Entre o teste beta e o lançamento de Fall Guys (Steam / PlayStation 4), dois diálogos bem acalorados ocorreram entre eu e um grupo de conhecidos. O primeiro foi um vídeo do Errant Signal sobre Fortnite. Nele o autor Christopher Franklin aponta como a Epic Games evoluiu o Battle Royale para garantir que ele seja atraente não só para os vencedores, mas também para os outros 99 jogadores que estão em uma partida. O segundo foi sobre jogos de tabuleiro solo, mais especificamente o B-17: Queen of the Skies publicado em 1991 pela Avalon Hill.
Apesar de estar ciente de que a parcela de jogadores de Fall Guys que tenha ouvido falar sobre B-17: Queen of the Skies seja mínima, eu o vejo como um excelente ponto de partida para uma pergunta que ecoou em minha cabeça toda vez que eu abria o jogo da Mediatonic: Até que ponto você está disposto a jogar algo sabendo que as chances de se frustrar nos minutos iniciais são grandes?
Para quem não conhece, B-17: Queen of the Skies é um board game solo onde você comanda um avião bombardeiro vindo do Reino Unido para atacar alvos na Alemanha nazista. Todo o seu sistema de regras gera uma aleatoriedade que pode fazer com que a sua primeira missão seja a última. Estes incluem visibilidade, quantidade de baterias antiaéreas, aviões inimigos, quantos aviões de escolta estão disponíveis ou até a manutenção da sua aeronave.
Coloco-o em foco pois vejo muitos dos elementos que me fazem jogar B-17: Queen of the Skies uma vez ou outra estarem diretamente ligados ao meu processo de interesse em jogar Fall Guys, e como isso começou a se deteriorar ao longo das partidas. O board game leva tempo para ser montado, o manual de regras é grosso, cheio de tabelas separadas, e tudo isso para uma missão que pode ir por água abaixo em minutos. O fato de Fall Guys ser digital e um Battle Royale remove esse processo, o que faz com que seus “modificadores” fiquem aparentes ainda mais rápido.
No momento da publicação deste artigo, o jogo da Mediatonic usa três modalidades para cada partida: corrida, sobrevivência, e eventos em equipe. O modo mais comum são as corridas e suas devidas variantes; são as mais intensas, com maior número de eliminados, e tendem a ser as primeiras a aparecer quando você começa a partida.
De início é super engraçado ver os bonequinhos voando para lá e para cá (e você junto com eles), ver alguém vestido de pombo sendo jogado para longe, outro de sanduíche tomando uma porrada de alguma banana gigante disparada de um canhão. Até mesmo você “sofrer” esses empecilhos é digno de gargalhadas.
Só que, como é um Battle Royale em primeiro lugar — tal como um “game as a service” — e não um party game, tenho sérias dificuldades em desassociar a noção de que eu preciso vencer a qualquer custo. E quanto mais eu jogava, mais os mesmos mapas apareciam, e os mesmos modificadores — roda moinhos, esteiras, portas falsas, jogos de memória, e afins — davam mais e mais as caras.
Sou uma pessoa competitiva, mas eu gosto de uma forma de competição indireta, seja via tabela de lideranças, ou time trials em jogos de corrida como Automobilista ou até Trackmania. Eu estou lá para vencer, mas ao mesmo tempo eu não me sinto frustrado em ficar em segundo ou terceiro lugar. Sei que tenho espaço para melhorar, refinar minhas técnicas e aprender com o mapa / pista. Espaço, este, que Fall Guys não me dá por ser, bem… caótico demais.
Na minha milésima partida em equipe —uma onde tenho que catar ovos e colocar na cesta da minha equipe — eu comecei a me cansar e me perguntar “por que diabos eu estou jogando isso? Por conta de uma coroa que vai me dar acesso a comprar um item cosmético na loja?” Pois, é claro, Fall Guys possui uma loja de itens cosméticos retirada do manual de Fortnite onde apenas os itens diários são mostrados para gerar a sensação de FOMO (Fear of Missing Out) do jogador — quiçá o ponto mais crítico e ganancioso do jogo.
