Rogue-lites, Rogue-lites, não sei mais o que pensar de vocês. Tantas ideias boas jogadas para a geração procedural e com resultados controversos. O próximo a cair na armadilha é Everspace da ROCKFISH Games. Disponível no Steam por R$55,99, ele é capaz de ao mesmo tempo se sabotar e desengonçadamente dar a volta por cima dos problemas.
Como já apontei em textos como o de Strafe e Domina, o problema com rogue-lites não é necessariamente a geração procedural, mas a forma com que eles tratam a progressão. Everspace segue o caminho de “morra algumas vezes para conseguir bastante créditos para melhorar a sua nave”. Em tese é um caminho confiável de se seguir seguir quando há tem balanceamento, o que infelizmente não é visto no design optado pela Rockfish.
Everspace aleija o jogador sem entrelaçar o motivo na temática estabelecida na história de ump piloto que acorda sem memória no meio de uma galáxia desconhecida. Para a trama uma nave avariada por ataques faria sentido, mas não é o caso. A nave está novinha em folha, apenas terrível de ser pilotada e controlada.
Formada por desenvolvedores de Galaxy on Fire, não é de se impressionar que Everspace veste a camisa de ser um jogo completamente arcade onde o controle da nave é mais direto possível, mas isso não justifica a velocidade, taxa de curva e disparo dos equipamentos. Os primeiros minutos, ou horas se tiver azar com a geração procedural, são profundamente irritantes.
É como tentar competir corrida entre um carro e um caminhão ou entrar em confronto com um caça usando um bombardeiro. Tudo é lento, os sistemas são lentos, a recarga de escudo é lenta, ir de ponto “A” a “B” me lembrava os momentos em que tentei gostar da exploração de Elite Dangerous. O jogo da Frontier ao menos serve como uma boa desculpa para se ouvir podcasts, no caso de Everspace você ainda precisa ficar atento para não morrer.
A fraqueza da nave ao explorar e combater inimigos se desenrola em um segundo problema, o conteúdo em si. O espaço nem sempre é um bom cenário para um jogo com geração procedural. Por ser demasiadamente aberto, já se perde a primeira oportunidade de surpreender o jogador com nos layouts — como fazem Strafe, Spelunky, Sublevel Zero e tantos outros — e tem então de apoiar-se no que está presente naquele espaço para fazer a viagem valer a pena.
Everspace é dividido por zonas, cada um com um determinado número de mapas e temáticas. A primeira zona, como de costume, é a mais fácil e a que mais prejudica no quesito repetição. As horas iniciais se resumem em “Mapa ‘A’ tem uma nave grande, mapa ‘B’ tem uma estação de recarga e mapa ‘C’ alguns piratas”. Repita isso trinta vezes e o defeito fica aparente.
O próprio conteúdo não é mostrado até que o jogador comece a pegar melhorias significativas. Novas zonas para explorar? Nem pensar, é entrar em uma delas e ser dizimado em segundos por uma corvette ou algum caça com escudos e armas bem mais poderosas. O resultado da barreira de conteúdo são “runs” com a sensação de mesmice que nem os objetivos aleatórios — uma boa sacada da ROCKFISH — consegue tirar.
Depois de umas boas horas investidas em melhorias de equipamento, maior velocidade para a nave e menor duração de recarga do escudo é que Everspace finalmente diz ao que veio. Novos tipos de naves aparecem, destroços garantem mais variedade de armas, itens consumíveis e habilidades ativas, e o motivo de existirem objetivos aleatórios finalmente faz sentido.
Quando o jogo julgou que eu estava “preparado” para novos desafios a geração de mapas fez sentido. No lugar de cargueiros apareciam destroços com armadilhas onde um controle preciso da nave era requerimento e uma ótima maneira de limitar a movimentação do jogador e colocá-lo em um ambiente inesperado. Depois disso começaram a aparecer torres de defesa, baús que precisavam de chaves para serem abertos e pilotos “Elite” — que recompensavam uma maior quantidade de créditos.
