Poucos anos depois do que entendemos por “geração” — termo usado para definir o período de mercado de cada console — começar, tinha pontuado no meu texto de F1 2016 como a Codemasters deu os primeiros passos para se “redimir” do “abandono” da franquia F1. Com uma nova “geração” prestes começar, dizer que F1 2020 (Steam, PlayStation 4, Xbox One) é só a culminação de todos os anos de aprendizado seria um equívoco. A Codemasters não só aprendeu o que era fazer um jogo de e sobre a F1, ela também começou a se reconectar com o seu público.
Para contexto, vamos lembrar que no começo da geração (2013), simuladores como rFactor e iRacing ainda dominavam o mercado, que o cenário de eSports era pequeno e limitado a MOBAs ou a jogos com um histórico de competição muito mais longínquos — Starcraft, Counter-Strike, etc. F1 sequer entraria na lista, mas agora tem uma seção toda dedicada a eSports. Para isso a Codemasters precisou se adaptar, e se adaptar rápido.
Por conta disso, as mudanças de F1 2020 precisam ser tão bem categorizadas entre aquelas superficiais e aquelas mais complexas. F1 2020 é o ano onde a paridade entre volantes e controles ficou ainda mais próxima em termos de jogabilidade. Agora eu me sentia mais confortável em jogar modos como o “MyCarreer” ou “MyTeam” — uma das adições dessa versão — sem me preocupar em ter todo o trabalho de montar o volante.
Fico contente com isso pois ele se adapta melhor às minhas necessidades do dia a dia. Enquanto antes eu tinha 1000 horas por dia para correr uma temporada inteira, atualmente tenho que cuidar das responsabilidades do meu trabalho, site e afins. Opções como redução da quantidade de corridas com o corte de algumas pistas (que por acaso são algumas que eu não sinto prazer em correr) é um grande avanço para atrair uma gama maior de pessoas interessadas no jogo ou no esporte. Uma sacada que a Codemasters não teve no período transicional das gerações.
Creio que até esse ponto, se você acompanha os meus textos, olhe e fale “Ué, o Lucas agradecendo os diferentes modos de jogo, ele não gosta de complexidade?”. Claro que gosto, por isso que decidi jogar o modo “MyCarrer” e o modo “MyTeam” em diferentes configurações; o primeiro com o controle e o segundo no meu bom e velho G27.
O modo “MyCarrer” é o mais “abandonado” dessa versão. Poucas adições foram feitas a ele fora a melhor integração da F2 que traz consigo uma temporada inteira para você com mais tempo livre do que bom senso e volta com o sistema de “rivalidade” usado em F1 2017 ao invés da tentativa desastrosa de 2019.
Escolhi aqui fazer só parte da temporada da F2 e uma temporada reduzida da F1 para ter uma boa noção de como era pilotar com um controle e o feedback criado pela vibração ao passar sobre zebras ou sentir o carro derrapar. Como comentei antes, fiquei surpreso em ver que até as curvas mais complexas em pistas como Mônaco exigiam muito menos esforço da minha parte (com assistências ligadas, é claro). O modelo usado em 2019 tinha um peso desnecessário para os carros, mais parecia Fórmula Truck do que F1. Mas a coisa ficou boa mesmo quando entrei no “MyTeam”.
A ausência da narrativa desastrosa é explicada pela adição do “MyTeam”, construída em cima do já presente modo carreira. É uma primeira iteração — com muitas rebarbas, como entrevistas recicladas — de uma opção que vejo se tornar o “padrão” dos próximos jogos de F1. Como o nome indica, ao invés de você ter apenas de lidar com ser um piloto, também será preciso gerenciar a equipe em si. O modo vai mais que traduzir a “glória” de correr na F1, adicionando ainda mais contexto do porquê dessa glória.
Isso vem sendo uma crítica para todo e qualquer jogo de esporte automotivo dos últimos anos. São esportes que, ao serem assistidos na TV, fazem muita gente se perguntar “ok, aquela pessoa está em primeiro e a outra em último, mas por quê?”. E por mais que os comentaristas façam o trabalho deles (muitas vezes exemplar), ter um jogo para dar mais contexto, fora livros e outras formas de mídia, é uma senhora ajuda.
Mesmo que não chegue nas complexidades de Motorsport Manager, já dá uma ideia mais “realista” (com muitas aspas) nas diferentes peças que compõem uma equipe de F1 e qual a importância dela para que uma equipe seja vitoriosa. Você vai agradar os patrocinadores? E se houver uma quebra de contrato? Em que partes você vai investir primeiro para chegar no pódio? Perguntas que já eram feitas no modo carreira carregam um peso maior quando dinheiro e a reputação de uma empresa estão na linha. Claro que é uma versão muitíssimo higienizada do que se passa nos bastidores — isso é tanto uma constatação quanto uma crítica aos jogos de esporte em não quererem tratar de seus problemas, mas isso está fora do escopo deste texto.
