A história é a seguinte: R-Type e Diablo se casam, passam anos juntos e depois se separam. Na divisão de bens surge Drifting Lands, a mistura de shmup horizontal com Action RPG da francesa Alkemi. Disponível no Steam por R$35,99.
O caso de Drifting Lands é um dos mais peculiares que vi ultimamente. A trama de um planeta a beira da destruição, uma corporação gananciosa e um grupo de mercenários que arma suas naves com equipamento sucateado. Intencionalmente ou não, a história batida e superficial encaixa perfeitamente com a temática, já que tanto shmups como Action RPGs são mais conhecidos pelo loop de gameplay ao invés de uma temática ou narrativa. É neste loop que Drifting Lands encontra forças para cativar o jogador e em partes desmotiva-lo.
Comparado aos grandes shmups japoneses, aos R-Types, aos Darius, aos Mushihimesamas, Drifting Lands é mais brando em relação a penalidades. A nave não é eliminada em um hit, um escudo o protege de danos antes de sequer encostar na sua barra de vida. Com três naves iniciais disponíveis — uma focada em ataque, outra na defesa e a última que atua como um “meio termo” entre ambas — a primeira hora com elas, salvo a de ataque, tem uma cadência bem inferior ao restante do game.
É a maneira que a Alkemi encontrou para facilitar os jogadores no gênero, e sinceramente, acho um trabalho louvável. Diferente do que acontece com shooter espacial em primeira pessoa Everspace, cuja longa curva de aprendizado misturada com a geração procedural tende a ser uma caixinha de surpresas e pode demorar horas até encontrar algo interessante, Drifting Lands estabelece os princípios com o qual o jogador deve lidar ao longo das inúmeras horas de jogo.
Não exagero em dizer que Drifting Lands tem conteúdo de sobra, de sobra mesmo. Cada área é composta de 15 ou mais missões que aumentam de dificuldade, ou “Grade” como é chamado. A primeira grade é onde ele reforça para o jogador a importância das habilidades — quatro ativas e duas passivas — posicionamento da nave e obviamente não tomar dano.
É o completo inverso do que acontece em jogos como Dodonpachi, por exemplo, que ensinam pela tentativa e erro e rapidamente lançam variáveis inesperadas na cara do jogador. Drifting Lands não, a primeira área você se acostuma com o tipo de inimigo que está presente, quais são as táticas deles, posições, etc.
As coisas ficam interessantes mesmo a partir do Grade 2, onde o game se vê na liberdade de acabar com os seus sonhos e destruir qualquer expectativa de que você estava de fato, avançando em sua habilidade. Aquelas navinhas sem graça? Agora disparam dezenas de balas. Aquelas menores ainda? Agora explodem ao entrar em contato com o jogador.
A partir deste ponto é que Drfiting Lands abraça com força o componente de Action-RPG, mas não para estabelecer a progressão do jogador, e sim definir como ele vai se adequar para as fases. Diferentes canhões geram alternados padrões de disparo, com bônus e fraquezas de acordo com o grupo que eles pertencem — disparos triplos, pequenos lasers, a lista vai longe. Falta de equipamento nunca foi uma barreira para passar de fase e isto é particularmente excelente para quem não está acostumado com shmups.
Fazer um action RPG onde uma “classe” não fique restrita apenas um estilo de arma é imensamente complexo e a Alkemi acerta com precisão em Drifting Lands. O contato com os inimigos é diferente de um Path of Exile, um Titan Quest ou um Diablo. Os jogos citados comumente se sustentam pela variedade de habilidades enquanto as armas — principalmente em Diablo III — são elementos que servem para incluir atributos ou bônus passivos.
Já o restante do sistema de loot serve mais como um elemento motivador do que qualquer outra coisa. O famoso “tapinha nas costas” por ter completado uma missão, mesmo que eu não veja necessidade disso. O diferencial de Drifting Lands fica para o sistema de falhas. Se encaixando mais uma vez perfeitamente na temática equipamentos exóticos ou únicos tendem a ter falhas — como aumento de requisitos ou redução do escudo. Um sistema superficial, mas que ao menos dá um saborzinho de estratégia para a progressão da nave.
