Poucas coisas me fascinam tanto quanto um RPG que me faz ter sentimentos que vão de “Céus, por que isso não acaba” para horas depois eu soltar um “Não, pera, por favor, não acabe”. Cada vez mais o gênero tem sido menos presente na minha vida, dado as suas longas horas, história densa e algumas vezes carente de uma boa tesourada na edição. Expeditions: Rome da Logic Artists (Steam / GOG) e suas mais de 80h de duração teriam caído muito bem nessa categoria, mas a força que ele tem em te prender é desigual. Bem, te prender e te perder. É uma interação complicada.
O terceiro jogo da franquia – uma pela qual eu tive sempre apreço, por tentar se destacar, desde Conquistador até Viking – é o mais seguro dos três. Afinal, Roma pode não ser um tema muito presente em RPGs, mas é proeminente o suficiente em outros tipos de mídia que você já cria uma certa expectativa do que vai ser. É aí que a Logic Artists entra com a sua magia e quebra a maioria dessas expectativas.
A desenvolvedora não esconde o pouco interesse em manter algum grau de autenticidade ou plausibilidade histórica. A estrutura social de Roma como República é mantida, mas a história em si diverge muito dos acontecimentos da história de Roma, sendo ela mais focada no jogador e seus companheiros.
O conceito em si é interessante pois ele é uma “power fantasy” de ser um Legado / Legatus (comandante de uma legião Romana) ao mesmo tempo que ele arranca essa noção de poder. Este artigo não é espaço para discutir os pormenores da multiplicidade e evolução das legiões de Roma, mas o pano de fundo de seu personagem indica no mínimo que ele vinha de uma família com uma certa influência no senado. Tanto que o pontapé inicial da história é o assassinato do seu pai e a sua fuga de Roma.
A partir daí é te dada de mãos beijadas uma legião de Roma (como se fosse fácil assim) e a missão de conquistar a Ásia Menor. Ainda nessa mesma batida o jogo faz questão de te lembrar a todo tempo que Roma não era amigável com os seus vizinhos ou vassalos. Era chegar em um lugar e lá vinham os “Ó lá esses Romanos enchendo o saco de novo”, e eu querendo enfiar a cara em um buraco e responder “É, né, desculpa ser assim e tal” — chegava a ser engraçado se não fosse trágico.
É nesta ponte entre o poder e a ausência dele que Expeditions: Rome consegue encontrar a sua linha narrativa e também extrair as suas principais mecânicas. Nelas você também vê esse conceito de “fantasia invertida”, mas de um ponto de vista tanto pessoal quanto impessoal.
Como explorado em outros jogos da franquia Expedition, a conquista territorial é um dos alicerces para empurrar a história para frente. A região onde cada capítulo da história se passa é dividida em setores que devem ser conquistados para avançar. O sistema em si vai um pouco além do que Expeditions: Vikings fazia, mas ainda acaba gerando um pouco (ou um tanto dependendo do nível de dificuldade) de tédio.
Em suma você escolhe a legião, a envia para locais determinados (cidades ou fortes), inicia uma batalha que é mais próxima de um minigame do que uma batalha estratégica em si e vê os resultados pipocarem na sua tela. Depois disso você ainda tem que passar por uma quest ou missão de pacificação. Estas últimas são batalhas táticas — sobre as quais falarei mais em breve — ou em alguns casos só mais um minigame de mover legião para um ponto e esperar o tempo passar.
Nessas horas eu só queria falar “Ok, será que podemos integrar essa parte com o Total War: Rome 2”?. Eu sou um fã de longa data de jogos de estratégia, portanto esse aspecto gerava uma desconexão forte com a proposta de Expeditions: Rome: era impessoal demais. Raramente havia riscos, a não ser os números das minhas tropas diminuírem ou aumentarem de acordo com a batalha. Mas toda vez que isso estava prestes a desabar e tirar a minha vontade de jogar Expeditions: Rome, a Logic Artists jogava a carta na manga que me puxava de volta: os seus personagens.
Por mais que alguns deles não fujam do estereótipo da sua típica composição de um grupo de “Dungeons & Dragons”, como o “bárbaro” que quer solucionar tudo na porrada, a ladina que visa uma aproximação mais furtiva, o guerreiro que está ali do seu lado para toda e qualquer batalha (claro que todos adaptados para os equivalentes dessas classes na temática romana) — eles funcionam como um imenso alicerce, ao serem os seus únicos amigos ao longo de múltiplas campanhas.
Pois no fundo, eu sempre me sentia sozinho ao longo da história do RPG. Eu ganhei o título de Legato pela posição do meu pai na política romana, as conquistas que eu tive não eram necessariamente frutos dos meus esforços mas sim um conjunto de fatores, muitos deles enraizados no privilégio de ser um cidadão de Roma – já que uma história sobre Roma raramente pode ser contada sem um ponto de vista de privilégio devido à estrutura da sua sociedade na época. Cada batalha e cada triunfo só era mais importante para mim quando os meus companheiros estavam são e salvos.