Quando eu estava encarregado também das finanças da minha equipe, sabia que uma corrida como Spa-Francorchamps, um dos circuitos que, junto do GP da Austrália, eu mais desgosto na temporada, carregava um peso maior.
Fui menos ambicioso na temporada, fiquei na maioria das corridas na meiuca (o grandioso midfield, onde a maioria das ultrapassagens ocorre) e senti o quanto a Codemasters se esforçou para melhorar a qualidade das pistas. Quem joga em volante vai, por exemplo, notar que não dá para “abusar” mais de certas zebras para ganhar uns segundos a mais na volta, constatação que faço após testes e mais testes de telemetria nas configurações padrões dos carros de F1 2019 e F1 2020; a nova versão me fez reaprender muito circuitos na base da marra e do ódio. É complicado ter de lidar com a ideia de que uma roda em cima da zebra errada e uma configuração diferente no veículo (aerodinâmica, downforce, ativação ou não do ERS, caixa de marcha, centro de gravidade) podiam acabar com a corrida. Mais uma vez, pontos muito bem transportados para a sensação de Force Feedback do volante com as devidas limitações que o jogo dá. Ou seja, não espere que F1 tenha virado iRacing. Ele não é, e jamais vai ser, mas é bom saber que um futuro de eSports está sendo construído com pistas mais realistas além do ponto de vista visual.
Abro parênteses aqui para refletir até sobre o próprio conceito da “glória” da F1 que mencionei. Não tenho ídolos, assisto às corridas menos pelos pilotos e mais pelas máquinas, pelo avanço tecnológico trazido a cada temporada (isto inclui o halo usado nos últimos modelos e eu continuo a achá-lo horrível, ok?). A glória trazida pelo “MyTeam” era sobre eu superar os meus limites e não se eu estava na frente de fulano. É uma boa desassociação a se fazer pois narrativas e “rivalidades” dentro desse esporte às vezes são ditadas pela mídia — uma da qual faço parte — e próprias assessorias ao invés de serem genuínas. Lembrando que por mais que F1 seja um esporte, o lucro das empresas com merchandising e outros apetrechos fala mais alto. Óbvio que os pilotos são importantes, mas a forma como são tratados pela mídia precisa ser revista. Mais uma vez, outro tema que foge um pouco demais da temática deste artigo.
Mas essa é a realidade, não dá para separar F1 esporte e F1 marca, e trabalhar com marcas é complicado. A última coisa que uma empresa quer é ter a sua imagem manchada por terceiros — se bem que a FIA faz isso sozinha ao retomar as corridas em meio uma pandemia, já que rico não quer botar a mão no bolso. Dentro desse escopo limitadíssimo, a equipe da Codemasters ainda consegue encontrar um ângulo para desenvolver F1 sem que ele caia na horrível homogeneização que os jogos esportivos sofreram nessa geração e sem sucumbir ao esquemas predatórios como Ultimate Team ou a próxima patifaria que for inventada para arrancar dinheiro dos jogadores.
Como desenvolvedores, eu os saúdo. Não é fácil atingir tal feito, tampouco conviver com os erros que foram cometidos nos últimos anos e dar uma guinada, transformando um jogo até então ignorado ou esquecido em algo memorável e acessível. Parte de mim ainda fica um pouco triste de saber que não teremos avanços mais complexos como um sistema de telemetria interna como visto em simuladores para entusiastas — o que faz com que muitas dúvidas fiquem no ar sobre quais partes estão sendo simuladas ou não, sejam elas as partes internas e externas dos pneus e mais informações sobre o sistema de frenagem.
Todavia, onde fecha uma geração significa o começo de outra. Se a Codemasters planeja essa guinada para o mundo de eSports como visto em F1 2020, uma hora isso vai ter que mudar. As sementes foram plantadas nessa versão, agora é ver elas germinarem e conversarmos sobre os resultados daqui a três anos.
Até lá, F1 2020 vai se manter como a minha referência para um jogo esportivo com corridas de alto calibre que consegue atender a dois públicos e ainda oferecer um grau de personalização e identidade para o jogador que empresas como EA e 2K ainda sonham em alcançar.
F1 2020
Total - 9.5
9.5
Excelente
A equipe da Codemasters fecha essa geração com um F1 2020 que chega nos limites do que é trabalhar com uma marca e reter a identidade. Anos de refinação e ajustes em diferentes modos abrem espaço para um futuro mais promissor para fãs do esporte, nem que seja só no meio digital dos eSports. Um jogo que põe na balança facilidade de aprendizagem e fãs entusiastas sem pender demais para nenhum dos lados e até dá pitadas sobre a contextualização do que é “ter uma equipe de F1”.