Entretanto, excessivo foco em armas traz consigo outra dor de cabeça que não é limitado a Drifting Lands, mas sim, vista maneira geral a muitos jogos com ataques a distância: Como transportar a sensação de impacto de um projétil de maneira que faça o jogador vibrar ou sentir tensão. Diablo III, por mais defeitos que tenha, consegue passar muito bem essa sensação com todas as classes, onde Path of Exile e Drifting Lands pecam.
A tensão de Drifting Lands é gerada pela posição dos inimigos em si do que a vitória que o jogador tem sobre eles. Ela surge, como se tivesse vergonha de si mesmo, nos segundos entre desviar de um disparo ou outro do que que apertar o gatilho. O resultado são efeitos insossos para os disparos e explosões, que não exprimem somente os dizeres “parabéns, você eliminou um inimigo”.
Não é que a Alkemi erra a mão no estilo visual todas as vezes, as habilidades ativas em conjunto com seus modificadores — desbloqueadas de acordo com o nível de dificuldade e compráveis com dinheiro das missões — exemplificam o verdadeiro de “poder” da sua nave. Essa demonstração é demasiadamente pontuada, restritiva. A discrepância com os efeitos visuais dos disparos é tão grande que conduz o jogador para a ideia que deve evitar de os usar, e é justamente o contrário. Drifting Lands praticamente distribui “mana”, necessária para as habilidades, no mesmo ritmo que o Silvio Santos jogava aviãozinho no Topa Tudo por Dinheiro.
A discrepância de poderes não se limita a nave controlada pelo jogador. Ele é visto em maior escala nos chefões, que mais se parecem inimigos de proporções maiores do que os encontrados tipicamente nas fases e usam padrões de ataques ligeiramente diferentes. Essa talvez seja a maior falha da Alkemi em Drifting Lands, que não consegue traduzir a noção de que o jogador está prestes a atingir uma nova dificuldade com chefões tão sem graça. Tanto para shmups como action RPGs, chefões são parte essencial da estrutura. Em Ikaruga é fácil lembrar do “ping pong” feito com o chefão final, ou as diferentes formas de ataque de chefões de Grim Dawn. Drifting Lands? Nada.
A “culpa” é tanto da Alkemi quanto a mistura dos gêneros em si e em partes, perdoável. Ambos os estilos de jogos tendem a ser ultra focados em duas ou três mecânicas e a desenvolvedora francesa tenta fazer com que nenhuma delas perca o seu brilho. Uma história que se vê em jogos Open World ou que tentam capitalizar no maior grupo de jogadores possível. Ao menos Drifting Lands não precisa equilibrar tantos pratos como as monstruosidades (ou aberrações) criadas por gigantes como Ubisoft e Electronic Arts.
Mesmo ao levar o deslize em conta, ele é um bom ponto de partida para shmups. Com um segmento bem menos aquecido do que os anos 90/00s de lançamentos, novatos tendem a partir para a tentativa e erro em clássicos ou simplesmente não dar uma oportunidade por acharem “difícil” demais. Neste espaço é onde se encaixa Drifting Lands.
É essencial que tenhamos jogos que considero como “etapas iniciais” para o aprendizado e amadurecimento do gosto de alguém pelo estilo ou não. Quando a Alkemi junta action-RPG com Shmups ela convida o jogador para compreender melhor como estes subgêneros funcionam. Encontro em Drifting Lands o mesmo elemento que eu vejo em rogue-lites como Spelunky, Caveblazers e até mesmo Sublevel Zero — a oportunidade de não jogar alguém que nunca conheceu o estilo aos leões e o deixar aprender no seu ritmo.
Recomendá-lo para quem já está calejado de tanto morrer em Touhou, Mushimesama, R-Type, Gradius, Deathsmiles, dentre tantos outros clássicos de desenvolvedoras japonesas, é quase impossível. A gratificação de um shmup é reduzida em favor da gratificação por mais loot. Agora para quem nunca jogou, ou teve receio de testar, Drifting Lands é ótimo.
Drifting Lands
Total - 7.5
7.5
Uma peculiar mistura de estilos que nem sempre equivale em um jogo balanceado. Drifting Lands é o perfeito “meu primeiro shmup”. Motiva o jogador em avançar pelo sistema de loot e, mesmo com chefões sem sal, ensina a importância de posicionamento da nave na tela. Nunca deu uma oportunidade ao gênero? Está na hora de mudar isto.