Lá pela metade de Expeditions: Rome, eu estava mais preocupado em garantir a felicidade deles do que mais uma conquista territorial para Roma. Me sinto surpreso com essa interação, já que eu sinto um profundo desinteresse para com os personagens de um RPG, seja pela forma que eles são inseridos ou impostos para mim na história, seja pelo meu interesse em me focar mais na minha história.
Todavia lá estavam, cada vez mais ocupando um espaço maior no meu coração, colaborando com a narrativa geral que ocorre entre os capítulos e fazendo os mesmos serem mais envolventes. Eu voltava de algum evento impactante sedento para descobrir a opinião dos meus companheiros. Creio que eu cresci emocionalmente no jogo tanto quanto eles.
Fico até aliviado de tê-los como alicerce para as minhas ações, pois Expeditions: Rome tem um grau competente de escolha e consequência que sabe quando te pegar desprevenido. Em uma altura do jogo, durante a conquista da África, eu tomei uma decisão meio apressada e sem pensar no impacto que isso teria ao longo da partida. Era tarde da noite e eu só queria “terminar” aquela seção do jogo – quiçá uma das mais longas e mais tortuosas. Assim que eu notei o que eu tinha feito eu me senti mal, péssimo. Foi uma decisão estúpida, e mesmo enquanto eu estou escrevendo esse texto, ainda me sinto culpado por ela. Se isso não é o traço de um bom RPG, eu não sei o que é.
Mas não é só de batalhas “grandiosas” que mais parecem mini games e de personagens que Expeditions: Rome se carrega. Uma grande parcela dele está ligada ao seu combate tático, que pode ser igualmente fantástico e frustrante.
Seguindo a tradição da série Expeditions, pode ter certeza que Rome não vai segurar a sua mão e dizer o que fazer a cada minuto. Preste atenção nos tutoriais iniciais e veja como moldar a sua equipe para não acabar penalizado no resto da trama. É um conceito que eu vejo como deveras interessante pois, a um primeiro olhar ele é relativamente simples — três classes base com três subclasses — mas a mistureba que você pode – e deve – fazer para que os elementos básicos dialoguem entre si é fantástica.
Toda classe e subclasse é viável de uma forma ou outra, e o combate requer o dobro ou o triplo de atenção do que os outros jogos da franquia Expeditions. Grande parte disso está ligada à fantástica melhoria da IA que a Logic Artists atingiu com Rome. Nada mais dessa história de seus oponentes ficarem ilhados ou isolados. Eles não hesitam em usar habilidades especiais, se curarem (o que alguns podem ver como um ponto negativo), ou negarem uma zona de controle de você com fogo ou nuvens de veneno, que force você a se desdobrar para encontrar um caminho viável.
Um dos melhores exemplos que Expeditions: Rome dá do combate em ação são as batalhas de cerco. Separadas em etapas, você precisa usar toda ferramenta que está a sua disposição para vencê-las. Algumas etapas envolvem eliminar uma ponte com um limite de turnos ou segurar a retaguarda enquanto suas tropas avançam. Escolhas cruciais eram feitas a cada turno, como por exemplo, usar a classe Veles para eliminar inimigos mais fracos — restaurando pontos de ação — para causar um dano alto nos inimigos mais fortes. Em meio a isto, os meus arqueiros lançavam flechas que causavam envenenamento e a minha linha de frente, formada primariamente por soldados munidos de escudos, tentava isolar os inimigos com fogo grego ou colocando armadilhas para fazê-los sangrar. É um sistema fantástico e, quiçá, um dos maiores avanços de Expeditions: Rome em comparação aos anteriores.
O maior problema do sistema não está relacionado necessariamente a ele, mas sim à longevidade de Expeditions: Rome. É um RPG longo, longo demais para certos sistemas sobreviverem à marcha de mais de 80h de jogo. O sistema tático começa muito bem no primeiro ato, já que sempre há um novo conceito a ser explorado. Assim que o segundo ato começa na África, ele dá uma desacelerada tão absurda que a vontade é de se arrastar para ver o final do ato – esse sendo um dos motivos que geraram a minha decisão estúpida mencionada antes.
Só na Gália, o terceiro ato do jogo, é que essa parte reencontra o seu ritmo — você tem acesso a armamentos mais “únicos” e situações mais interessantes do que encontros aleatórios pelo mapa ou batalhas com objetivos mais estrategicamente peculiares. Mas, mesmo quando o ritmo retorna ao esperado, você ainda tem que lidar com algumas decisões de design um tanto quanto questionáveis.
