Ei de defender hoje e sempre que geração procedural pode ser uma ótima ferramenta complementar para um jogo cujo design está muito bem fundamentado em elementos que não sejam tão dependentes dela. Extinction (Steam, Xbox One, PlayStation 4) deveria, merecia ter sido esse caso. Mas é aquela velha história: quanto maior a ambição, maior a queda.
Gigantes são a temática por trás do game da Iron Galaxy, que se apoia em um mundo ameaçado pelos Ravenii — imensos ogros capazes de destruir cidades — para contar a história do sentinela Avill e sua companheira Xandra. Quando digo história, no entanto, posso estar sendo gentil demais, já que a Iron Galaxy não faz o menor esforço para esconder o fato de que a narrativa só está lá porque ela “precisava” de alguma motivação para que o jogador gaste seu tempo derrotando os monstros.
Tamanha é a desconexão entre o que acontece na história e o que de fato é mostrado na tela que é difícil não se sentir incomodado. A grande maioria das missões gira em torno da defesa de cidades — algumas das quais podem abrigar importantes edificações, e outras que servem como frente de defesa para repelir a invasão dos Ravenii. Na prática todas elas parecem praticamente iguais em questões arquitetônicas, sendo a diferença somente em tamanho ou disposição dos edifícios.
Não há como me vender a ideia de que aquela cidade de fato abriga uma construção importante ou é crucial para a sobrevivência da civilização sem nem mesmo me apontar em que aspecto ela difere da outra cidade que eu acabei de salvar cinco minutos atrás. Por isso que eu não me apeteço por “campanhas” geradas proceduralmente; se você quer transmitir uma real noção de que a cidade que você defende é relevante, é preciso que haja algo visual que indique isso. E nessas horas, nada melhor do que um toque humano e não o de uma máquina.
A situação não melhora quando se percebe que os Ravenii não são bem uma ameaça. Vê-los pela primeira vez traz um certo desespero, aquela sensação de “Como eu vou fazer para derrotar isso?”. Bem, você enche a barra do golpe especial ao fazer tarefas pelo mapa ou remover as armaduras dos Ravenii, aperta um botão e corta a cabeça deles. Fim, não há nada mais do que isso. Hora de ir para o próximo Ravenii que vai aparecer segundos após a morte de seu antecessor.
A ideia, creio eu, ao menos no âmbito da campanha, era passar alguma noção de desespero — mas não dá para levar Extinction a sério o suficiente para isso. O pilar que o sustenta é a jogabilidade, não a narrativa, e isso faz a campanha ser de certa forma supérflua. Entretanto, você vai ter que jogá-la se quiser fazer alguma pontuação decente nos modos adicionais — que incluem um modo horda, desafios diários e um gerador de missões dinâmicas — graças ao entediante sistema de progressão e habilidades.
Ainda tento descobrir a linha de raciocínio por trás de unificar o sistema de progressão da campanha com os modos adicionais sendo que ambos diferem em tom e proposta. Não só isso, mas é a existência do mesmo que prejudica, e muito, o ritmo e algumas mecânicas do game.
Uma das maneiras de aumentar a barra do golpe especial é pelo resgate de civis localizados próximos a cristais de teleporte no mapa. Ao começar a campanha o jogador está terrivelmente fraco e sem nenhuma habilidade, fazendo com que ele tenha de eliminar inimigos menores — os jackals — antes que eles matem os civis. Gaste alguns pontos para subir a “velocidade de ativação do cristal” e você não precisará se importar em matar ninguém exceto os Ravenii.
A descoberta veio depois de eu gastar pontos e mais pontos de habilidade no sistema de combos, que antes presumia ser o elemento principal de Extinction, dado o portfólio da Iron Galaxy com Killer Instinct e Divekick. Ainda é um ótimo sistema, mas completamente subutilizado por conta de problemas de balanceamento.
Imagine correr contra o tempo, saber que os Jackals menores podem ser eliminados com dois ou três golpes, porém os maiores podem demorar até 15. Para que alguém iria se preocupar com eles se resgatar os civis é muito mais rápido? É um elemento a menos que Extinction tem a oferecer para o jogador.
Creio que isso não necessariamente teria acontecido se a campanha em si fosse desenvolvida separadamente dos modos adicionais, tendo assim liberdade para concentrar o foco em si na narrativa, em explicar a história de Avil, dos Ravenii, e de como a humanidade chegou naquele ponto. Quem sabe cadenciar as batalhas para que elas não acabassem tão cedo e pudessem trazer o senso de desespero que tanto almejam.
