Em meados de março de 2018 eu estava empolgadíssimo com o lançamento de State of Decay 2. State of Decay foi um dos meus jogos favoritos de zumbis — algo muito raro. A sequência prometia tudo que eu esperava: um mapa maior, maior variedade de inimigos, maior personalidade entre os seus sobreviventes. O resultado foi… abaixo do esperado, para dizer o mínimo. Ele tinha foco demais no coop, repetição demais, e simplesmente… não justificou a sua existência. Ironicamente, eu encontrei essa bizarra paz de espírito em Fade to Silence (Steam / GOG).
Para começar, eu já digo que Fade to Silence se adequa a todas as qualidades que eu vejo no termo – muitas vezes tratado como “pejorativo” – “eurojank”: jogos tipicamente feitos no leste ou no norte da Europa que não estão a par dos grandes lançamentos do mercado, e incluem coisas como uma movimentação peculiar ou um sistema de combate que poderia ter sido melhor refinado, mas que para muitos fazem parte do grande charme do jogo.
O game da Black Forest Games não tem quase nenhuma temática similar a State of Decay. Você acorda em um universo desconhecido, tenta decifrar o que aconteceu com você e as pessoas ao seu redor, e entender como o mundo foi tomado por uma uma eterna tempestade de neve. E digo mais, não é exatamente um jogo de sobrevivência; é também, um bizarro Harvest Moon pós-apocalíptico (antes que você fique empolgado, não tem nenhuma fazendinha carismática aqui, ao contrário dos games da Natsume).
Comecei a minha jornada esperando o pior – que eu ia morrer a cada segundo, ou que ia sofrer na mão dos inimigos. Mas esqueci de um pequeno detalhe — que eu sou uma pessoa metódica. Tudo em torno de Fade to Silence diz respeito aos mais tradicionais conceitos de sobrevivência: colete madeira para esquentar fogueiras, libere outposts para acessar novas áreas do mapa, e recrute sobreviventes.
Preparado com o meu fiel bloco de anotações e uma bela planilha de excel no segundo monitor, eu comecei a calcular quantidades. Quanto tempo posso permanecer na neve, quanto eu consumo de comida, quanto de comida era preciso para não passar fome. E por boa parte do jogo eu viajei sozinho, um conceito que vai no completo contrário do que Fade to Silence propõe. Ao invés de me sentir tenso com a possibilidade de morrer, eu me sentia tranquilo. Lentamente fazia viagens de ida e volta para o meu acampamento, coletava madeira de qualidade “pristine”, transformava-a na madeira usada para aquecer o meu vilarejo. Foi só depois de umas seis ou sete horas de jogo que eu lembrei que tinha de procurar os tais “seguidores” que evoluiriam meu acampamento, ao atingir uma área em que era praticamente impossível prosseguir sozinho. Eu mesmo me surpreendi como a Black Forest Games posicionou os poucos followers no mapa como eventos especiais, ao invés de um simples pedido de ajuda – pois inicialmente eu achei que era só mais um desafio de eliminar monstros após monstros.
Com os meus poucos seguidores agora no meu vilarejo, eu tinha o dobro de trabalho. Mais comida, mais fogueira, mais proteção. Estava tenso? Nada disso; eu já estava preparado. A maior ajuda que eles trouxeram, na realidade, era a oportunidade de designar áreas de corte e caça para manter um fluxo de matéria-prima que seria posteriormente refinada em equipamentos mais poderosos, como novas roupas de proteção contra a neve ou até trenós.
Quando os vi trabalharem quase sem descanso, algo acendeu dentro de mim. Eu não me importava mais com a história de Fade to Silence, com o motivo de eu ter acordado sem memória, com o bizarro ser que me acompanhava a cada passo que eu dava e caçoava das minhas tentativas de sobrevivência (bem irritante, por sinal). O que eu realmente queria era que as poucas pessoas que consegui salvar tivessem uma vida tranquila. Fade to Silence deixou de ser um jogo de sobrevivência, deixou de ser algo sobre o medo, mas se tornou pra mim uma oportunidade de dar um pouco de alento para essas pessoas.
Eu não tenho dúvidas de que a Black Forest Games tinha em mente manter o conceito de sobrevivência em primeiro lugar — tudo indica isso. O fato de perder vida caso fique tempo demais em uma nevasca, a necessidade de limpar certas áreas ou “outposts” em troca da sua vida. Até mesmo um ligeiro conceito de roguelite, onde você pode perder tudo ao morrer. Mas a abundância de recursos — dos mais básicos aos mais avançados — é tanta, que eu desliguei essa sensação de sobrevivência e preferi levar para esse aspecto pessoal.
Olhava para o pequeno vilarejo que construí e me sentia satisfeito. Até quando as hordas de inimigos avançavam neles — o que tende a acontecer mais para o final do game — eu estava tranquilo pois sabia que meus “seguidores” eram capazes de defendê-los, com minha ajuda. Falta fluidez ao combate, e isso pode gerar algum desconforto, mas assim que você pega as “manhas” de como gerenciar a stamina, ataques pesados e leves, mesmo esse “medo” se esvai.
Quando a ameaça ia embora, lá estava eu, de novo, observando meu vilarejo. Era a minha pequena conquista em um mundo tomado pela destruição. Nessas horas até me dá vontade de rir e pensar na reação de algum dos desenvolvedores (ou desenvolvedoras) ao olhar para a minha partida. “Pera aí, não era assim que tínhamos planejado.” Talvez eles não esperassem alguém tão metódico, sem medo ou pudor de usar ferramentas externas para auxiliar em jogos de mundo aberto.
Poderia dizer também que Fade to Silence não “cumpriu o seu propósito” dentro do contexto dos jogos de sobrevivência. Mas, em um gênero tão abarrotado de dezenas de itens colecionáveis, crafting, isso e aquilo, saber que eu posso estabelecer a minha base, lentamente expandi-la sem me preocupar tanto se fulaninho ou fulaninha vai morrer de fome pois eu já havia planejado todo esse processo, é um alívio.
Afinal, jogos são infinitamente subjetivos. Para alguns é puramente sobre o desafio, sobre tentar sobreviver nas piores condições possíveis. Para isso eu tenho The Long Dark, com sua estética e ambientação constantemente pessimistas. Fade to Silence, portanto, foi quase como o ato de respirar fundo e ver que as coisas não precisam ser tão ruins quanto se imagina.
E acredito que essa é uma ótima lição a ser levada para outros jogos de sobrevivência; o ato de sobreviver é apenas uma parcela do que compõe a experiência humana. Todos os dias sobrevivemos, ou como dizem por aí, “matamos um leão por dia”. O importante é o que vem em seguida – e o mais importante ainda, é a família que construímos, que nem sempre é aquela família biológica que temos ou tivemos um dia. Quem dera mais jogos pudessem abraçar essa temática ao invés do constante pessimismo que temos sobre um mundo sem salvação.
Fade to Silence
Total - 7.5
7.5
Fade to Silence inicialmente se apresenta como um jogo de sobrevivência, mas eu o defino melhor como um jogo de “esperança” - onde você expande o seu território, coleta recursos, e vê a sua comunidade florescer. Ele lembra ao jogador que o “fim” não significa ausência de esperança. É peculiar, às vezes inconsistente, mas uma interessante experiência para aqueles que buscam um novo olhar sobre a temática.