Até mesmo o combate, um dos pontos que estava pronto para criticar, ganhou um outro ritmo. Torres que disparavam mísseis finalmente demonstravam a necessidade de habilidades e consumíveis. Danos ao sistema de radar ou aos motores me faziam considerar alternativas para consertar a minha nave — como transformar uma das armas em matéria-prima e torcer para que na próxima zona tenha um cargueiro de troca. Por que ao menos não dar um “gostinho” do que vem pela frente ao invés de deixar tudo para a sorte? “Quem sabe alguém jogue o suficiente para ver isso”, é o que me diz Everspace.
Certos desenvolvedores, como acontece com a ROCKFISH, têm uma necessidade tão grande de gerar valor e “tempo de jogo” que se esquecem que auxílios e melhorias são literalmente o que as palavras indicam. Ferramentas que servem para complementar a habilidade ou dar uma ligeira vantagem para o jogador e não a usá-las em detrimento da sua experiência.
Exemplos de jogos que propõem o uso de barreiras de progressão em rogue-lites com bons resultados é o que não faltam. Spelunky gera tensão por um timer invisível que instiga o jogador a dar saltos certeiros, priorizar que áreas do mapa explorar e se aperfeiçoar antes que um fantasma apareça. Risk of Rain aumenta a dificuldade de cada área também de acordo com um timer, o que reforça a necessidades de escolhas. “Devo acessar o portal para a próxima área ou me arriscar a pegar uma melhoria mesmo sabendo que isso pode significar a morte?”, uma dualidade muito mais relevante do que “Minha nave está fraca então eu acho que vou morrer e com os créditos obtidos nessa run melhorar partes dela”.
O tempo gasto para atravessar a maldita barreira de conteúdo de Everspace poderia ter sido melhor aproveitado, por exemplo, para jogar o excelente House of The Dying Sun com sua campanha curta e focada na ação. Quem sabe preparar um almoço, um café, tomar um banho, levar o cachorro para passear, tirar um cochilo. Nenhuma dessas opções tiraria o mérito de que Everspace é um jogo bom. Muito pelo contrário, melhorar a cadência de conteúdo só iria me fazer gostar dele ainda mais.
Minhas críticas ao jogo teriam sido possivelmente mais brandas caso tivesse meus 15/16 anos, onde eu tinha tempo de sobra para “grindar” por créditos e obter melhorias marginais. Gosto quando jogos respeitam o meu tempo e, por mais belo que Everspace seja — e é inegável o impressionante trabalho visual da ROCKFISH com a Unreal Engine 4 — ele não respeita o meu.
Mais uma vez vejo um jogo fruto de uma indústria que a todo custo tenta vender o seu peixe com conteúdo e estende o tempo de jogo de maneiras artificiais sem considerar as desvantagens. De jogos “open world”, sidequests desnecessárias e Rogue-lites que acabam com a paciência de qualquer ser humano só para prender o jogador por mais alguns minutos ou algumas horas. Fica mais ainda decepcionante é saber que debaixo desses problemas existe um ótimo shooter espacial para quem quer uma pegada arcade, ver belas explosões e comandar três tipos de naves que alteram significantemente a jogabilidade.
Everspace é como ir acampar e decidir levar o fogão de casa junto com um botijão imenso. Você pode jurar de pé junto que a comida fica mais gostosa, mas vale todo o esforço? Bom, pode até pagar para descobrir, mas na hora de acampar o melhor é uma comidinha rápida. E para shooters espaciais, ir direto ao ponto as vezes é o melhor que uma desenvolvedora faz.
Everspace
Total - 7
7
Um refinado shooter arcade que se prejudica ao tentar esticar o suposto conteúdo por trás de barreiras de dificuldade imaginárias. Carece de balanceamento e só exibe o seu melhor depois de fazer a paciência do jogador ficar por um triz.