Como eles conseguiram as armas? São essas e tantas outras discrepâncias – como as regiões que deixam de ter uma transição natural para “aqui está a região de neve, aqui a floresta e aqui o pântano”, que me incomodam tanto.
Mas sejamos sinceros por um momento, se você jogou Wildlands e gostou, eu duvido que você tenha jogado pela história. E uma análise aprofundada das temáticas inseridas em Breakpoint vão muito além do escopo desse artigo. O que interessa para muitos é: ainda é “divertido” juntar uma galera e causar o caos? Bem… sim e não.
Por ser um jogador solo na maior parte do tempo por decisões pessoais, jogar Wildlands em coop não era a minha praia. Era muito caos, tiroteio desenfreado e adrenalina pura. Era um filme de ação filmado em um país da América Latina. Os meus companheiros de IA mais atrapalhavam do que ajudavam, e meus amigos preferiam gastar tempo batendo o carro em algum poste do que planejando missões furtivas (talvez precise de novos amigos).
Eu já entrei em Breakpoint com três pés atrás, pensando que seria mais do mesmo, que eu repetiria o caos desnecessário, que eu gastaria mais tempo pilotando carros com miniguns do que outra coisa. Pelo contrário, eu gastei mais tempo na tela do meu personagem. Trocando equipamento e armamentos por outros marginalmente melhores.
Este talvez seja o maior “pecado” de Breakpoint: a tentativa de se transformar em The Division e a parte que diz questão ao fato dele querer abranger o maior público possível em 2019. Cada arma e vestimenta tem um “gear level”. Quanto maior, mais potente. Simples, mas supérfluo demais para fazer alguma diferença. Não é um conceito que se casa bem com Ghost Recon e a quantidade de itens que você recebe é tão grande que você não sente que realiza nenhum tipo de progresso. Na verdade, parece que você perde tempo demais ajustando essas minuciosidades para derrotar os drones – felizmente os únicos inimigos que são afetados pelo Gear Level. E mesmo assim eles são insuportáveis de se derrotar sozinho.
Mas antes mesmos de derrotá-los você tem um inimigo maior pela frente: a interface de Breakpoint. Faz tempo que eu não vejo uma interface tão obtusa. Missões primárias, secundárias, uma loja de skins (que, por incrível que pareça, não e tão mercenária quanto dizem por aí, mas gostaria que não existisse), e obviamente um passe de batalha. Pois não há nada mais “2019” do que um passe de batalha com 50 níveis e um limite de serem completados até dezembro de 2019. Passei tanto tempo tentando entender quais missões avançavam a história que me senti de volta na tentativa pífia de organizar as minhas bolsas em Ultima VII (Se você não conhece a história por trás do gerenciamento de equipamento do jogo, recomendo o texto do Digital Antiquarian).
Mas ainda assim eu me sentia compelido a voltar para Breakpoint. Fechava por algumas horas e pensava “nossa, e como será que eu entro naquela fortaleza protegida para pegar uma arma nova? Ou como eu devo me posicionar para eliminar os guardas e aqueles drones?”. Você deve me achar louco por querer voltar a um jogo desses depois de descascar ele por tantos parágrafos, não é? Aí que entra o ponto-chave de Breakpoint. Para alguém que joga solo, e em dificuldades altas, é um excelentíssimo shooter.
As mecânicas de sobrevivência são sub-implementadas? Sem sombra de dúvidas. Se dependesse de mim o jogo teria um sistema de danos ainda mais realista, necessidade de se alimentar, a possibilidade de acampar mais robusta do que meros “buffs” para fadiga ou defesa, e jogaria para muito longe o mini-drone que uso para observar a movimentação dos inimigos.
Mas pela primeira vez em muitos anos na franquia eu me senti caçado, eu senti receio de entrar em uma fortaleza e ser alvejado. Não tinha companheiros de IA para me protegerem. Tudo estava nos meus ombros. É o lado do Ghost Recon (2001) que eu sentia falta, é o motivo pelo qual jogos como Stalker e Far Cry 2 ainda estão instalados no meu HD e não devem sair tão cedo dele. Eu quero me sentir desafiado, quero me sentir desesperado e quero que tudo e todos estejam contra mim.
Dezenas, quiçá centenas de vezes eu fugi de artilharia inimiga após ser visto. Uma corrida entre a vida e a morte, a esperança de quebrar contato visual com o inimigo, me camuflar e torcer para que uma das bombas não atingisse a minha cabeça. Eu senti sufoco, um sufoco que me fazia falta em Ghost Recon.
Eu não estou aqui para defender Ghost Recon Breakpoint. No máximo, digo que ele é um jogo de concessões. Sinto que a equipe da Ubisoft tentou ao máximo se manter fiel ao trailer original, mas que forças maiores e a demanda do mercado também pedem que eles adicionem decisões contraditórias ao que eu vejo do meu interesse em shooters.
Eu não consigo de coração recomendar a não ser para aqueles que estiverem dispostos a aturarem a sua interface confusa, a sua história medíocre e o bizarro sistema de equipamentos e níveis. Mas quando você está na floresta, cercado de inimigos – quando todos os elementos se encaixam – é que você vê a verdadeira face de Breakpoint. E, como falei no meu texto de The Surge 2, mais vale uma experiência inconsistente e até um pouco ambiciosa para os padrões “AAA” do que mais uma árvore de habilidades que não aglutina a nada. Ao menos Breakpoint tenta.
Ghost Recon Breakpoint
Total - 6
6
Breakpoint é um jogo de concessões. Ele tenta revigorar a franquia retornando-a às raízes, mas ao mesmo tempo precisa abranger o maior público possível. Ele é muitas vezes irritante, o sistema de “gear level” é desnecessário e os elementos de sobrevivência são subutilizados. Mas quando a ação se intensifica e você está à beira de perder tudo – por mais raro que isso possa ser – é quando ele mais brilha. Só queria que ele brilhasse um pouco mais.