Uma das “manchas” dessa impessoalidade que Expeditions: Rome carrega é vista no seu sistema de legionários e centuriões. Essa é como uma “equipe secundária” que atua nas missões de pacificação e na liderança das suas tropas durante as batalhas. O que acontece na realidade é que você temr mais 10 personagens de que você precisa “tomar conta”, e que não contribuem em nada para a narrativa. Quando digo tomar conta isso inclui: escolher o tipo de equipamento, atribuir habilidades, definir que tipo de subclasse eles vão seguir. O sistema já tinha dado as caras em menor escala em Expeditions: Vikings, mas a tentativa de torná-lo mais proeminente para o jogador em Rome sai como um tiro pela culatra.
Por exemplo, uma missão de pacificação de uma região pode ser uma batalha tática. Nela, ao invés de levar os seus companheiros para batalha, você deve designar apenas um companheiro, e o resto será composto de legionários cujo nome você já esqueceu faz horas. Ora, você acha que eu dava importância se fulano ou sicrano morria? Claro que não; minha preocupação era com o meu companheiro. Se o inimigo tacasse fogo nos legionários, os envenenasse, os enchesse de flecha, eu sequer me importava. Meu companheiro saiu vivo? Ótimo.
Uma parte de mim acredita que a Logic Artists queria explorar a temática da impessoalidade da guerra por meio desse sistema de legionários, mas tudo o que ela conseguiu foi criar algo banal e muitas vezes irritante.
Para piorar a situação, o jogo usa um dos piores sistemas de crafting e equipamento que eu vi em um RPG em recente memória. Não há como separar as diferentes armas por categoria e cada uma delas possui habilidades específicas que são atribuídas a elas quando você as cria no seu acampamento ou quando acha no campo de batalha. Agora pense no trabalho que é manter todos os seus companheiros com as armas corretas (que por algum motivo bizarro são removidas em certas cenas, forçando você a reorganizar tudo), a sua equipe de legionários, e saber qual das cinco “Gladius III” no seu inventário é a que tem a combinação de habilidades que condiz com as suas táticas.
A minha maior sorte nesse quesito foi ser uma pessoa um tanto quanto curiosa e fuçar cada canto do mapa para encontrar armas “lendárias” com atributos especiais. Elas carregaram boa parte da minha equipe pelo resto da campanha. Caso eu não tivesse feito isso, acredito que as horas de jogo de Expeditions: Rome teriam sido dobradas ou até triplicadas. Sim, esse é o tempo que você gasta criando itens no seu acampamento – que leva tempo – e ajustando para a composição da sua equipe.
Seria Expeditions: Rome um jogo melhor se esse sistema fosse cortado ou a duração dele sido reduzida? Em partes sim, mas um jogo melhor não significa um jogo mais interessante. Ainda que eu critique como ele se “perde” na seção da África, encurtá-la significaria fazer que as suas maiores reviravoltas tivessem um menor impacto. Aumentar a quantidade de quests secundárias deixaria alguns elementos menos maçantes? Sim, mas também iria dividir ainda mais a minha atenção e até mesmo fazer com que eu ignorasse certas falhas do jogo.
E está tudo bem um jogo ter seus altos e baixos – e Expeditions: Rome tem baixos muito baixos na mesma quantidade que tem altos muito altos. Ele pode lá durar as suas 80h e não manter sempre a qualidade, mas se não fosse por essas 80h, eu teria me conectado como me conectei com os personagens? Estaria tão intrigado pela narrativa central e pelas narrativas secundárias que me foram apresentadas? Eu sou a última pessoa a dizer isso, mas às vezes um RPG precisa de tempo para florescer. Expeditions: Rome não tem receio de tomar esse tempo, mesmo que eu não concorde com muitas das suas decisões e acredite que algumas melhorias na interface de equipamentos são mais do que necessárias.
“Por favor, não acabe”; é uma frase que reservo para RPGs como Pillars of Eternity, Pathfinder, Baldur’s Gate e tantos outros clássicos; não é uma que eu esperava falar com Expeditions: Rome.
Mas é a partir dessa interação complicada — pessoal e impessoal, de privilégio e de fantasia de poder e a usurpação dos mesmos — que Expeditions: Rome consegue cravar a sua identidade. Ele segura a sua mão e diz “a viagem nem sempre vai ser agradável, mas ela vai valer a pena”. Expeditions: Rome faz valer a pena, mesmo quando tropeça feio no meio do caminho.
Expeditions: Rome
Total - 9
9
Expeditions: Rome pega o que pode ser lido como uma “temática segura” e a explora de formas diferentes, cria inter-relações sobre aspectos pessoais e impessoais, fantasia de poder e privilégio. Nem sempre é consistente ou acerta o objetivo que almeja no que diz respeito às mecânicas, mas ainda é um excelentíssimo RPG e mais um grande passo no amadurecimento da Logic Artists como desenvolvedora.