Perceba como quase nenhum jogo que usa geração procedural se apoia demais na narrativa: Binding of Isaac o usa para mapear as fases, idem para Downwell ou Superflight. Roguelikes como Caves of Qud descrevem sua história pelo ambiente e nunca de forma abrangente — fazendo com que uma run dê motivos para voltar a jogá-lo. Games como A Robot Named Fight são a incrível exceção de como se fazer um metroidvania com elementos de roguelike. Novamente, todos oferecem ênfase na jogabilidade, na ação do momento-para-momento — seja via variedade de inimigos, mecânicas, ou formas possíveis de solucionar uma situação (combate, puzzle, uso de magia ou não, etc).
Não sei se em algum ponto existiu essa necessidade de pensamento situacional em Extinction, um que fizesse o jogador refletir sobre o trajeto que ele faria até um Ravenii, ou se deveria ou não eliminar um Jackal. Mas aponto a narrativa como o principal motivo pelo qual tenho que jogar Extinction no modo “automático”, já que a atual junção das mecânicas e o loop de gameplay raramente pede mais do que apertar dois ou três botões. Esquivar? Combos? Esquece, não perde seu tempo com isso. Presta atenção na história, isso é que “importa”.
Culpo a própria ambição da Iron Galaxy como o motivo pelo qual Extinction foi lançado desse jeito. É o primoroso exemplo do que muitas vezes é citado como “feature creep” — a necessidade de uma história para justificar os atos do jogador, essa demanda de que tudo tem de ser explicado, cinemáticas e tudo mais. Nem todo jogo precisa disso — aliás, diria que muitos deles seriam melhores sem isso.
Para fins de exemplo, dois dos meus jogos favoritos do ano passado foram Torment X Punisher e Nex Machina. Gastei inúmeras horas na tabela de liderança e até agora não sei o que diabos acontece na história (e nem sei se tem uma). Cito também o ótimo Cryptark, que trouxe uma campanha com elementos de roguelike, não atropelou a história e prove variedade de cenários (no caso de gigantescas naves a serem exploradas) com uma boa justificativa por trás de cada uma delas.
Que tal diminuirmos um pouco o escopo de Extinction? Imagine isso: Você é um sentinela, tem de matar monstros, ponto final. Pronto, agora você tem alguns modos de jogo como hordas e skirmish, desafios diários e quem sabe um novo sistema de progressão que não seja motivado por uma campanha e que não reduza a importância de elementos como a eliminação de Jackals (e consequentemente o sistema de combos). Até a geração procedural ajudaria nesse caso já que não há uma conexão com a narrativa em si, fazendo com que o formato e a disposição de construções das cidades tivessem menos importância.
Soou simples? Eu sei, mas seria mais condizente com a proposta do que eu vejo em Extinction. O uso de geração procedural — quem sabe um pouco mais robusta e voltada para a criação de armadilhas para o jogador — entraria como um ótimo complemento para dar variedade para esses modos. Afinal, é para isso que a geração procedural serve: complemento.
Extinction é um dos recentes casos onde a narrativa prejudica muito o ritmo do combate; aliás, melhor dizendo, o ritmo de tudo, para ser completamente honesto. Na ansiedade em querer prover “conteúdo” em relação ao valor cobrado pelo jogo — algo que eu sou contra — a Iron Galaxy atropela o que poderia ter sido em algum ponto do desenvolvimento um jogo muito mais arredondado em questões de design.
Desenvolvedores, por favor, coloquem uma coisa na cabeça: nem todo jogo precisa ser um “AAA” (termo que abomino), nem precisa ter uma história superdesenvolvida, cinemáticas, tramas de “origem de um herói”. As vezes só queremos matar uns monstros e não sermos perturbados. Extinction estava com a faca e o queijo na mão, mas preferiu largá-las e fazer um hambúrguer gigante. Um que é difícil de engolir.
Extinction
Total - 5
5
Ambição demais, narrativa desconectada do gameplay junto a um sistema de progressão que mais prejudica do que ajuda são as grandes falhas de Extinction. “Menos é mais” é uma frase que cai muito bem para o caso, e a proposta que deveria ter sido seguida pela Iron Galaxy.