Existe sim um grau de habilidade envolvida em vencer as partidas de Fall Guys — timing, precisão, entender como os mapas funcionam — mas ao mesmo tempo eles são tão cheios de armadilhas e artimanhas que não me trazem o incentivo de querer melhorar.
A meia dúzia de coroas que obtive até então é risível perto dos meus amigos. Tem um deles que já passou da metade da progressão do passe de temporada. Cheguei a me perguntar: estaria ele jogando pois gosta tanto assim de Fall Guys, ou porque a indústria nos condicionou ao longo desses últimos 13 anos a preencher barras para nos sentirmos momentaneamente felizes?
Agora, se comparado a outros Battle Royales que estão por aí, Fall Guys é de fato um ótimo jogo — um ar de frescor em um gênero até então dominado pelo tiroteio e matança. Só que mesmo com todos os esforços da Mediatonic em desenvolver um ambiente menos tóxico possível — e nisso os parabenizo e muito — a magia que ele traz consigo se dissipa rápido. As risadas ficam mais fracas, os exageros começam a se tornar ligeiros inconvenientes.
Depois de quase dez horas de jogo preferi tomar a posição de espectador; me peguei mais interessado em assistir outras pessoas jogarem Fall Guys e suas trapalhadas do que ter que enfrentá-las sozinho. E mesmo com um grupo de amigos ou amigas — o que devia ser mais leve ainda — ainda vira uma competição acirrada demais.
Volto momentaneamente para o vídeo de Christopher Franklin e como Fortnite gera “diversão” para os outros 99 jogadores de Fortnite. De acordo com ele, muito desse engajamento vem por meio de desafios não necessariamente ligados ao ato de vencer, elemento do qual Fall Guys carece no momento. Não vi situações onde eu podia criar a minha própria narrativa que fosse além de um “nossa, você viu aquela partida? Eu me estabaquei todo mas ainda peguei a coroa!”.
Não é a mesma narrativa que posso criar em jogos como The Cycle (Yager) onde posso me aliar com outros jogadores para completar objetivos, tampouco as dezenas de histórias que tenho de B-17 — que, por mais chato que seja montar o tabuleiro, me provia com uma história marcante, seja a vez que eu completei uma missão com o clima desfavorável ou com uma pequena escolta de aviões.
O que Fall Guys tem de que outros Battle Royales carecem é ‘momentum”. A escapatória das normas do que entendemos como um Battle Royale é a proposta perfeita para 2020 — ainda mais com o ano caótico que vivemos. O potencial dele crescer é imenso, mas a Mediatonic precisa aproveitar essa onda e começar a oferecer mais modificadores, mais mapas, mais variantes. Enfim, mais opções, para que a comunidade crie a sua própria experiência, sua própria narrativa.
A última coisa que quero é ser mais um no mar de 60 jogadores que correm desesperados para desviarem de bananas gigantes, portas falsas ou coletar ovos. É um tipo de diversão vápida demais para o meu gosto. Não duvido que uma hora eu volte para Fall Guys, seja por conta de atualizações ou por saudade, mas a partir de agora vai ser na base de conta gotas. Afinal, tudo que é demais faz mal.
Fall Guys
Total - 8
8
Bom
A atração e as risadas de Fall Guys duram tanto quanto a quantidade de mapas e variantes que estão disponíveis no lançamento. Basta algumas horas e você sente que já viu tudo e que você está repetindo ações e torcendo para que um “modificador” ou alguma aleatoriedade não faça você perder a partida. É um problema inerente de todo Battle Royale e de jogos que usam o modelo de “Games as a Service”. Entretanto, o potencial que ele tem para ser mais do que isso é imenso, e espero que a Mediatonic esteja enxergando isso para, quem sabe, começar a oferecer momentos mais marcantes do que meros estabacos ou gincanas vápidas.